Felipe Neto diz que criança odeia Machado de Assis; Eu, digo que não

Cássio de Miranda

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Felipe Neto diz que criança odeia Machado de Assis; Eu, digo que não. 3

Recentemente, estava por procurar algo interessante para assistir, deve ter sido em um dos tantos sábados ociosos, quando me deparei com o stand-up, ou qualquer coisa do tipo (parecia mais contação de história), do Felipe Neto. O material é Original Netflix, e eu costumo ver as produções originais, e o Felipe sempre me despertou curiosidade, por seu pioneirismo no YouTube Brasil e por gerar sempre polêmicas em suas apresentações públicas. E eu adoro uma polêmica, admito.

O que me surpreendeu foi o fato da polêmica estar relacionada justamente a minha área de interesse, o que foi também uma delícia, porque isso acaba gerando texto aqui no blog. Vamos lá, no decorrer do seu texto, em meio aos gritos histéricos de suas fãs e dos incontáveis palavrões deferidos pelo artista, o que é do jogo, o Felipe Neto soltou a seguinte pérola:

“(…) A gente chega para as nossas crianças de 12, 13, 14 anos, e a escola obriga elas a lerem Dom Casmurro, Iracema, Senhora, pra uma criança, aí depois as pessoas se perguntam, ‘porque será que as crianças no Brasil se interessam tão pouco pela aula de literatura?’… Ao invés da escola se posicionar, e falar: ‘Nós vamos introduzir a leitura obrigatória na vida desses jovens através de algo que ele se apaixone e que desperte o seu interesse por literatura, nós vamos introduzir através de Harry Potter’… Mas aí eles falam assim: ‘Não Felipe, não fala uma coisa dessa, nós temos que valorizar os clássicos nacionais…’ Fodam-se os clássicos nacionais nesse aspecto, a única coisa que importa é despertar interesse de literatura na criança, e criança odeia Machado de Assis.” (Veja em vídeo aqui).

Bom, a opinião é contundente, e não seria diferente vinda de um dos maiores ídolos teens do país. Agora, o que mais me fez discorrer sobre esse fato é justamente a contundência com que o Neto fala ao seu público, presente no teatro, e ao país, visto que o seu especial está disponível para todo o país, quem sabe até o mundo, não sei, que as crianças odeiam o Machado.

Como estudante de Letras, tive diversas aulas com profissionais da área de Educação; alguns acreditam em suas metodologias, muito embora as didáticas aplicadas “cheirem” à antiguidade. Já outros discordam veementemente dos processos aplicados no ensino de Língua e Literatura Brasileira, apresentando novos modelos e apontando para um novo método, que atingirá os estudantes do Século XXI, que, absolutamente, se difere em muitos aspectos dos alunos das décadas passadas.

Mas uma coisa todos esses profissionais têm em comum: Nenhum aprova a extinção do ensino de Literatura Clássica nas escolas brasileiras. O professor Marcelo Brum-Lemos, em entrevista ao “Recorte Entrevista”, afirma que “é essencial ensinar literatura clássica aos alunos, principalmente pelo fato de que esse método traz ao estudante a concepção do passado, apontando para as novas obras, as que o aluno já está mais habituado a ler.

Concordo plenamente com o professor, e digo mais, a pós-modernidade literária mundial é uma espécie de reflexo de tudo o que as outras escolas literárias já criaram. Vale a ênfase: Criaram! Mas enfim, esse nem é o principal ponto, pelo simples fato de refletir uma exclusiva opinião, a minha. Prefiro agarrar-me à experiência como editor do Recorte Lírico, que, em sua fanpage, invariavelmente, reflete o gosto literário de pessoas distintas, e pensando nisso, posso concluir algumas questões. Por exemplo, temos pouco mais de quatro mil curtidas na página oficial hoje, com faixa etária diversificada, entretanto 46% têm entre 13 e 17 anos, o que significa que esse é o grande público da fanpage, o segundo maior grupo em faixa etária está entre os de 18 a 24 anos, totalizando 37% dos “curtidores”.

Dado esses números, afirmo que um dos temas, livros e autores mais comentados no Recorte faz referência ao próprio Machado ou alguma obra que ele escreveu, como no exemplo a seguir:

Nesse post, quase dez mil pessoas curtiram e pouco mais de mil comentaram, com certo entusiasmo e domínio do tema proposto, que no caso faz menção à Capitu, um dos personagens mais importantes de “Dom Casmurro” (que literalmente o Felipe Neto critica). A quantidade de compartilhamento chega quase ao número de mil. Pois bem, você pode alegar que trata-se de um meme, e essa adesão é recorrente nas redes sociais. Ok, eu até concordo que esse post tem uma linha de maior humor, beirando à paquera em sim, mas que tal este?

Em suma, todos esses argumentos, mostrando os números do público do Recorte Lírico, que é de maioria adolescente e de jovens até os seus 24 anos, que a adesão aos temas dos livros clássicos é extremamente relevante e que o feedback dos leitores em matérias que estão relacionadas aos nossos grandes escritores, o que é uma tônica do nosso blog, é também positivo, tudo isso não passa de opinião, porém com certo embasamento de quem está “rondando” à área da Educação e tem contato direto com leitores, sim, verdadeiramente leitores, que não estão interessados em deixar o seu “passado cultural” para trás. Esses leitores, que também podem ser a audiência do bom empreendedor e youtuber Felipe Neto, querem entender como uma autora do calibre de J. K. Rowling, que tem formação em Cultura Clássica, conseguiu compreender o cenário literário clássico e colocou-se como uma das maiores escritoras da contemporaneidade com o Best-SellerHarry Potter, que é repleto de referências clássicas, de Charles Dickens a Tolkien.

O objetivo desse texto não é estabelecer uma disputa entre o clássico e o moderno, e sim aceitar e entender que ambos podem trafegar livremente nas escolas brasileiras. Podem e deveriam, lógico, com o olhar atento e técnico dos professores, que estão suficientemente capacitados para argumentar sobre a relevância de uma história, em termos estéticos, de riqueza linguística e outros elementos importantes, que a própria literatura da J. K. Rowling tem É preciso ouvir o aluno e atender, se possível, suas demandas, mas uma coisa está clara, as crianças não odeiam Machado de Assis, talvez só não tenham maturidade para entendê-lo, e isso deve acontecer até com a saga do bruxo mais querido do mundo.

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