Hora do Banho

Farrel Kautely

Hora do Banho

– Você já… pensando em mim? – ela perguntou a Carlos, meio sem graça, enquanto mexia nos cabelos dele sobre seu colo. Ele virou a cabeça para olhá-la nos olhos.
– Me desculpe, já o que?
– Sabe, aquele negócio.
Ele a olhou intrigado, sem entender o que a companheira queria dizer.
– Fala de uma vez o que quer saber minha filha.
Ele sabia que ela detestava ser chamada de “minha filha”.
– Aquilo que vocês homens fazem quando estão tomando banho.
Ele teve de pensar um pouco para entender do que ela estava falando. Quando entendeu, ficou surpreso:
– Porque diabos está perguntando isso para mim? Nós homens? Você mulher não faz?
Ela fez uma careta repentina.
– Que nojo! Eu não faço esse tipo de coisa.
Carlos ficou calado. Achou melhor não discutir a respeito com a amiga com quem tinha um relacionamento íntimo. Não parecia sensato.
Mas a baixinha não tinha o costume de esquecer os inícios das conversas, e sempre insistia em terminar ela mesma todas as que iniciava:
– Mas e então, já pensou em mim?
– Porra Júlia! O que deu em você pra vir me perguntar isso? Não me lembro de ter te enchido a sua paciência com…
– Só quero saber. Sim ou não? – ela insistiu, interrompendo-o.
Carlos olhou para outro lado, estalou alguns dedos em sinal de nervosismo e voltou a encará-la com uma expressão pensativa antes de dizer lentamente:
– Já.
– Que nojo Carlos, você?
– Uai! Se não quer saber não pergunta.
Ele levantou-se e se afastou dela. Poucos segundos depois estacou. Ficou parado e imóvel por um tempo antes de virar decidido e voltar para perguntar, parando de frente para ela:
– Por que está me perguntando isso?
– Queria saber se é igual aos outros.
– Mas que bobeira gente – ele disse olhando para os lados como que para mostrar a pessoas que não estavam ali que a garota a sua frente estava sendo tola. Depois voltou a encará-la, indignado: Sabia que você também é igual às outras meninas?
Ela ficou chocada:
– Quem? Eu?
– Sim, você. Sua bolsa está cheia de absorventes.
– Mas você sabe muito bem pra que servem.
– Ah, sim! Claro! Mas é claro que sei. Serve pra uma coisa que todas as mulheres fazem. Você tem uma característica semelhante a todas as outras, mas não é por isso que é igual a todas elas. Você usa esse tipo aí e tem gente que usa outro. Tem gente que tira tudo pra não…
– Mas pensar em mim no banho é estranho. É surreal pra mim.
– O que você esperava? – Carlos perguntou, irritado – O clima estava interessante, entende? Não considere uma ofensa. E não é tudo mundo que faz. Mas ainda assim é uma coisa normal.
– Que nojo!
Desanimado, Carlos sentou-se ao lado dela e alisou seus cabelos. Ela fez menção de afastar a mão do rapaz.
– Foi com essa mão que você…
– Tem certeza que ainda quer falar nisso? – ele perguntou. Júlia se calou e o deixou abraçá-la – Não deve perguntar o que não quer saber Júlia. E às vezes não vale a pena perguntar o que já sabe a resposta. Principalmente se o assunto te incomoda de alguma maneira. Você é bem esperta, tente ver as coisas pelo ponto de vista das outras pessoas.
Era esse tipo de coisa que ele falava que a fazia gostar dele, que a fazia querer continuar nutrindo aquela “amizade colorida” típica da idade dela. Naquela noite foi ela quem pensou nele enquanto tomava banho antes de ir se deitar… Ele nunca soube disso, é claro.

 

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