Um “Grito” que ecoa dos tempos áureos do nosso teatro

Recebi há quase um ano um livro do autor catarinense (que reside no Rio de Janeiro) Godofredo de Oliveira Neto através do seu agente literário. Acabei por procrastinar a leitura, o que me arrependo profundamente, pelos motivos óbvios de leituras acumuladas, o trabalho de editor do blog e da revista e pela faculdade. Bom, antes tarde do que nunca! O livro é super interessante, original e merece a aquisição e a leitura, e vou explicar os motivos.

Para começo de conversa, é interessante falar sobre o autor, que é professor universitário na UFRJ e, além de escrever o “Grito”, lançou outros títulos, mais de uma dezena. Alguns deles recomendados e premiados, até com Prêmio Jabuti.

Bom, o livro narra a história da Eugênia, uma atriz octogenária, aposentado, carioca, que vive num prédio na zona sul do Rio, solitária, não fosse pela presença do seu “amigo”, o Fausto, moço de menos de vinte anos, negro, aparentemente bissexual.

Fausto é importantíssimo para o “Grito”. Diria fundamental. O sujeito tem o sonho de ser ator, mas não consegue nem parar num emprego. A cada mudança, comemora sempre com um grito característico, bom, o nome já começa a ser explicado daí.

Ele diz se tratar do grito que sua irmã gêmea não conseguiu dar no nascimento. Nasceu morta. Se chamaria Ifigênia de Sá Sintra. E isso liberta ele. Depois virou um costume; e a cada situação profissional nova Fausto solta o grito engasgado na garganta da gêmea.

Narrado em primeira pessoa e misturando peças de teatro, a atriz aposentada vai nos contando, e a mais alguém, suas aventuras ao lado do seu companheiro. Um quase ator, chega a ser quase pelo esforço dela em escrever essas cenas para que Fausto possa representá-las. Sempre no seu apartamento, o trezentos e dezoito, ou no dele.

Um Fausto da Eugênia, mas também do Goethe, do mito alemão em si. Vamos conhecendo o negro por quem ela apaixonara-se justamente através dessas cenas, quase sempre baseadas na vida do rapaz. Um fluxo de consciência gerado por essa relação platônica entre a dama do teatro brasileiro e o quase cafajeste Fausto, quase sempre solicitado por outras mulheres, o que sempre gera uma busca incessante e repleta de ciúmes da sua principal interlocutora para descobrir as identidades de suas “paqueras”.

“Grito” tem Goethe, mas também tem Shakespeare, tem Nelson Rodrigues, tem Mefistófeles, o inimigo da luz (ou do Fausto), tem teatro, nos seus tempos áureos, nesses tempos da atriz Eugênia. Tem originalidade! O livro tem leitura fácil (quando se acaba tem tristeza), tem cenas fortes e interessantes no fim, com tragédia que se espera desde o começo.

Para quem ama teatro, para quem quer começar a lê-lo, para quem conhece Godofredo, para quem tem curiosidade de descobri-lo, para quem ama Goethe, para quem quer descobrir o seu Fausto, para quem nunca ouviu o “Grito”, recomendo: Leia-o, e delicie-se. O “Grito” continuará a ecoar…

 

O livro:
Grito (2016)
Editora Record
Preço: R$ 37,90
Link para comprar: http://bit.ly/2BpKWWM

 

Um "Grito" que ecoa dos tempos áureos do nosso teatro 1Godofredo de Oliveira Neto (Blumenau22 de maio de 1951) é um escritor e professor universitário brasileiro, formado em Letras e Altos Estudos Internacionais pela Sorbonne. Atua, como docente, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1980.

 

 

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