Cactos

Farrel Kautely

Cactos

Gustavo gostava muito de Fernando. Era um bom amigo. Inteligente, criativo, engraçado, carismático o suficiente para entreter qualquer pessoa em sua conversa… fazia muito sucesso entre as estudantes do campus.

A professora de linguística tinha passado um trabalho e Fernando o convidou para ir até sua república a fim de estudarem juntos. Gustavo topou de imediato.

Ao chegar à república Toa Toa Gustavo foi apresentado aos moradores que estavam presentes. Depois adentrou no quarto de Fernando num convite para conhecer seus apontamentos e pertences.

O quarto ficava no segundo andar. Tinha uma janela enorme, e era imediatamente visível a quem visitava o lugar os vários vasinhos com uma enorme variedade de cactos.

Gustavo sempre achou o amigo mulherengo. Galinha, como diria sua mãe. Por isso não surpreendeu-se com a explicação de Fernando sobre a origem dos cactos quando comentou que os achou legal.

— Ah, são todos presentes das minhas ex namoradas — Fernando apressou-se a dizer, sorrindo alegremente. — Começou com meu fascínio pelo Egito. Você deve se lembrar que vivo dizendo que quero conhecer. Tá vendo esse aqui? É da espécie tal, original do Egito mesmo. Minha namorada, ou melhor, minha ex-namorada Talita trouxe pra mim de lembrança quando foi lá conhecer as pirâmides. Quando terminei com ela e comecei a namorar a Cláudia, que é amiga dela, ganhei esse aqui. Ela não quis ficar pra trás, entende?, e me deu de presente. É da espécie tal. Também é originária do Egito, mas a Cláudia não era filha de deputado como a Talita, então ela comprou no centro de São Paulo. Aquele cacto ali, por outro lado…

Fernando apresentou a história de cada um dos vinte e três cactos que cultivava na janela. Quando terminou instaurou-se um silêncio de fim de assunto.

Enquanto não surgiu um novo, Gustavo lançou um olhar para o restante do ambiente. Reparou na segunda cama.

— Você divide quarto?

— Sim, com o Vinícius. Mas ele tá viajando. Quer ver o Instagram da mina que tô pegando?

Gustavo não estava interessado. Fernando então o perguntou se topava ver as fotos que tirara no VII Simpósio de Literatura Histórica. Quando deu por si, Gustavo já não via mais conteúdo acadêmico científico, e sim conteúdo acadêmico fitness.

Ao descer ao primeiro andar, tempos depois, havia um rapaz que não estava lá mais cedo. Ao lado dele, uma mala.

— Esse aqui é o Vinícius — apresentaram os outros moradores.

Gustavo engajou-se numa conversa animada com Vinícius. Quando este anunciou que tinha de se retirar para colocar a vida em ordem pós viagem, levantou, estalou os dedos como fazem os que estão prestes a botar a mão na massa e disse:

— Vou aguar meus bebês antes de tomar banho e ir pra aula. Fiquei mais de duas semanas fora e o Fernando sempre promete que vai regar, mas acho que ele não faz isso desde o dia que eu disse que cactos precisam de muita pouca água.

 

 

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