Ecos de Paris II, O Fantasma das nossas Óperas, Paris está a arder

Frank Wan

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O elitismo literário, do alto da sua superioridade, tem certos géneros literários listados num “Index” e, naturalmente, despreza profundamente qualquer autor ou título desses filhos de um deus menor. Fica assim relegado para o esgoto literário, entre muitos outros, a ficção científica, os policiais, a literatura de terror, os romances cor de rosa, a literatura erótica, o panfletarismo, a literatura engagé, mas ninguém consegue impedir nem os acidentes, nem os milagres: os desertos mais áridos, por vezes, produzem as melhores flores.

E o milagre dá-se: um autor secundário, Gaston Leroux, autor de policiais auridos de literatura fantástica, escreve um livro a todos os títulos notável. Tomando como critérios as estruturas tradicionais de narrativa, o ritmo de escrita, a capacidade de despertar o interesse do leitor, a dinâmica entre personagens e locais, o equilíbrio entre andamento e suspense, não é impossível considerar este o “melhor romance de sempre”.

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Tudo no romance é uma mistura de fronteiras e contornos difíceis de separar entre o real e o fictício. Não restam quaisquer dúvidas que as óperas de Paris estão cheias de fantasmas, uns que ecoam até hoje e outros que estão bem ativos e prontos a fazer das suas.

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Proponho uma listagem rápida das maldições parisienses.

Destaca-se entre todas as salas a “Opéra Garnier”, do famigerado arquiteto Charles Garnier. O próprio edifício, em si, já respira mistério: todo ele é um imenso labirinto de salas e estúdios, um dédalo assustador. A própria escadaria central, típica de filme, coloca-nos imediatamente no centro do espetáculo: sobe-se na direção das brumas do mistério e a fortíssima iluminação cega-nos… Na Sala Square Louvois, em 13 de fevereiro de 1820, o Duque de Bérry é assassinado e a sala é demolida.

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A Ópera Cómica, a 15 de janeiro de 1838, depois da representação de Don Giovanni é devastada por um incêndio, é reconstruída e em 1887 deflagra outro incêndio grave com o balanço trágico de 84 vítimas mortais.

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Fica nos anais da história o atentado a 14 de janeiro de 1858 a Napoleão III.

A bailarina Emma Livry, a 15 de novembro de 1862 incendeia-se em palco e morre oito meses depois em meio a grande sofrimento. É este mesmo teatro que a 28 de outubro de 1873 sofre um incêndio que o destrói matando centenas de pessoas.

Os acidentes graves e devastadores sucedem-se engrossando uma vastíssima lista de difícil levantamento e fica, assim, no ar a eterna pergunta: estes acontecimentos são apenas coincidências ou há razões misteriosas?

O “Fantasma da Ópera” nasce do incêndio da Rua Peltier e vai tomar forma de romance pela mão de Gaston Leroux que o coloca no cenário do Garnier que tinha sido palco de uma sucessão macabra de acontecimentos: queda do lustre que mata uma espetadora sentada na cadeira número 13, pouco depois, uma bailarina cai de uma das galerias e morre no degrau 13 da escadaria, tudo isto numa sala de Ópera foi a décima terceira a ser construída em Paris.

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O romance tem três grandes pilares: a arquitetura do edifício Garnier – Leroux é um hábil jornalista, domina todos os métodos de informação e documentação e, sendo um excelente escritor, descreve de forma primorosa alguns dos detalhes da estrutura do edifício colocando-o ao serviço da narrativa; tudo corre numa história de amor; e está eivado do mundo fantasmático, no fundo, o Fantasma da Ópera, é uma história de Terror.

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A leitura do romance tem todo o ritmo e ambiente de uma reportagem sobre o edifício Garnier, com retratos psicológicos finos e com ligações extremamente dinâmicas entre os blocos narrativos. A arquitetura do romance faz jus à arquitetura do edifício Garnier.

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Gaston Leroux foi para Paris estudar direito e frequentava os teatros de forma apaixonada, foi aí que bebeu muito dos elementos reais e fictícios que vai misturar nos seus diversos escritos. Ao longo do romance, quase em discurso direto, agradece aos empregados, diretores, atores do Teatro Garnier todas as informações que lhe foram dadas o que acrescenta realismo à obra, mas, embora as pessoas tenham existido todas, não é totalmente verdadeiro que lhe tenham transmitido aquelas informações, muitas vezes, o autor faz deslocações cronológicas convenientes, por exemplo, colocando na direção do teatro nomes de antigos diretores – o pobre do Senhor Gaillard (Diretor do teatro) é abundante e indevidamente citado como uma das suas fontes “fidedignas”. No fundo, pode dizer-se que o romance tem a estrutura das melhores mentiras: tudo é verdade e tudo é falso no Fantasma da Ópera. Por vezes, pega em detalhes e amplia-os, outras, toma grandes acontecimentos e redu-los à medida da narrativa aspergindo sempre todos os elementos com uma aura de mistério e assombro. O romance é, ainda, fortemente influenciado pelas temáticas e tratamento do Trilby de George du Maurier, obra extremamente popular e que dominava o imaginário dos leitores da época.

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Os elementos da mentira-verdadeira, como Aragon lhe chamava, estão de tal forma imbricados que só uma enciclopédia em diversos tomos os conseguiria desconstruir. A título de exemplo, na narrativa dão-se umas navegações aquáticas, atribuindo ao edifício a existência de um lago subterrâneo. Garnier, por motivos de engenharia civil, ao erigir o edifício deixou, de facto, um pequeno pântano no subsolo que permitia certas respirações das fundações, esse pântano, na pena de Leroux, vai tomar as proporções que os leitores descobrirão.

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Na verdade, na época, os incêndios em edifícios eram muitíssimo frequentes e nas salas de espetáculo ainda mais. Os teatros, em particular, têm um sistema elétrico com fios entrelaçados de baixíssima segurança e, no meio daquele novelo, facilmente se iniciava um incêndio num ambiente de muito tecido e madeira. Os incêndios são devastadores material e humanamente, traduzindo-se em muitos mortos. Só muito mais tarde é que aparecem conceitos como “saída de segurança” e outros mecanismos contra incêndios.

A obra está na origem de diversas adaptações para cinema e teatro, talvez seja dos romances mais adaptados para outros formatos artísticos e com maior sucesso, curiosamente, nunca foi representada em Paris. A sua estreia estava marcada para 25 de setembro de 2016 no Teatro Mogador, mas, na noite anterior, o teatro sofreu um incêndio devastador!!!!

Eu também não acredito em bruxas…

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1 comentário em “Ecos de Paris II, O Fantasma das nossas Óperas, Paris está a arder”

  1. Excelente ARTIGO !!
    AS FANTASMAGORIAS PARISIENSES E O FANTASMA DA ÓPERA!
    E NUM DIA PRÓPRIO COMO O DE HOJE
    15/4/2019
    iNCENDIO DA nOTRE DAME DE PARIS.

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