Os Reis Malditos, a grande inspiração de Game of Thrones

Frank Wan

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Tal como os Beatles, Ronaldo e Messi ou o único, maravilhoso e eterno João Gilberto, Game of Thrones, em qualquer parte do planeta, seguindo o bordão, dispensa apresentações. A vida de todos os habitantes do planeta, tirando os que nasceram ontem, foi cruzada e até mesmo pautada por cada episódio da série, muitos se referirão a esta época como a época do Game of Thrones.

O número de espetadores da série The Sopranos (Família Soprano) parecia insuperável, mas a humanidade tem sempre esta estranha capacidade de fazer um pouco mais e de ir mais longe.

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As opções de produção e o trabalho de David Benioff e Daniel Brett Weiss estão fora da órbita deste ensaio. A produção tem por base o livro de George R. R. Martin As Crónicas de Gelo e Fogo (A Song of Ice and Fire). A série segue as grandes linhas narrativas e pilares temáticos do livro, não é uma adaptação à letra do livro para televisão, embora o ambiente em que as personagens evoluam seja o mesmo: do Sete Reinos (Seven Kingdoms of Westeros) até ao continente de Essos. Um tema interessante na sombra desta abordagem é a estranha ligação dos The Sopranos ao Game of Thrones, os personagens e os contextos são outros, mas muitas das oscilações humanas, lutas de poder e relações dentro de grupos estruturados étnica, religiosa e pessoalmente têm fortes paralelismos com The Sopranos.

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As imagens seguem mais ou menos a linhagem da mistura de ícones medievais, tais como nós a vemos a partir de tantos outros filmes anteriores, com imagens Clássicas (Império Romano e Grécia), muitas vezes se dá cenas de “justa” (lutas entre cavaleiros) num ambiente semelhante ao areópago grego com as clássicas varandas que dão sobre cenárias amplos. A série é, no entanto, um caldeirão onde são misturadas alusões a diversos grandes clássicos literários e históricos: a Muralha de Adriano (Hadrian´s Wall) aparece na forma de uma muralha separadora, estão presentes muitas alusões ao Império Romano, à Atlântida, ao Império de Bizâncio, às Sagas Islandesas, aos Vikings, à Guerra dos Cem Anos e até mesmo ao ambiente de conspiração palaciana típico dos principados do Renascimento.

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George Martin foi sempre perentório em afirmar que Os Reis Malditos (Les Rois Maudits) são a grande fonte de inspiração do Game of Thrones. Esta inspiração é surpreendente! Game of Thrones é um prodígio de fantasia que nasce de uma obra “realista”! Os Reis Malditos, embora escrito usando a linguagem e técnica romanescas, não se afasta quase nada da descrição dos acontecimentos históricos. Game of Thrones seduz, assim, os dois públicos: os que gostam de fantasia e os que preferem acompanhar uma trama “realista”.

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Note-se que, ao longo da Série Game of Thrones, os diversos personagens vão contando histórias do passado, técnica muito usado na linguagem televisiva para enquadrar o espetador prescindindo da voz do narrador, essas micro-narrativas em diálogo traduzem a visão que o povo tem dos grandes acontecimentos, não a dos historiadores, nem a dos participantes, curiosamente, George Martin bebeu isso dos Reis Malditos: temos a visão que o povo tem dos grandes acontecimentos e que, inclusive, são contadas e cantadas pelos poetas nas canções de gesta. Há sempre uma história oficial ou académica e uma história que é contada a partir da memória do povo. Game of Thrones é a memória do povo.

Se as Crónicas de Gelo e Fogo se podem enquadrar no género “fantasia épica”, os Reis Malditos são um caso clássico de série de romances históricos escritos e coordenados por Maurice Druon entre 1955 e 1977. George Martin não deixa margem para dúvidas “Maurice Druon é o meu herói”.

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A ideia da maldição dos reis nasce num episódio famoso da história: Jacques de Molay, o último Grão-Mestre Templário é condenado à morte por fogo e, no momento em que sentença é executada, lança uma maldição, até à décima terceira geração, ao rei Filipe IV, o Belo, ao Papa Clemente V e a Guilherme de Nogaret, este último tinha sido responsável pela perseguição e encarceramento dos Templários. A história dos sucessivos romances é a história da materialização da maldição sobre os filhos dos amaldiçoados. Há uma placa em Paris na Praça do Vert-Galant, indicando o local onde o último Grão-Mestre Templário foi queimado. Talvez haja uma alusão a este episódio na morte de Mance Rayder por fogo, o líder dos selvagens.

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Maurice Druon e os colaboradores escreverão ao todo sete volumes, os seis primeiros todos editados entre 1955 e 1960 e o último em 1977, abarcando os acontecimentos que vão da ascensão ao trono de Filipe o Belo, portanto da ascensão e queda da Dinastia Capetiana até ao início da Guerra dos Cem Anos. A coleção de sete volumes tem um grande êxito junto do grande público. O género romance histórico era muito procurado pelo leitor médio da época: juntava-se à sensação de seguir uma boa narrativa a sensação de aprender alguma coisa sobre história. Rapidamente os livros foram traduzidos em diversas línguas e George Martin leu os mesmos na tradução inglesa sob o título The Accursed Kings.

Os Reis Malditos eram dos poucos livros que tinham autorização para ser publicados na União Soviética, um dos leitores entusiastas era Vladimir Putin, ex-agente do KGB em serviço no estrangeiro e mais tarde chefe dos Serviços Secretos Soviéticos. Putin fez diversas viagens só para se encontrar com o autor. Maurice Druon era, portanto, não apenas o herói de George Martin, mas também de Putin.

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Se George Martin se inspira em Druon, os realizadores e produtores de Game of Thrones adaptam, transformam, deslocam e reconstroem muitas cenas das adaptações francesas para televisão.

A primeira adaptação direta para televisão é de 1972 com o mesmo título Les Rois Maudits (Os Reis Malditos) e realizada por Claude Barma. A série é do Jurássico das séries de televisão: trata-se de teatro filmado, episódios que duram muito mais de 1h, ao contrário do moderníssimo Game of Thrones, prevalecem as filmagens de interiores, normalmente sombrios, onde se dão longos diálogos tipo folhetim radiofónico que procuram, na medida do possível, plasmar o texto do livro de base.

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A segunda adaptação é de 2005, Josée Dayan realizou cinco episódios de 90 minutos contando com a presença de grandes atores como Jeanne Moreau ou Gérard Depardieu. A série foi toda filmada na Transilvânia, terra do Drácula, no castelo de Hunedoara e, nas cenas de exteriores, pode-se ver ao fundo as paisagens dos Cárpatos. A cena de chamada na televisão francesa era protagonizada por Depardieu, na época ainda não tão anafado e gasto pelo álcool, representando Molay a ser queimado e gritando as maldições.

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