Telefone analógico, fax e pager: um elogio às mídias vintage

Verônica Daniel Kobs

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Apesar de o público em geral entender o computador e a Internet como mídias relacionadas à TV, Júlio Plaza afirma que a mídia televisiva não desempenhou o papel principal nessa evolução. O autor revela que o videotexto, disponível, hoje, nos canais do Youtube, “é interativo, pois […] nasce de um meio interpessoal: o telefone” (PLAZA, 2017, grifo nosso). Mais adiante, o autor conclui: “Pela intermediação das redes de telecomunicação, o videotexto põe em relação pessoas equipadas com terminais, completando os serviços telefônicos tradicionais com os computadores” (PLAZA, 2017). Estabelecida essa conexão, vale registrar que o videotexto “opera regularmente (desde o dia 15/12/82) na cidade de São Paulo, sob os cuidados da Telesp” (PLAZA, 2017, grifo nosso).

Sendo assim, o primeiro personagem de nossa breve história é, sem dúvida, o telefone, mas não no formato que conhecemos hoje. Vamos falar do telefone analógico, que teve seu período áureo até a década de 1980:

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Telefone analógico com dial circular Imagem disponível em: <https://bit.ly/2lsdARi>

Naquela época, esperávamos anos para conseguir uma linha telefônica própria. Era preciso se inscrever junto à telefônica do estado e entrar na fila. Quando casei, em 1998, esperei a minha linha por uns dois anos, enquanto eu usava uma que meu tio me emprestou, pois ele, preventivamente, tinha comprado duas, com planos de dar uma delas à filha dele, minha prima, quando ela crescesse.  Além disso, adquirir uma linha significava um investimento, tanto que era preciso declarar esse bem imaterial (sim, a linha telefônica, que funcionava a partir de um aparelho analógico) anualmente, no imposto de renda.

Claro que hoje isso soa como fora de moda e ultrapassado, mas faz parte de nossa história. Atualmente, temos chats, sites de busca, arquivos de vídeo e de áudio (que podemos acessar a qualquer hora, em diferentes canais), sem falar nos recentes aplicativos. Entretanto, quando tínhamos o telefone analógico, também tínhamos acesso a diversos serviços, o que comprova o fato apontado por Plaza, de que o telefone foi o pai da Internet. As telefônicas de cada estado disponibilizavam números especiais, que ofereciam os mais variados serviços. Havia o disque piada, o disque amizade, o tele-horóscopo, o disque hora certa e o telegramática. Além disso, podíamos usar o telefone para enviar um telegrama, para ouvir a programação de todos os cinemas da cidade, e até programar uma ligação “fantasma” para nosso próprio telefone (Aliás, esse serviço sempre me intrigou. Nunca entendi a real função dele, mas o fato é que já o utilizei, na adolescência, para espantar aquela visita indesejada. Isso mesmo! Em vez de colocar a vassoura de cabeça para baixo, atrás da porta, pedi licença ao visitante e discretamente, em outro cômodo da casa, programei uma ligação para mim mesma.).

O disque amizade (que tinha o número 145) era, com certeza, o serviço mais popular da época e funcionava assim:

Bastava ter um aparelho telefônico em casa, discar os três números, 145, e pronto, você entrava em uma sala de bate-papo com várias pessoas e, se gostasse de alguma em especial, era só discar asterisco (*) ao mesmo tempo que a outra pessoa e ambos iam para o reservado. Na sala reservada, dependendo do desenvolvimento da conversa, poderia ou não haver uma troca de telefones, daí por diante, acontecia, de uma forma natural e muito extrovertida, uma linda amizade, namoro, ou até mesmo casamentos, […]. (TELECOM, 2019)

Hoje, muitos desconfiam desse tipo de serviço e questionam sobre a falta de segurança. Porém, esse medo não existia. Claro que também usei esse canal e tudo correu bem. Tudo bem, confesso que o encontro marcado não se realizou, mas eu compareci. Contudo, desisti de me apresentar, quando vi que meu candidato não era lá muito atraente. Não havia perigo nesse tipo de relacionamento, pois a empresa telefônica monitorava as conversas durante 24 horas, nos 7 dias da semana. Infelizmente, soube que, há alguns anos, o disque amizade, que ainda existia em algumas cidades do Brasil, foi desativado, porque os usuários de hoje deturparam o objetivo inicial desse serviço, passando a utilizá-lo como meio de atrair vítimas para crimes de estupro e pedofilia.

Pesquisando sobre esse canal de comunicação, descobri algo inusitado:

A ideia do Disque amizade surgiu a partir de um defeito no Disque piada de Londrina.
[…] os usuários que ligavam para ouvir as piadas, ao perceberem que podiam conversar entre si, permaneciam no telefone. Foi assim que […] resolveram investir na criação de um serviço que oficializasse as conversas nas linhas cruzadas do sistema. […] dois anos e meio depois, em março de 1982, o Disque amizade seria inaugurado em Londrina, chegando a operar, em mais de 80 cidades do Brasil e no exterior […]. (TELECOM, 2019) 

Com base nessa história, convém apresentarmos também o serviço pioneiro, de piadas, que deu início a tudo. E quem nos dá um testemunho é Pedro Burgos, ex-usuário do disque piada:

Como eu sou […] dessa época, lembro também do Disque-piada, um telefone [para o qual] você ligava para ouvir uma piada sem graça – e tinha de esperar até o dia seguinte para ouvir uma nova. Não havia […] vídeos no Youtube […], apenas uma estatal com esse tipo de serviço para aplacar a solidão das pessoas com tempo demais, numa era pré-internet. (BURGOS, 2019)

De modo a confirmar a popularidade dos telesserviços, no final do século XX, Aramis Millarch menciona que, na década de 1980, a Telepar (Telecomunicações do Paraná S. A.) faturava mensalmente mais de 10 milhões de pulsos, considerando apenas quatro serviços: “Disque Amizade [145], Hora Certa, (102), Horóscopo (138) e Disque Piada (137)” (MILLARCH, 2019). Isso me levou a alguns cálculos, que me permitiram a seguinte conclusão: se um pulso custa em média R$ 0,20, já com os tributos, a partir de várias estimativas que fiz, tentando entender as complicadas fórmulas de conversão de minuto para pulso e muitas tabelas de preços, que abrangem horários de tarifação normal e reduzida, isso significa que a empresa paranaense tinha um lucro de R$ 2 milhões por mês.

Para os mais novos, outra informação que talvez seja desconhecida é que, pelo parentesco entre telefone analógico e Internet, quando essa grande rede social chegou, o sinal era diferente. Chamávamos de Internet discada. Para acessá-la, pagávamos o equivalente às tarifas de telefone, ou seja: pulso de valor normal ou reduzido, sendo que, após a meia-noite ou nos fins de semana (a partir de sábado, às 14h), podíamos passar horas conectados, pagando a bagatela de um pulso telefônico! Isso significa que não dormíamos e ansiávamos pela chegada do sábado. Porém, tenho que reconhecer que a conexão era lenta e difícil, se compararmos ao que temos hoje. A conexão caía muitas vezes e eram necessárias várias tentativas, até que o sinal se estabilizasse. Além disso, como a Internet era discada, a linha telefônica ficava ocupada. Portanto, tínhamos de escolher: ou navegávamos, ou usávamos o telefone. E, se alguém tentasse nos ligar, enquanto a Internet funcionava, só ouvia o sinal de ocupado. Por falar em sinal, é impossível esquecer o ruído longo e irritante da conexão discada. Se você nunca ouviu esse som da velha mídia, pode conhecê-lo agora, acessando este link: https://www.youtube.com/watch?v=Aq6w61E-xTM.

Depois do telefone analógico, veio a moda do fax, desenvolvido no fim do século XIX, “pelo mecânico escocês Alexander Bain”, que combinou “a tecnologia das transmissões telegráficas com um mecanismo de relógio” (REDAÇÃO MUNDO ESTRANHO, 2019). No entanto, o fax se popularizou apenas na década de 1980. Quando surgiu, nessa época, o aparelho era uma espécie de híbrido, pois tinha aparência de telefone, mas com funções comparáveis às do próprio telefone, do computador com acesso à Internet, da fotocopiadora e da impressora. Para enviarmos um fax, precisávamos seguir algumas etapas: ligar o aparelho, posicionar o papel com o texto a ser enviado, discar o número e clicar sobre o botão enviar. Era uma facilidade, na época, apesar de termos de reconhecer que a impressão era quase sempre pouco legível, além de apresentar alguns borrões. Outro dado importante é que o número do fax era o mesmo do telefone. Então, para conseguirmos enviar o fax, precisávamos discar o número, esperar os toques normais de chamada e apenas quando ouvíssemos um som mais longo e estridente podíamos, enfim, fazer o envio do documento. Para quem não conhece o sinal de um fax, temos a solução. Basta clicar sobre este link: https://www.youtube.com/watch?v=3EMDeBLsYKM.

Em suma, podemos definir o fax como “um sistema de transmissão de dados […] por via telefônica. Fax ou fac-símile é um dispositivo tecnológico […] que permite transmitir documentos, textos e outros dados através de uma linha telefônica gerando uma cópia” (QUE CONCEITO, 2019).

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Envio e recebimento de fax. Imagens disponíveis em: <https://bit.ly/2lvhDMz> e <https://bit.ly/2jQKTge>

Passemos agora à outra estrela da velha guarda das mídias, o pager, conhecido como “o meio de comunicação móvel que precedeu os celulares” (COELHO, 2019).

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Mensagem enviada e recebida por meio do pager. Imagem disponível em: <https://bit.ly/2jSTyPi>

O funcionamento do aparelho, surgido na década de 1990, no Brasil, era simples: “O dispositivo, ainda usado por profissionais como médicos, consiste em um pequeno receptor de rádio associado a um código ou número de telefone pessoal. Quem deseja se comunicar deve citar ou discar a sequência numérica juntamente com a mensagem a ser enviada” (COELHO, 2019). Até mesmo os personagens de Friends aderiram a essa mídia, já que, em um dos episódios da primeira temporada, Ross comprou um pager e combinou com Carol, sua ex-mulher, que, quando chegasse a hora do nascimento de Ben, filho do casal, ela deveria avisá-lo pelo pager.

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Cenas da temporada 1, episódio 22, de Friends: Ross faz um telefonema, após receber uma mensagem no pager (à esq.); e o figurino do personagem, com o pager preso ao cós das calças, sobre o cinto, como era usado em 1990 (à dir.). Imagens disponíveis em: <https://bit.ly/2kbrmHL>

Como essas imagens demonstram, o pager não acumulava funções (como ocorreu depois, com o celular). Desse modo, quando recebíamos uma mensagem importante no pager, precisávamos buscar imediatamente um telefone, para ligar para a pessoa que nos tinha contatado. Por isso Ross aparece, em uma das cenas, lendo a mensagem no pager e usando um telefone ao mesmo tempo. Outro detalhe importante, nos anos 1990, era saber como usar o pager no vestuário. As mulheres geralmente usavam-no na bolsa, mas os homens costumavam carregá-lo preso ao cós das calças, exatamente como mostra nosso modelo, o inconfundível Ross Geller.

Depois desse breve apanhado histórico e nostálgico de três mídias específicas, chegamos ao fim e, nesse ponto, é importante ressaltar que a velha crença de que as novas mídias extinguem as anteriores é equivocada e ingênua. Conforme Lúcia Santaella:

O que realmente acontece é uma refuncionalização constante das eras anteriores quando novos aparatos comunicacionais aparecem. O fato de os meios de comunicação mais atuais ficarem na superfície mais visível da cultura não quer dizer que os meios de comunicação e de formação cultural anteriores tenham desaparecido. (SANTAELLA, 2019, p. 45)

De fato, o fax ainda resiste, e é usado em algumas empresas. Do mesmo modo, o pager ainda tem os médicos como usuários e adeptos fervorosos, afinal apenas agora, em 2019, os japoneses decretaram a extinção oficial dessa mídia (COELHO, 2019). Além disso, presenciamos, de tempos em tempos, o resgate e a reinserção de aparelhos antigos, sem falar que isso ocorre sempre em tom de homenagem. Ou seja: o que já foi moda e ficou ultrapassado volta em grande estilo, cercado por uma atmosfera cult, gozando de um status que lhe assegura as associações com um design retrô e um preço exorbitante. Um exemplo disso é que, como amostra de um estilo vintage, muitas pessoas valorizam hoje o telefone analógico com dial redondo, utilizando-o como peça decorativa mais do que como aparelho funcional. O mesmo processo ocorre com os rádios de válvula, as vitrolas (com os inseparáveis discos de vinil) e as TVs de tubo (aliás, tenho uma dessas TVs até hoje e ela já foi de grande utilidade, quando a minha smart TV foi para o conserto).

Com tudo o que temos hoje, é evidente que já sabemos sobre os sucessores do telefone analógico, do fax e do pager, mas qual será a tecnologia que teremos no futuro? Embora seja impossível responder com acerto a essa pergunta, podemos fazer algumas suposições, tal como a sugestão feita na série Better than us (RUS, 2018), atualmente disponível no Netflix. A história trata da convivência entre humanos e robôs e mostra um estilo de comunicação diferenciado, em que as mensagens podem ser visualizadas na própria pele, no pulso das pessoas, a partir do sinal transmissor/receptor de um bracelete.

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Cena em que o protagonista da série Better than us recebe uma mensagem: o nome do remetente e o conteúdo aparecem refletidos em seu pulso. Imagem disponível em: <https://bit.ly/2LgjtLy>

Qualquer que seja nosso futuro, é imprescindível valorizarmos não apenas as mídias atuais, mas também aquelas que já tiveram sua era de ouro, pois não podemos fugir do ciclo ininterrupto da tradição. Temos de agradecer às velhas mídias, porque sem elas não teríamos hoje nosso computador, nosso tablet e nosso smartphone. Portanto, brindemos ao passado!

REFERÊNCIAS

BURGOS, P. Como eram as salas de chat nos anos 80. Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/como-eram-as-salas-de-chat-nos-anos-80/ >. Acesso em: 21 ago. 2019.

COELHO, T. Pager fez sucesso nos anos 1990: Relembre o antecessor do SMS e WhatsApp. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/12/pager-fez-sucesso-nos-anos-1990-relembre-o-antecessor-do-sms-e-whatsapp.ghtml>. Acesso em: 22 ago. 2019.

MILLARCH, A. Tudo disca, tudo rende! Disponível em: <http://www.millarch.org/artigo/tudo-disca-tudo-rende>.  Acesso em: 21 ago. 2019.

PLAZA, J. Sobre videotexto (vtx). Disponível em:

<https://monoskop.org/images/0/0d/Plaza_Julio_1983_Sobre_videotexto_VTX_Arte_e_videotexto.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2017.

QUE CONCEITO. Conceito de fax. Disponível em: <https://queconceito.com.br/fax>. Acesso em: 21 ago. 2019.

REDAÇÃO MUNDO ESTRANHO. Como funciona o fax? A máquina é antiga e interessante. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-funciona-o-fax/>. Acesso em: 21 ago. 2019.

SANTAELLA, L. Estética & semiótica. Curitiba: InterSaberes, 2019.

TELECOM. História. Disponível em: <http://disqueamizadetelecom.com.br/?page_id=2>. Acesso em: 21 ago. 2019.

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