Lotérico

Farrel Kautely

Tenho uma casa lotérica no meu bairro e recentemente contratei um estudante por meio período.
Está estudando pra ser professor de português, o coitado, nada que ajude muito com o trabalho de lotérico. Ele não tinha experiência, mas aprendeu rápido o que tem de fazer.
Hoje uma funcionária veio falar sobre o rapaz comigo.
— Se eu fosse você tomava cuidado com fulano.
— Ah, é? Por quê?
— Ele mora na minha rua, é maconhêro.
Agradeci pelo aviso, esperei um pouco e fui falar com o rapaz. Aguardei ele terminar de atender uma senhorinha e fui dizendo:
— Andei pensando em mais algumas perguntas para fazer nas entrevistas de emprego.
Ele me olhou como quem diz “quê?!”
— Tipo, você usa d…

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Parei de falar ao olhar para o quadro de documentos perdidos (ao lado do guichê dele). Estava quase vazio.
— Ué, cadê as identidades que estavam aí?
— Os donos vieram buscar.
— Mas… como assim? Estão aqui faz mais de meses.
— Eu só procurei o nome do Facebook e mandei mensagem. Esses aí não achei.
Fiquei perplexo com a simplicidade da ideia.
— É tão simples que nem sei como não pensamos nisso antes.
— Tive a ideia fumando.
— Fumando o quê?
— Cigarro.
Ponderei por alguns instantes se perguntava “cigarro de quê”, mas ele foi mais rápido:
— Próximo.
Deixei o rapaz trabalhar, voltei pra minha sala.
Dali a pouco a outra veio.
— E aí?
— É você que fica do lado do arquivo?
Ela me olhou com a mesma cara que o maconheiro.
— Sou. Por quê?
— A partir de amanhã você muda de lugar com ele. Se ele fumar mais um pouco, talvez entenda a bagunça que vocês fizeram lá.

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