Natal – A história original

Adalberto De Queiroz

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Benévolo leitor, neste último artigo do ano 2020, torno públicas algumas notas pessoais que tomei durante a leitura do livro de Margaret Barker de mesmo título.

Comecei usando como rascunho a minha página pessoal no Facebook, sem a pretensão de que isso se tornasse um artigo, mas pela importância do livro essas ganharam vida e estão aqui resumidas.

A primeira observação importante sobre este excelente livro é que se trata de explorar as histórias do Natal, a partir de textos célebres do Novo Testamento, expandindo essa exploração a outros documentos importantes sobre o evento, a saber: o Protoevangelho de Tiago, o Evangelho Árabe da Infância de Jesus e até mesmo textos do Corão.

Logo na introdução, a erudita teóloga inglesa dá o tom do que será a leitura densa destas quase trezentas páginas:

 “As histórias do Natal não são somente belas; seu significado está no coração da fé cristã, mostrando como as primeiras gerações expressavam seu entendimento de Jesus tanto como Deus quanto como homem. Os credos são declarações posteriores da fé, em que foram sumarizados os pontos essenciais. O primeiro credo oficialmente redigido foi o dos Apóstolos, a declaração feita antes do batismo nas igrejas ocidentais, usada em Roma no início do século terceiro. Esse credo nada diz sobre a vida de Jesus, como a vemos retratada nos quatro Evangelhos, nada diz sobre parábolas e milagres, tampouco menciona os debates de Jesus com os judeus de sua época, nem mesmo fala dos discípulos. Nele se registram o nascimento de Jesus, sua morte e ressurreição: Natal e Páscoa. Os eventos em Belém e Jerusalém eram reconhecidos como os pontos essenciais da fé. Do Natal, o Credo dos Apóstolos diz: “Jesus Cristo, Seu único Filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu no seio da Virgem Maria”. 

Barker acentua que “os cristãos sempre tiveram o cuidado de frisar a distinção entre os “dois nascimentos”. A Igreja Ortodoxa chama o Natal de “Natividade Segundo a Carne”, um lembrete constante acerca do “outro” nascimento. Santo Agostinho, que morreu em 430 d.C., sintetizou assim essa diferença num sermão de Natal: 

“Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho do Homem, também o Filho de Deus, nascido do Pai sem uma Mãe, criou todos os dias. De seu nascimento de uma Mãe sem um Pai, ele consagrou este dia. Em seu nascimento divino, foi invisível; em seu nascimento humano, visível; em ambos os nascimentos, fonte única de inspiração”. (Agostinho, Sermão 13, Dia de Natal).

Quem não conhece os livros anteriores de Margaret Barker pode encontrar alguma dificuldade de compreender e se situar, pois o centro do livro está na compreensão daquilo que é o cerne de seu livro anterior – “Introdução ao Misticismo do Templo”.  Segundo a teoria ali estampada, “o misticismo do templo está por trás de boa parte das elaborações bíblicas. Enraizada nos rituais do Primeiro Templo da antiga Jerusalém, essa teologia do Templo nos ajuda a compreender as origens do Cristianismo.”

Sabe-se que o misticismo do Templo era aceito e transmitido pela tradição oral, embora grande parte de suas referências textuais tenha sido modificada, suprimida ou simplesmente afastada do grande público. Eu tive a honra de descobrir o trabalho de Barker a partir da leitura (estudo) do inspirador livro de Maurício G. Righi (“Eu sou o primeiro e o último”), donde extrai este pequeno trecho de grande utilidade:

Em seus livros sobre a antiga religiosidade hebraica em associação com o cristianismo primitivo, nos quais se esmiúçam os modos narrativos e símbolos específicos dessa cosmovisão [a irresistível permanência do religioso em qualquer âmbito], Margaret Barker, por vezes, nos sugere que a consumação de uma profecia também acarretava, com base em elementos esperados, uma realidade inesperada, misteriosa, absolutamente desconcertante às expectativas padrão, o que dava à correta interpretação – da profecia – um papel tão ou mais importante que o da visão. Não bastava receber a profecia, pois se fazia necessário interpretá-la com destreza, tarefa para poucos. Barker chega a afirmar que “o esperado tornando-se o inesperado é tema da história cristã”. Na profecia, transe e inteligência caminhavam juntos”.  

No livro do profeta Isaías, ou para ser mais exato “o segundo Isaías”, contemporâneo do primeiro e mais jovem, como esclarece Barker, lê-se que “então, a luz romperá como a aurora” (Isaías 58,8). A glória retornará. Essa era a visão de mundo dos primeiros cristãos.”

Essa visão de mundo dos primeiros cristãos derivava do formato e da liturgia do Templo de Jerusalém – é o que nos assegura a teóloga inglesa. E completa: “as pessoas que escreveram as histórias do Natal viviam num mundo povoado de anjos. Eles esperavam pela presença deles, e esperavam que os antigos profetas reaparecessem.”

Se o olhar pós-moderno para o Natal se restringe à visão das ações do marketing contemporâneo, há outras possibilidades para se reconstruir uma mirada original, erudita ou não, que nos leve a compreender que as grandes celebrações da Igreja não devem se resumir a eventos de lojas de departamentos e eventos governamentais e esportivos.

O Natal não é apenas a figura (um tanto grotesca) do Papai Noel, das renas, das árvores iluminadas, como tampouco a Páscoa é coelhinho e ovo de chocolate. As canções e as peças de teatro, estas que têm uma longa trajetória desde a iniciativa de São Francisco de recontar a história original, ganham fôlego nas igrejas e devem extrapolar seus muros.
Um livro como este de Margaret Barker deve ser lido, debatido, resenhado para que resgatemos a história original da Encarnação de Jesus Cristo, o personagem mais histórico.

Talvez assim procedendo, possa o benévolo leitor resgatar a verdade do que nos diz São Bernardo de Claraval em um de seus Sermões de Natal: 

“É grande, amadíssimos, verdadeiramente grande a presente solenidade da Natividade do Senhor; mas a brevidade do dia força-me a abreviar o sermão. Não vos admireis de que abreviemos a palavra quando o próprio Deus Pai fez abreviado o Verbo. Quereis saber como Ele fez breve aquele que era tão imenso? “Eu encho o céu e a terra, diz esse Verbo de si mesmo (Jer. 23,24). E agora, feito carne, é colocado numa estreita manjedoura. “Tu és Deus desde a eternidade e por todos os séculos, diz d´Ele o profeta (Sal 89,23), e eis que se fez criança de um só dia. Com que fim, irmãos, ou que necessidade teve o Senhor da majestade de abater-se a esse ponto, de abreviar-se a esse ponto, senão para que vós o façais igualmente? (…) “Aprofundai na humildade, que é o fundamento e o guardião de todas as virtudes; abraçai-a, porque só ela pode salvas as almas. Que há de mais indigno, de mais detestável e que mereça mais castigo que, vendo Deus tão pequeno, continue o homem a engrandecer-se a si mesmo sobre a terra? É uma intolerável desvergonha que um verme se inche e se envaideça, quando a majestade de Deus se abate.”

A Anunciação

Natal – A história original 1

A Anunciação do anjo Gabriel a Maria no Hino Akathista (Acatista) reforça um dos mais sagrados cultos do Natal – desde Orígines se sabe que Maria era chamada Theotokos (Teótoco), cujo significado é “portadora de Deus”, popularmente traduzido por “Mãe de Deus”. Esse título foi aceito no Concílio de Éfeso, em 431 da era Cristã. Margaret Barker escreve sobre isso no Cap. V de seu livro “Natal – a história original”.

Os Magos

Eles podem ter vindo em maior número; vieram do Oriente, “que oficialmente se definia como além de Requém, provavelmente Petra…tornaram-se três por conta da menção aos 3 presentes, também tornaram-se reis com nomes próprios: por volta do século VI d.C., a Igreja siríaca os tomava como Hormizdah, rei da Pérsia, Yazdegerd, rei de Sabá, e Perozadh, rei de Seba; a igreja etíope os conhecia pelo nome de Hor (Pérsia), Basanater (Sabá) e Karsudan (rei do Oriente)…”mas ficaram para o Ocidente como Gaspar, Melquior e Baltazar – diz Margaret Barker em “Natal – a história original. E acrescenta: “De onde vieram não se sabe ao certo, mas esses visitantes misteriosos expressaram um fascínio duradouro, e muitas histórias foram contadas a seu respeito.”

O fato é que eles passaram à história da Igreja como magos, filósofos persas zoroastrianos, conforme Clemente de Alexandria (200 d.C.) e João Crisóstomo (Séc. IV), pelo uso de seus gorros pontudos (frígios), como aparece nesta tapeçaria.

Natal – A história original 2

“Um anjo do senhor aparece aos pastores, a Glória brilha em volta deles, mas atemorizam-se.

“Não temais!
Eis que eu vos anuncio
Uma grande alegria,
Que será para todo o povo,
Nasceu-vos hoje um Salvador,
Que é o Cristo-Senhor, na cidade de Davi.
Isto vos servirá de sinal:
Encontrareis um recém-nascido envolto em faixas
E deitado numa manjedoura.”

(Lucas 2,10-11, como no original hebraico)

Natal – A história original
Anunciação aos pastores

Remonta ao Século XIII a montagem do primeiro presépio vivo. Foi no Natal de 1.223 que São Francisco de Assis montou o primeiro em uma floresta que fica na cidade de Greccio, na Itália. 

Seu objetivo era facilitar o entendimento da liturgia do dia 25 de dezembro para as pessoas mais simples. Então, com autorização do Papa, São Francisco, recriou o nascimento do Menino Jesus.

Segundo Margaret Barker, “as peças de teatro sobre a Natividade têm longa trajetória desde que São Francisco montou esse primeiro presépio vivo“. Hoje, a cidade de Greccio (Itália) mantém um Santuário Franciscano do Presépio (foto 2). O esforço evangelizador de S. Francisco levou a que as pessoas passassem a chamar a cidade de “a nova Belém” (foto 3).

Natal – A história original 3
Foto 1
Natal – A história original 4
Foto 2
Natal – A história original 5
Foto 3
Leia também sobre o Natal:
https://recortelirico.com.br/2020/12/uma-inspiracao-messianica/

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