Os escritores não sabem o que acontece em uma livraria

Thiago Kuerques

people walking inside library

Os livreiros, acoplados nos vendedores de livrarias/papelarias/loja de departamentos, deveriam ser notados pelos escritores. Digo isso porque vivi a experiência de ser um no final de 2018, após ter publicado quatro livros e ter vivido algumas nuances na carreira literária. Não imaginava o que era uma livraria até percebê-la por dentro.

A dinâmica não é tão simples como imaginamos. Quanto maior a livraria, menor a afinidade de seu dono com o livro. Portanto, quanto maior a livraria, mais importância tem o lucro e menos a arte. Dessa forma os livros da moda – e de moda também – aparecem nas vitrines e nos lugares estratégicos de maior acesso.

A vitrine é, como todos sabemos, o primeiro contato. Mas não é a mais importante. Não dá para fugir da lógica de que os livros mais famosos e mais falados apareçam na vitrine, atraindo quem quiser a entrar para olhar com mais calma o que há dentro da livraria. O que intriga é que a estratégia, até burra, é de seguir colocando os livros procurados nos acessos mais fáceis. Ficam bem expostos, em cima dos outros, na primeira prateleira, na cara do gol, enquanto todos os outros seguem nas prateleiras debaixo, pedindo com que as pessoas se abaixem – e os joelhos reclamem -, pedindo que doem mais tempo e paciência para uma escavação literária. Já que os livros da moda são os conhecidos e buscados, por qual motivo não fazem a mesma estratégia dos shoppings? Nestes as praças de alimentação e cinemas, lugares mais buscados, ficam na última opção de acesso para obrigar os clientes a passarem pelas lojas, a darem olhadas e, quem sabe?, encontrar algo que nem sabiam que procuravam.

Os escritores não sabem o que acontece em uma livraria

Depois de toda essa dinâmica, há quem fique por mais tempo, os amantes do texto, e assim abrem conversa com os livreiros. Pedem dicas, conversam sobre obras amadas e odiadas. Aí é que está: o livreiro, geralmente alguém que goste um pouco de ler, apesar de trabalhar no comércio por oito horas, no mínimo, por dia, é o elo entre livro e leitor que poucos escritores percebem. É claro que vivemos tempos de Amazon, de e-book e de interações em redes sociais, mas as livrarias existem e ainda são parte relevante da engrenagem literária. Mesmo que esteja em condições anômalas – vide a situação da Saraiva e da Cultura – há um movimento de migração para livrarias menores. O livro físico não morreu e imagino que não vá morrer tão cedo.

O livreiro é como um garçom especializado em atender o gosto do leitor de acordo com a sua fome. Na minha experiência recente de livreiro expus meus livros mais recentes e evitei fazer propaganda deles. Os deixei na categoria de literatura brasileira, misturando romances e contos, e experimentei ver como eles se saíam sozinhos no mundo real, no meio da multidão.

Os escritores mais próximos produzem textos cada vez melhores, com linguagem e atmosferas cada vez mais singulares, trabalhos visuais bonitos, mas não conseguem chegar bem aos leitores. Correm eventos de escritores para escritores. Divulgam nas redes recheadas de escritores também em busca de leitores. Onde estão? Na Amazon, sem dúvida. No Wattpad também, claro. Mas na rua. Os leitores, na maioria dos relatos, não curtem tanto o e-book. Os leitores estão nas ruas.

Teve uma leitora que o pegou, leu a orelha, observou bem a capa, leu a contracapa e deu uma leve folheada até dizer: era esse livro que eu estava procurando. Tive que perguntar o motivo. Ela disse que era pela temática, pelo enredo, pelo tom que parece ter. Era presente para uma amiga que estava procurando exatamente aquilo. Informei que eu era o autor, escrevi a dedicatória e agradeci imensamente. Ela disse que a experiência de descobrir um livro e um autor livreiro – e não um livreiro autor – foi deliciosa. Na minha mais completa megalomania, desejo que todos os livreiros me leiam. É pouco?


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