As Aventuras, os Desafios e as Intermitências da Morte
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Ele está, indubitavelmente, entre os mais importantes nomes da literatura em Língua Portuguesa no mundo. Escreveu uma série de ótimos livros como O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), História do Cerco de Lisboa (1989), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997). Trata-se de José Saramago (1922-2010), não por acaso o primeiro autor em Língua Portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. Depois da premiação, não se acomodou, continuou brindando seus leitores com boas obras. Vieram: A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004) e outros, dos quais destaco o interessantíssimo As Intermitências da Morte (2005).
“No dia seguinte ninguém morreu” – com essa frase se inicia o romance, narrado em terceira pessoa, com digressões meio num estilo machadiano, pelo qual o narrador onisciente se permite observações marginais à ação dos personagens. Aliás, no começo sente-se a ausência dum enfoque narrativo sobre personagens específicos. É como se estivéssemos diante da descrição da aventura geral dum povo e não da história de uma ou outra pessoa determinadas. Desde 1º de janeiro ninguém mais morria no país, que não tardaria a mergulhar em polvorosa. E é esse tumulto nacional que vai sendo contado de início: um grande drama coletivo, apesar de – aparentemente – ser uma felicidade individual se livrar da morte.
José Saramago venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. (Foto: Reprodução/Internet) |
A falta de falecimentos logo se revela um problema social. O mundo já está organizado sobre o pressuposto de que todos morrerão um dia. As agências funerárias vivem disso. Os hospitais pressupõem que os pacientes desenganados partam para o além (e não que se convertam em eternos agonizantes, ocupando indefinidamente os leitos). As famílias esperam que seus idosos sigam para o descanso eterno – e não que as condenem ao trabalho eterno de auxiliá-los em sua subvida cada vez mais decrépita e exigente de cuidados. Crise econômica, moral e também religiosa; afinal, sem morte, não há vida após a morte. A imortalidade, paradoxalmente, torna sem sentido a promessa cristã numa vida eterna.
Diversas instituições e grupos sempre tiraram proveito da mortandade humana (funerárias, crematórios, seguradoras, cemitérios, coveiros, carpideiras e, indiretamente, o Estado e a Igreja). Da mesma forma, surge quem busque obter vantagem a partir da ausência de falecimentos: aparece uma organização secreta chamada máphia, de quem o próprio governo acaba se tornando refém.
Depois de nos situar bem no meio desse caos em que a dita “indesejada das gentes” passa a ser mais desejada do que nunca, a narração elege um grupo restrito de personagens para traçar-lhes a trajetória. A história ganha maior concretude, com o foco narrativo partindo de certa personagem que se dá a conhecer a um violoncelista, que mal imagina o que o espera. A mulher misteriosa que a ele se apresenta de forma sedutora não é ninguém menos que a própria morte, em carne e osso. Mais viva do que nunca.
Poucas vezes na literatura, abordou-se tão bem a finitude da existência humana. O genial lusitano José Saramago é, provavelmente, o escritor que melhor deu vida a essa misteriosa dama chamada morte.
Texto de Winter Bastos, Autor do livro de crítica literária Malandragem, Revolta e Anarquia: João Antônio, Antônio Fraga e Lima Barreto (Editora: Achiamé, 2005).
Da Redação