Marcelo Brum-Lemos estreia no cenário literário com obra “caótica”

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Professor, músico e escritor, Marcelo Brum-Lemos é uma das figuras mais interessantes do cenário moderno artístico de Curitiba. Marcelo lançou no ano passado Galhos de árvores movendo os dedos, um livro que, segundo o autor, foi montado ao longos dos anos, quando, enfim, o autor resolveu publicá-lo, até como uma forma de “parar de mexer neles”. Nessa de se livrar dos contos, microcontos e dos poemas – esses entre cômicos e dramáticos – o autor revelou-se ao “mundo editorial” com forte veia vanguardista e, por vezes, kafkiano. Brum-Lemos nos contou, durante uma entrevista de quase uma hora, suas principais motivações como professor, seus interesses profissionais e pessoais na música e revelou “Quero ser lembrado como músico e escritor”. Confira a entrevista exclusiva dada ao blog Recorte Lírico no “Recorte Entrevista”:


Recorte Lírico: Falando sobre sua formação acadêmica: Como ingressou na área de Letras, mais especificamente no campo literário? 

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Brum-Lemos: Eu estava no Curso de Arquitetura e Urbanismo na UFPR, e lá pelo quarto ou quinto ano estourou uma greve, naquelas férias forçadas, eu descobri que eu não era bem um arquiteto. Descobri que eu gostava mesmo era de música e literatura. Então, assim que me formei em arquitetura, ingressei em outro vestibular, deu certo, e entrei no Curso de Letras, também pela Federal do Paraná. Me formei em Letras – Português! Daí fiz uma pós-graduação em Fundamentos do ensino da arte e outra em Música Eletroacústica, as duas na FAP (Faculdade de Artes do Paraná). Academicamente essa é a minha formação, o que já revela alguma coisa, meio variada, nada centrada, um pouco de arquitetura, letras, um pouquinho de música e fundamentos da história da arte. Enfim, daí vem o trabalho em si…


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Recorte Lírico: Pensando um pouco sobre o trabalho, como se dá essa transição entre a música e a literatura?


Imagem relacionadaBrum-Lemos: (…)Trabalho eu tenho um monte. Engraçado, né, a gente fala essas coisas e ficamos sempre preso na caixinha, trabalho, você pensa: “é aquele que te dá o salário”, pois bem, esse vocês conhecem bem, eu sou professor do terceirão no Bom Jesus e sou professor de Letras desde o início do curso, aqui na FAE, geralmente com Literatura Brasileira. Fora isso, tenho outras coisas, que a gente evita chamar de trabalho para não deixar chato. Eu faço, atualmente, mais música do que literatura, mas essas duas paixões sempre ficaram interligadas, uma levou a outra. Eu gostava de música, quando falo música é popular, no caso, gostava de músicas internacionais, Beatles, até descobrir que o Brasil também tinha os seus beatles, que eram “Os Mutantes”, aí eu comecei a gostar de música em português. D’Os Mutantes à Tropicália, Caetano Veloso e Gil, enfim, eu comecei a ter contato com canções mais elaboradas. E isso acabou me chamando para a literatura. O gosto pelas letras de músicas, o interesse por Leminski, Caetano, que também são meio poetas e músicos… Eu sempre compus bastantes canções, eu e o meu violão, e aí veio a preocupação com o tipo da letra, o tipo de expressão que a gente põe nas letras, e o que eu tinha mesmo de poemas e contos, geralmente os poemas, viraram letras de música e passei a escrever menos ficção, quando publiquei no ano passado, como bem sabem. Lancei esse livrinho, que tava meio engavetado, tava trabalhando a muito tempo e nem tava muito motivado, porque acho que hoje em dia todo mundo quer publicar tudo, todo mundo é autor, é músico, é tudo… Aí fica assim, só entra um a mais no bolo, né?! (risos). Então ele é quase uma satisfação de ego, quer dizer assim: “bom, fiz o meu livro mesmo, pelo menos eu paro de mexer nesses contos, porque esses daí já foram consolidados. E como músico já lancei vários CD’s, com minha ex-banda, há mais de 10 anos, e outros como artista solo, mas deixei um pouco pro passado, tem um CD mais recente… E fui convidado generosamente a participar de uma banda de música medieval, por paixão, mas digo generosamente pois não tenho todo esse cabedal de pesquisa de música e literatura da Idade Média.


Recorte Lírico: A estética do livro chama bastante atenção, não só do conteúdo em si, mas também da capa do livro, o nome, os números, a forma das orelhas e a ilustração, como foi a composição estética desta capa?

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Brum-Lemos: Os números não significam nada. Mas, o lance da capa, é aí que vem o meu lado arquiteto. Eu sempre tive a preocupação com o fato de ser professor e ganhar o meu salário como professor, pois daí eu me sinto livre do outro lado pra fazer o que eu quiser. Então eu busquei editoras, algumas queriam fazer no esquema delas, no padrão delas, capa delas, padrão editorial, enfim, e eu achei que não valeria a pena, pois hoje em dia é relativamente barato o financiamento do próprio livro. Tem a lei de incentivo à cultura, que é bacana para o custeamento do livro, mas mesmo assim eu também não queria, pelo simples fato de ter o “selinho” de “Prefeitura de Curitiba”, nada contra à prefeitura, mas eu não queria poluir a estética. Teria que ser tudo, tudo, tudo, esteticamente, do jeito que eu queria. Aí, quando eu contratei o pessoal pra fazer o lance de revisão, editorial, a moça fazia as capas, mas aí eu falei tudo como deveria ser, de maneira até chata. Já o nome “Galhos de árvores movendo os dedos” surgiu de duas ideias: Tem uma canção argentina que fala alguma coisa dos “galhos movendo”… não é bem essa frase, mas me deu um “start”, e uma lenda, não sei de qual cultura indígena, que diz que para aquela etnia indígena eles sabem que está ventando porque as árvores se mexem, e na cultura deles, o vento existe porque as árvores se mexem, o que é uma ideia linda, e que subverte, completamente, a lógica cartesiana na qual estamos acostumados. Eu achei essa ideia tão linda que bolei esta frase e fiz uma canção, “Galhos de árvores movendo os dedos”, isso há muito tempo. Depois, quando eu fiz o livro, é que surgiu a “histórinha” para exemplificar…eu fiz de propósito pra contracapa pro cara ler e “sacar” isso. Sobre a estética, eu gosto das colagens, que vem lá das vanguardas, do dadaísmo, do cubismo, das vanguardas do século XX. Você pegar a coisa pronta e monta a colagem. Então pedi pra moça buscar coisas no manual de anatomia, porque achei que seria interessante, na verdade porque já tinha usado essa estética num CD anterior que eu fiz e já tinha pedido a mesma coisa para o “pia”. Já na orelha do livro, eu já falei direto pra ela, não quero aquela caretice de colocar “o autor é formado em letras”, e você com aquela cara assim (faz um gesto), na foto. Cara, como a gente é tosco, né?! O cara é escritor de literatura, pega aquela frase do Paulo Venturelli: “a literatura serve para subverter”, e você faz a coisa da maneira toda padrão. Tem que ter o cara “fodão” falando bem do seu livro, tem que ter a cara do escritor e falando “nasceu em curitiba e blá, blá, blá”… Falei, cara, a orelha do livro é uma orelha, eu quero transmitir pela estética, então você folheia o livro e já entra nesse mundo brincalhão do livro, “ô, legal, é uma orelha mesmo”.

Recorte Lírico: Quais são suas principais influências literárias?

Brum-Lemos: Fora as vanguardas que a gente já comentou, tem o próprio Kafka, não à toa eu peço pra vocês lerem “A metamorfose”, é um lance pessoal também. Tem as epígrafes também, que eu fiz questão de colocar quase todas, algumas eu tinha naturalmente, e outras eu fiquei assim “não, eu quero colocar uma epígrafe para este conto, eu vou encontrar uma frase”. Na verdade eu faço assim, às vezes, quando eu estou lendo, eu grifo algumas frases e penso “essa frase dá uma epígrafe”, e deixo ali. Aí quando estou precisando de uma vou lá, “olha essa do Guimarães Rosa, tem tudo a ver”. Então as próprias epígrafes já revelam as influências. E já revela a mesma situação caótica que o livro, mais ou menos, tem, tem poesia, coisa pequena, mais longa, é aleatório. É meio caótico e as influências revelam isso. Tem desde o Cebolinha, do Mauricio de Sousa até Dante Alighieri, Ilíada, tem Kafka, tem brasileiro, tem tudo. Tem influência de um cara chamado Valêncio Xavier, que eu acabei não citando na epígrafe, mas ele que fazia esse tipo de coisa, ele sim fez vanguarda, esse tipo de coisa aqui (mostra o livro), de misturar no texto escrito informação de arquivo de jornal, de manual de anatomia. Não é uma ilustração do conto, faz parte do conto. É uma leitura. Esse conto aqui não teria sentido de existir se não fosse com essas imagens, e é uma coisa que eu queria fazer. É uma influência dele. Mas acaba tendo um pouco de todo mundo. O livro foi feito em épocas distintas. Tinha época que eu tava mais kafkiano, outra mais Rubens Fonseca, mais concretista, depende da ótica.


Recorte Lírico: E a carreira como professor?


A imagem pode conter: 4 pessoas, pessoas sorrindo, pessoas em péBrum-Lemos: Ah, falar de carreira de professor hoje é bater de frente com o Temer, né, (risos). Mas assim, carreira de professor, falando não de mim, mas da profissão em si, eu sinto ela como já estagnada, parece o que a gente pode fazer é mestrado, doutorado, procurar se especializar cada vez mais para conseguir vagas melhores de emprego para conseguir ganhar um pouco mais, parece essa a perspectiva que existe, ou você continuar estudando por motivação pessoal, mas carreira de profissão é complicada de um certo ponto pra frente, porque você meio que não tem muito plano de carreira, o que você consegue é ser doutor e tal, mas vai continuar aqui na sala dando aulas, igual a qualquer um, não sai desse mundo de sala de aula. Eu faço livros didáticos também, pro pessoal aqui do Bom Jesus, o que não deixa de ser um trabalho, e se eu quisesse poderia ser uma carreira também, mas esse trabalho que eu não chamo de trabalho, a literatura e a música, também é uma carreira, que pra ser franco, eu levo até mais a sério… Aquele negócio, no dia que eu morrer eu sei que vou ser lembrado como professor, mas eu gostaria de ser lembrado como músico e escritor.

Recorte Lírico: Tem projeto novo vindo por aí?


Brum-Lemos: Ultimamente, eu andava triste por um motivo pessoal (perda familiar), mas também porque esse ano eu não fiz nenhuma apresentação, não produzi muito, mas ano passado eu tava trabalhando num CD novo, que já tá quase gravado, e eu vou retomar esse projeto e vai ter lançamento, muito embora quem compra CD hoje em dia? Quem ouve CD hoje em dia, né? Mas de novo a gente precisa só de uma coisa física pra dizer “terminei, não vou mais mexer nessa letra, não vou mais mixar esse som”. Livro eu tenho projeto, tenho alguns textos prontos, para dar continuidade a essa estética, digamos assim, que eu comecei neste livro, no qual eu me orgulho muito pois eu acho que consegui fazer uma coisa madura; eu tenho um amigo, Carlos Machado, que é escritor curitibano, e ele sempre perguntava pra mim, “ah, quando você vai lançar seu livro e tal”, e eu sempre pensei em lançar o meu livro aos 40 anos, para não cometer a “bobagem” que alguns dizem que Lygia Fagundes Telles e Dalton Trevisan cometeram, publicaram coisas quando eram muito jovens e agora renegam isso. O Dalton, por exemplo, dizem que já chegou até comprar as suas primeiras obras em sebos só para dar um fim nelas.

Da Redação

Entrevista: Rafa Alexander e Aline Ribeiro.

Transcrição e Redação: Cássio de Miranda.

Imagens: Acervo pessoal do entrevistado.

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