Odisseia e Eneida, o canto dos heróis
Este pequeno ensaio é uma adaptação rápida de fragmentos de um trabalho académico mais estruturado. Aqui limito-me a fazer uma breve exposição da Odisseia e da Eneida.
De uma forma ou de outra, seja através dos livros de banda desenhada ou de adaptações cinematográficas, tarde ou cedo somos expostos à Odisseia ou a alguma variação narrativa da mesma. De um certo ponto de vista, todas as narrativas com algum tipo de herói, e quase todas o são, são alguma variação da Odisseia.
A Odisseia é bem conhecida por ser uma epopeia grega usualmente atribuída a um aedo de nome Homero. Considera-se que foi escrita após a Ilíada por volta do século VIII AC. É um dos grandes poemas fundadores da civilização europeia. Está escrita em 12 109 hexâmetros dactílicos, dividida em 24 Cantos e em três grandes partes: A Telemaquia, cantos I a IV; as narrativas de Ulisses, cantos V a XII; e a Vingança de Ulisses, XIII a XXIV.
A Odisseia relata o regresso do herói Ulisses a Ítaca, sua ilha natal, após a guerra de Troia. Ulisses, o protagonista, levará dez anos a regressar a casa libertando assim a sua mulher, Penélope, dos pretendentes que, entretanto, iam delapidando o património familiar e regressa ao convívio com o seu filho Telémaco, outro dos protagonistas da Epopeia.
A narrativa inicia-se no momento em que Ulisses está cativo na ilha de Calipso. Calipso deseja casar-se com Ulisses e oferece-lhe em troca a eternidade, mas Ulisses deseja regressar a Ítaca e todos os dias chora copiosamente junto ao mar.
A deusa Atena é enviada a Ítaca, visitando o banquete onde pontificam os pretendentes, dirige-se a Telémaco e profetiza que o pai deste está vivo e regressará.
Termina no Canto XIX, onde Ulisses já está de regresso, disfarça-se de mendigo e consegue penetrar na sua velha casa. Sempre com ajuda de Atena, convence facilmente Telémaco a guardar as armas dos pretendentes, persuade Euricleia a afastar as mulheres do espaço e aconselha Penélope a não adiar o concurso de arco para escolha de marido. Penélope sobe ao seu quarto e Ulisses adormece. A vingança final sobre os pretendentes, na forma de uma impiedosa chacina está impressa, com diversas variações narrativas, no imaginário da humanidade.
Ulisses encarna totalmente o homem homérico: o lutador. O homem que luta perante a divindade, o homem com espírito agónico. A grande virtude (aretê) do homem homérico é a força, a coragem e a eloquência e, agora, com Ulisses, aparece um herói com grande expediente, experiente, hábil a desembaraçar-se e a improvisar em qualquer situação. Ulisses, viaja, combate, vence todos os obstáculos, tem sede de conhecimento (vide o episódio das sereias), mas, no fundo, Ulisses quer regressar a casa e, de alguma forma, quer a paz total.
Para Platão, Homero é o educador da Hélade, é nos seus poemas que a Grécia vai plasmar as suas referências culturais. A sua influência é vasta e profunda, abrangendo todos os aspetos da religião à língua, para só mencionar alguns. Os poemas de Homero não são apenas pilares da Grécia antiga, são também pilares de todo o mundo moderno. Trata-se, de facto, de um Canto ou de uma grande narrativa, epopeia, em forma poética do caminho de regresso a casa do herói Ulisses, Odisseia é, por isso, um título que sintetiza a obra e dá uma ideia exata das temáticas tratadas.
“Muitas as mentes, muitos os homens cujas cidades ele conheceu.
Muitos os sofrimentos que experimentou no mar, a lutar por sua sobrevivência e pelo retorno dos seus.” (Homero Od. I, tradução Júlio Lemos)
πολλῶν δ᾿ ἀνθρώπων ἴδεν ἄστεα καὶ νόον ἔγνω,
πολλὰ δ᾿ ὅ γ᾿ ἐν πόντῳ πάθεν ἄλγεα ὃν κατὰ θυμόν, ἀρνύμενος ἥν τε ψυχὴν καὶ νόστον ἑταίρων.
Homero Od.I
Eneida
A Eneida é uma epopeia escrita pelo poeta Virgílio, está escrita em hexâmetros dactílicos e é a obra mais famosa escrita em latim.
A Eneida narra os feitos do herói troiano Eneias, figura mítica ancestral originária do povo romano, filho de Vénus. Narra as aventuras deste herói desde a tomada de Troia até à sua instalação no latium, na Hispéria. Naturalmente, antes mesmo do poema, a lenda de Eneias já existia em Itália. O poema tem 10 000 versos, divide-se em 12 cantos e é profundamente inspirada na epopeia de Homero, a “Ilíada”.
Vergílio pretende, no fundo, glorificar Augusto e Roma que acaba de ganhar uma nova identidade com a vitória sobre Marco António e que se prepara para conquistar o mundo. O poema integra-se numa literatura que está ao serviço do projeto político imperial.
O facto de o título da obra ser o nome do herói é já um eco da Ilíada e da Odisseia de Homero que também ecoam quer o local, Tróia, quer o nome do herói Ulisses, no entanto, a obra traduz também a natureza melancólica e outras características próprias do poeta Vergílio.
A obra decorre sempre em dois planos: um plano mítico, o de Eneias, e um plano histórico da Roma de Augusto.
Podemos facilmente dividir a obra em duas grandes partes: uma primeira que corresponde aos cantos I a VI, onde são descritas as aventuras de Eneias e uma segunda, dos cantos VII ao XII que corresponde à guerra pela posse de Itália.
Os dois poemas enquadram-se no género “epopeia”, ambos são “cantos” ou “narrativas”, são poemas longos de envergadura nacional, os dois se referem a um herói e abrangem todo um povo. Os dois textos são textos fundadores, com a diferença que a Eneida é uma obra de autor único e a Odisseia caldeia diversas fontes e funde diversas narrativas e temas. A Epopeia toma um aspeto diferente em Roma: a epopeia grega é lendária e perde-se na noite dos tempos, a epopeia romana é de origem bem definida, de autor conhecido, se bem que de forte influência grega. Os autores épicos romanos são eruditos e finos conhecedores de poesia e de toda a sua técnica.