Ilustres desconhecidos da poesia: Alejandra Pizarnik
Apresentamos aqui três poemas em prosa de Alejandra Pizarnik escolhidos para a estreia da nossa série “Ilustres desconhecidos da poesia”. Trata-se de uma coluna que, de alguma forma, “dialoga” com quem homenageamos na edição e traz à luz um autor ou autora injustamente esquecido/a. Certamente a poeta é lida no Brasil, mas, por conta do número reduzido de traduções feitas para a nossa língua, sua obra ainda é pouco divulgada. Dito isso, desfrutem sem moderação:
Hablo como en mí se habla. No mi voz obstinada en parecer una voz humana sino la otra que atestigua que no he cesado de morar en el bosque.
Si vieras a la que sin ti duerme en un jardín en ruinas en la memoria. Allí yo, ebria de mil muertes, hablo de mí conmigo sólo por saber si es verdad que estoy debajo de la hierba. No sé los nombres. ¿A quién le dirás que no sabes? Te deseas otra. La otra que eres se desea otra. ¿Qué pasa en la verde alameda? Pasa que no es verde y ni siquiera hay una alameda. Y ahora juegas a ser esclava para ocultar tu corona ¿otorgada por quién?, ¿quién te ha ungido?, ¿quién te ha consagrado? El invisible pueblo de la memoria más vieja. Perdida por propio designio, has renunciado a tu reino por las cenizas. Quien te hace doler te recuerda antiguos homenajes. No obstante, lloras funestamente y evocas tu locura y hasta quisieras extraerla de ti como si fuese una piedra, a ella, tu solo privilegio. En un muro blanco dibujas las alegorías del reposo, y es siempre una reina loca que yace bajo la luna sobre la triste hierba del viejo jardín. Pero no hables de los jardines, no hables de la luna, no hables de la rosa, no hables del mar. Habla de lo que sabes. Habla de lo que vibra en tu médula y hace luces y sombras en tu mirada, habla del dolor incesante de tus huesos, habla del vértigo, habla de tu respiración, de tu desolación, de tu traición. Es tan oscuro, tan en silencio el proceso a que me obligo. Oh habla del silencio.
ALEJANDRA PIZARNIK
Fragmento del poema Extracción de la piedra de locura, del libro homónimo (1968)
Eu falo como em mim se fala. Não minha voz
obstinada em parecer uma voz humana, mas a outra que atesta que não parei de habitar na floresta.
Se você visse aquela que sem você dorme em um jardim em ruínas na memória. Lá eu, ébria de milhares de mortes, falo de mim comigo só para saber se é verdade que estou sob a grama. Eu não sei os nomes. Para quem você dirá que não sabe? Você se quer outra. A outra que você é se quer outra. O que acontece na verde alameda? Acontece que não é verde e nem sequer há uma alameda. E agora você brinca de ser escrava para esconder tua coroa, concedida por quem? quem te ungiu? quem te consagrou? O invisível povo da memória mais antiga. Perdida por seu próprio desígnio, você desistiu de teu reino pelas cinzas. Quem faz você se machucar lembra você de velhas homenagens. No entanto, você chora miseravelmente e evoca sua loucura e até você gostaria de extraí-la de você como se fosse uma pedra, ela, teu único privilégio. Em um muro branco você desenha as alegorias do descanso, e sempre é uma rainha louca que jaz sob a lua na triste grama do velho jardim. Mas não fale dos jardins, não fale da lua, não fale da rosa, não fale do mar. Fale do que você sabe. Fale do que vibra em sua medula e faz luzes e sombras em teu olhar, fale da dor incessante em teus ossos, fale da vertigem, fale de tua respiração, de tua desolação, de tua traição. É tão escuro, tão em silêncio o processo em que me obrigo. Oh fale do silêncio.
ALEJANDRA PIZARNIK
Fragmento do poema Extração da pedra de loucura, do livro homônimo (1968)
Cantora Nocturna
Joe, macht die Musikvondamalsnacht…
La que murió de su vestido azul está cantando. Canta imbuida de muerte al sol de su ebriedad. Adentro de su canción hay un vestido azul, hay un caballo blanco, hay un corazón verde tatuado con los ecos de los latidos de su corazón muerto. Expuesta a todas las perdiciones, ella canta junto a una niña extraviada que es ella: su amuleto de la buena suerte. Y a pesar de la niebla verde en los labios y del frío gris en los ojos, su voz corroe la distancia que se abre entre la sed y la mano que busca el vaso. Ella canta.
A Olga Orozco
ALEJANDRA PIZARNIK
De Extracción de la piedra de locura (1968)
Cantora Noturna
Joe, macht die Musikvondamalsnacht…
A que morreu de seu vestido azul está cantando. Canta imbuída de morte ao sol de sua embriaguez. Dentro de sua música, há um vestido azul, há um cavalo branco, há um coração verde tatuado com os ecos da batida de seu coração morto. Exposta a todas as perdições, ela canta ao lado de uma garota extraviada que é ela: seu amuleto de boa sorte. E apesar da névoa verde nos lábios e do frio cinza nos olhos, sua voz corrói a distância que se abre entre a sede e a mão que procura o copo. Ela canta.
A Olga Orozco
ALEJANDRA PIZARNIK
De Extração da pedra de loucura (1968)
En un ejemplar de
«les chants de maldoror»
Debajo de mi vestido ardía un campo con flores alegres como los niños de la medianoche.
El soplo de la luz en mis huesos cuando escribo la palabra tierra. Palabra o presencia seguida por animales perfumados; triste como sí misma, hermosa como el suicidio; y que me sobrevuela como una dinastía de soles.
ALEJANDRA PIZARNIK
De El infierno musical (1971)
Em um exemplar de
«les chants de maldoror»
Sob meu vestido ardia um campo com flores alegres como as crianças da meia-noite.
O sopro da luz em meus ossos quando escrevo a palavra terra. Palavra ou presença seguida por animais perfumados; triste como ela mesma, bela como o suicídio; e que me sobrevoa como uma dinastia de sóis.
ALEJANDRA PIZARNIK
De O inferno musical (1971)
Alejandra Pizarnik |
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Poeta e tradutora argentina. Nasceu no dia 29 de abril de 1936, em Avellaneda, região metropolitana de Buenos Aires. Na década de 1960 morou em Paris, onde teve amizade com os escritores Octavio Paz e Julio Cortázar. Em vida, publicou seis livros. Pizarnik morreu em 1972, aos 36 anos. |
Traduções de Xavier Vásquez Freire
Referência bibliográfica:
PIZARNIK, Alejandra. Poesía (1955-1972). 9ª edição. Barcelona: Lumen, 2014
Esta coluna sobre a poetisa Alejandra Pizarnik foi publicada originalmente na Edição Jorge Luis Borges, da Revista Recorte Lírico.