Encontro com Borges, por Sergio de Carvalho Pachá
Para o Fernando Gomes e o Rui Almeida
Conheci Jorge Luis Borges pessoalmente, menos de um ano antes dele morrer. Foi à Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, convidado por dois departamentos, o de Espanhol e Português e o de Inglês, para fazer uma palestra em cada um deles (o homem era perfeitamente bilingüe, movendo-se com o mesmo à-vontade em inglês e castelhano). Depois de brilhantemente discorrer sobre tudo e nada em meu departamento, foi levado à sala dos seminários graduados para tomar café, comer bolo e entreter-se com os estudantes, entre os quais me encontrava.
Quando pude aproximar-me e cumprimentá-lo, disse-lhe que sabia de cor seu soneto “A Luis de Camoens”, que por muito tempo tivera diante de meus olhos, em minha mesa de trabalho, ao lado de outro soneto seu, “Los Borges”, que eu não chegara a decorar. Sorriu e respondeu-me: “Éste [“Los Borges”] lo sé de memoria”. E pôs-se a falar de seus maiores portugueses (de que ele trata em versos inesquecíveis) “que han venido de un pueblito muy chico llamado Moncorvo”. Enquanto falava retinha minha mão na sua – uma mão de velho, débil e fria como a mão de meu querido avô.
Sergio de Carvalho Pachá
portugueses, los Borges: vaga gente
que prosigue en mi carne, oscuramente,
sus hábitos, rigores y temores.
y ajenos a los trámites del arte,
indescifrablemente forman parte
del tiempo, de la tierra y del olvido.
son Portugal, son la famosa gente
que forzó las murallas del Oriente
Son el rey que en el místico desierto
se perdió y el que jura que no ha muerto.
portugueses, os Borges: vaga gente
que prossegue em minha carne, escuramente,
com seus hábitos duros e temores.
tão alheios aos trâmites da arte,
indecifravelmente fazem parte
do tempo e mais da terra com o olvido.
são Portugal e a renomada gente
que forçou as muralhas do Oriente
São o rei que em Marrocos se perdeu
e os que juram que o rei jamais morreu.