Um retorno ao mito: “Os Fios da Escrita” de Adalberto de Queiroz

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Escrito por Wagner Schadeck 

“Os fios da escrita” é sem dúvida um dos livros de crítica literária mais singulares de nossas letras nos últimos tempos. À primeira vista, não deve passar desapercebido ao leitor a provocação suscitada pelo título e pelo subtítulo. A etimologia da palavra “texto” nos remete exatamente à atividade da Penélope, tecendo e destecendo, tramando e destramando a mortalha do marido não-defunto, Odisseu ou Ulisses. Aliás, era essa a habilidade têxtil gravada nos epitáfios arcaicos gregos como um símbolo da virtude feminina. 

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Se, com “Os fios da escrita”, Adalberto de Queiroz, por meio dessas referências, devolve ao leitor a tradição literária, por outro lado, com o subtítulo, “Ensaios literários”, o autor tenciona e aponta para o problema, bastante moderno, dos gêneros literários. Embora o leitor adentre os textos com a proposta de que se tratem de “ensaios”, será informado pelo próprio autor que consistem em “crônicas” reunidas, já publicadas anteriormente em periódicos. No entanto, em muitos momentos, lhe parecerá serem esses textos pertencentes a um gênero entre a “resenha literária” e o “diário de leitura”; de fato, do “ensaio”, estritamente falando, apresentam só o caráter de prática estilística, oscilando entre o registro acadêmico (com inúmeras referências) e o relato pessoal (com a presença de certa ironia quando o autor se refere aos seus “seis leitores”, reverberando a fala do terrível Brás Cubas de Machado de Assis). Nesse sentido, devemos filiar esses textos à atividade de Virginia Woolf como articulista literária, escritora que transitava entre os gêneros literários como quem perambula pela cidade .


Um retorno ao mito: “Os Fios da Escrita” de Adalberto de Queiroz

Desta forma, do pórtico que representam a tradição e modernidade, o leitor, em companhia do autor, deixa-se mover em direção ao sentido e à unidade. Esse movimento de trânsito formal é também expresso no conteúdo temático e espiritual abordado por Queiroz. Tratam-se de textos que partem do escopo imediato de interesses do autor, sobretudo a sua formação católica, alcançando discussões de interesse universal (com o perdão de parecer redundante), como a premiação do Nobel de Literatura concedido a Ishiguro em 2017.

De fato, apesar da leveza com que o autor elabora nesse livro as suas próprias leituras, intuições, experiências de vida (como em relação àquilo que bem poderíamos chamar de “O caso Corção”), relembranças e referências literárias, a seleta causa certo mal-estar na crítica literária contemporânea, afeita a tratar do multiculturalismo, da inserção e presença de minorias e outras vozes nos estudos literários. 

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À maneira de críticos como Rodrigo Gurgel, Adalberto de Queiroz, ao selecionar os autores e livros que analisa, tenciona-os à luz de uma possível e ideal universalidade, de modo que o leitor vem a tomar conhecimento de uma outra face das nossas letras — de Virgílio a Bernanos, de Augusto Frederico Schmidt a Hart Crane, de poetas injustamente esquecidos a autores célebres e insuspeitados —, culminando, não em um avanço ao “não-lugar” pós-moderno, mas em um retorno ao mito, fundamento mesmo da nossa concepção de narratividade. Esse movimento, por mais estranho que pareça, aproxima esse “Os fios da escrita” de propostas tão singulares e antagônicas quanto as de Harold Bloom e Northop Frye, em seu retorno ao Cânone, ao Mito e à Bíblia, alicerces de nossa civilização.  

Santa Maria, 07/03/2023. (Publicado primeiro em A Redação)

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