Titanomaquia Brasileira: 40 Anos de História

Neste ano, os Titãs realizaram a turnê Encontro: Todos ao mesmo tempo agora. O nome homenageia 40 anos de história, relembrando o álbum Tudo ao mesmo tempo agora (1991) (Fig. 1). Infelizmente, saídas sucessivas e fatalidades, como a morte de Fromer, marcaram o grupo. Apesar disso, a banda sobrevive, com Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto, que, aliás, foram os maiores destaques do Encontro.

Desde 1980, sou fã inveterada e lembro acontecimentos marcantes. Em 1985, o grupo participou do “Sonho maluco”, quadro do programa Viva a noite, apresentado por Augusto Liberato. Na ocasião, três integrantes salvaram uma fã de uma teia de aranha, no viaduto Santa Ifigênia.

Na mesma época, fui ao show do Couto Pereira, em Curitiba, acompanhada pela minha avó e cantando “Bichos escrotos” a plenos pulmões. Já em 1990, quando estava em um curso, na Universidade Livre do Meio Ambiente, a aula foi interrompida… Pelo vidro, vimos botas de couro preto e metal, e uma colega gritou: “Os Titãs! Os Titãs!!!” A professora precisou ir até a banda, dizendo que havia quarenta fãs completamente enlouquecidas. Minutos depois, o grupo foi à nossa sala. A princípio, ficamos atônitas, mas depois algumas de nós criaram coragem, ocasião em que conversei com Paulo Miklos.

Tempos depois, em 2017, eu trabalhava em uma empresa de Comunicação e, ao fim de expediente, esbarrei em Arnaldo Antunes, que chegava para uma entrevista. Como boa curitibana, mantive a discrição. Pedi desculpas pelo esbarrão e nos cumprimentamos. Porém, quando já estava no carro, exultei e telefonei para meu marido, contando do feliz encontro! Desde o início da banda, meus preferidos eram Arnaldo e Branco, pela irreverência, que se traduziu em “Igreja”, “Polícia”, “Homem primata”, “Aa-Uu” e “A verdadeira Mary Poppins”.

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Em “Igreja”, versos como “Eu não gosto de padre” e “Eu não monto presépio” (TITÃS, 1994) atacavam diretamente o sistema, questionando costumes e tradições. Inclusive, o célebre verso “Eu não digo amém” (TITÃS, 1994) resume a criticidade dos Titãs, na esteira da revolução punk rock, no final de 1970.

No sucesso “A verdadeira Mary Poppins”, a banda desconstrói o mito associado à bondade. Em estilo paródico, a encantadora babá “fede” e “apodrece” (TITÃS, 1994), igualando-se a John Kennedy, Raul Seixas e Bruce Lee. Portanto, Encontro homenageia a longeva carreira, e também o perfil contestador da banda.

Em 1989, com Õ Blesq Blom, a banda surpreendeu com a grafia do título e com “Miséria”, cuja vinheta de abertura, de Mauro e Quitéria, acentuava a interculturalidade, fundindo o cancioneiro popular com o rock nacional

Para comprovar a tenacidade da banda, deve-se considerar também A melhor banda de todos os tempos da última semana (2001), dedicado a Fromer, “para sempre um TITÔ (TITÃS, 2001, grifo no original). Nesse trabalho, a faixa-título alude às celebridades instantâneas. Os versos atacam a mídia e a indústria de entretenimento, capazes de transformar “O ilustre desconhecido” no “novo ídolo do próximo verão” (TITÃS, 2001), mas também de destruir qualquer vestígio de fama:

Quinze minutos de fama
Mais um pros comerciais
Quinze minutos de fama
Depois descanse em paz (TITÃS, 2001)

No mesmo álbum, “Mundo cão” aborda a censura, retomando fantasmas do passado:

Você pode se iludir
Mas ilusão custa caro
Pode até se divertir
Como um animal adestrado
[...]
Você pode falar
Mas é melhor ficar calado

[...]

Mundo cão, mundo cão
Não estou vendo nada novo
Mundo cão, todos estão
Com uma coleira no pescoço (TITÃS, 2001)

Aliás, no lançamento de Encontro, a banda comemorou os resultados do último pleito presidencial. Posteriormente, nos shows a turnê, Nando Reis incluiu o ex-presidente do Brasil na letra de “Nome aos bois”, afirmando: “Tá na hora de a gente botar o pé de novo!” (TITÃS, 2023).

Porém, nem só das letras sobrevive a ousadia dos Titãs! Os clipes também são disruptores, como Cabeça dinossauro, que funde instinto e selvageria, em uma coreografia simples, mas teatral. Outro destaque é Isso, cujas cenas recusam a balada romântica, por meio do casal protagonista (Paulo Miklos e um elefante). E ainda há a versão acústica de Sonífera ilha (Fig. 2), em que a dublagem foi recurso adequado ao isolamento decorrente da pandemia de covid-19.

No clipe, o Trio Acústico é apenas mediador, transformando os convidados em protagonistas. Assim, emprestando corpo e gestos, cada participante revela um estilo, mas, ao final, tudo é unificado, já que a voz é prova incontestável de que a música é dos Titãs, e está na boca de todos.

Figura 2: Ilustres convidados da nova versão de Sonífera ilha.  Disponível em: https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2020/03/21/titas-sonifera-ilha-participacoes-especiais/

Da turnê Encontro também participaram Liminha e Alice Fromer, que, em dueto com Arnaldo Antunes, cantou “Não vou me adaptar” e “Toda cor”, sucesso escrito por seu pai. Erasmo Carlos e Rita Lee, falecidos recentemente, também foram lembrados. A parceria entre Alice e Arnaldo rendeu bons frutos, fazendo prevalecer a leveza e certo despojamento. No entanto, na homenagem à Rainha do Rock, a delicadeza sonora da convidada não fez jus à voz grave e potente de Rita Lee.

No show, a banda também exibiu vídeos atuais (em preto-e-branco) e do passado (em cores), invertendo o padrão associativo, já que o passado foi relacionado aos tempos felizes: “Somos uma família: desunida, porém verdadeira” (TITÃS, 2023). Estrategicamente, isso foi combinado a “Epitáfio”, completando a nostalgia, para abrir a parte acústica do espetáculo, relembrando Titãs Acústico MTV (1997), álbum fundamental na história da banda. A mesclagem do colorido com o preto-e-branco também foi usada na abertura do show (Fig. 3):

Figura 3: Abertura, com a música “Diversão”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EFkRA5P53ik

Paulo Miklos iniciou o show e cantou sucessos como “Bichos escrotos”, mas a performance foi apagada, sem o improviso notável que ele demonstrou no histórico Acústico MTV. No Encontro, Sérgio Britto comandou a parte acústica, levantando a plateia.

Infelizmente, Tony Bellotto, que, no Trio, tem arriscado nos vocais, não cantou nenhum sucesso. Já Branco Mello, quase sem voz, foi especialíssimo nos vocais de “Tô cansado”, “Eu não sei fazer música”, “Flores” e “Cabeça dinossauro”. No entanto, em “Cabeça dinossauro” e em “Desordem”, o que decepcionou foram os novos arranjos, que dissiparam o poder dessas letras emblemáticas dos Titãs. Até dá pra entender que, depois de 40 anos, a banda queira inovar, mas mudar clássicos é sempre um processo problemático, que frustra as expectativas do público. Além disso, há o compromisso com a assinatura da banda e, em se tratando dos Titãs, os fãs esperam uma potência sonora fora do comum.

Como em qualquer reencontro, a banda uniu presente e passado, beneficiando-se de diferentes estilos e experiências de cada integrante, dentro e fora dos Titãs. O sucesso foi absoluto, tanto que o grupo anunciou shows extras pelo Brasil, com o sugestivo nome Encontro: Pra dizer adeus (Fig. 4).

No entanto, não há dúvida de que, para os verdadeiros fãs, será apenas um até logo! Salve, Titãs — a melhor banda de todos os tempos e da última semana!

REFERÊNCIAS:

TITÃS. Titãs 84/94. Vol. 2. 1 CD, 1994.

TITÃS. A melhor banda de todos os tempos da última semana. 1 CD, 2001.

TITÃS. Encontro: Todos ao mesmo tempo agora. Turnê, 2023.


Texto publicado originalmente no Blog Interartes: Artes & Mídias, em agosto de 2023.

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