João Chiodini, autor de Os Abraços Perdidos, fala sobre os temas do seu romance e dá dicas para novos escritores.
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O bate-papo desse Recorte Entrevista foi com João Chiodini, autor de “Os Abraços Perdidos”, pela Editora da Casa.
RL – Você escreveu um livro em 2005 que não chegou a ser publicado. Quanto evoluiu linguisticamente e em termos dos temas propostos?
Chiodini – Sim, em 2005 escrevi um primeiro romance. Ele não foi publicado por ser um livro muito frágil, com muitas falhas de estrutura, personagens e narrativa. Eu tinha uma grande quantidade de personagens e diversos conflitos que, na época, eu não soube lidar muito bem. Porém, me serviu de aprendizado. Na escrita de Os Abraços Perdidos, antes de ter a história em si, eu sabia que elementos eu queria utilizar e quais erros eu não poderia repetir (se for para ter erros, que sejam novos. Risos…). E falo isso com relação a tudo: tema, personagens… Em Os Abraços Perdidos, houve um grande cuidado em deixar a narrativa bem seca, sempre. Cuidar para não haver rodeios enquanto Pedro relatava sua história e trabalhar os fatos sempre em tom de confissão. De 2005 até 2015 acabei publicando livros em outros gêneros que, de certa forma, colaboraram com meu aprendizado e amadurecimento para encarar a ficção longa novamente.
Chiodini trabalhou antes com outros genêros para adquirir experiências na escrita do romance. (Foto: Fernando Tubbs) |
RL – O principal tema do livro é a relação entre pai e filho. Qual a principal motivação para explorar esse relacionamento familiar?
Chiodini – Como disse, antes de ter a história em si, eu já imaginava os elementos que eu queria utilizar na construção do livro. Um exemplo: Sempre manter um número limitado de personagens nas cenas e diálogos. Criar um protagonista e um antagonista que tivessem relações que não fossem lineares, onde pudesse colocar afeto e rejeição (vamos chamar assim) em cenas muito próximas umas das outras. Por fim, cheguei à relação de pai e filho, um tipo de situação que se encaixa muito bem nesses parâmetros e, além disso, sempre disso que ninguém passa imune por uma relação de pais e filhos. Em algum momento, por menor que este seja, o leitor vai, inevitavelmente, se colocar na história, no lugar de algum dos personagens. Talvez por semelhança, identificação, talvez por testemunhar um choque com a sua própria realidade.
RL – Falando um pouco sobre mercado editorial, qual a maior dificuldade para publicar no Brasil, principalmente atravessando um momento de recessão financeira, e quais dicas você deixa para os novos autores?
Chiodini – Não existe dificuldade para publicar. Hoje, a Amazon, pequenas editoras e impressão sob demanda possibilitam que qualquer pessoa transforme-se, do dia para a noite, em escritor. Arrisco a dizer que o cidadão não precisa nem saber escrever. Se for analfabeto, faz um monte de linhas num livro e vende o novo Jardim Secreto. Vai ser um autor de livro anti-stress. O Osho da Faber Castell. Ou, se for um Youtuber qualquer, com um tanto de seguidores, pede para alguém assistir seus vídeos e transcrever suas frases de maior impacto. Faz um livro de citações de Youtube. Essa facilidade toda cria uma oferta absurda de livros, para um país que não é leitor. Desse jeito, o João, o José e a Maria, que escrevem contos, poemas e romances, ficam perdidos no meio desse mar de livros e vão afundando, afundando, afundando.
E aqui eu começo a minha resposta para a sua pergunta, falando para o João, o José e para a Maria. Essas pessoas que, por alguma razão qualquer, querem/precisam escrever. E, tem uma coisa, depois que o João, o José e a Maria colocaram na cabeça que vão escrever, podemos falar qualquer coisa, isso não vai mudar a atitude deles. Eles não irão deixar de tentar. Então, vamos lá:
Imagem: Reprodução/Editora da Casa |
Dificuldade 1: Editora. No Brasil, João/José/Maria, como vocês devem saber, poucas são as editoras grandes, que investem em autores e fazem a chamada “compra de direitos autorais para publicação”. São muitos os escritores e poucos os leitores, e as editoras precisam faturar. “Ah, mas meu livro é muito bom. Sou um grande escritor.” Pode ser, João/José/Maria, mas acontece que demanda muito tempo ler um original e chegar a essa conclusão. Por isso, geralmente, o caminho é começar pelas pequenas editoras. Criar um público inicial e ser introduzido no mercado editorial, mas, não se iluda, geralmente isso acontece com vendas tímidas. Existem diversas editoras pequenas com projetos editoriais legais espalhadas pelo Brasil, com vários modelos de negócios que poderão ajudar nessa sua caminhada. Por mais fácil que seja a autopublicação, sempre aconselho um novo autor a buscar uma editora. Por menor que seja ela, vai dar um pouquinho mais de credibilidade para seu trabalho e auxiliar na sua publicação.
Dificuldade 2: Leitores. O universo de leitores é dividido em segmentos, de acordo com o gosto de cada um. Quem gosta de livro sobre a Segunda Guerra, vai sempre buscar aquele tipo de leitura antes de todas as outras… Biografia, história, empresariais, autoajuda, suspense, policiais… E por aí vai. Você precisa entender quem são os seus leitores e conhecer o universo que ele está inserido. Se você escrever poesia, seu público inicial pode ser formado por: outros poetas (15%) + pessoas que leem poesia (5%) + não leitores (80%). A quantidade depende de seu círculo de influência. Vamos supor que você fez um lançamento com 100 livros. Muito provavelmente, a sua venda será esta: 15 livros pros poetas da sua cidade. 5 para leitores gerais da livraria (super otimista esse número para poesia) e 80 para não leitores. Aqui, veja bem, considero não leitores os parentes, amigos e conhecidos do autor. Pessoas que ele arrastou para a livraria, que insistiu, que fez chantagem e que, no final das contas, foi a parcela que mais comprou e que, talvez, não leia o livro. E se você fosse a Kéfera? Ah, aí essa proporção aumentaria, mas a fórmula é mais ou menos a mesma: outros youtubers (15%) + pessoas que leem esse tipo de livro (5%) + não leitores (fãs da Kéfera, seguidores, conhecidos, sósias, crushs) (80%). Entende? A Kéfera não se tornou um best-seller por que todos os leitores do Brasil deixaram de comprar o João/José/Maria e sim por que ela tem uma capacidade gigantesca em atingir não leitores. [Considero não leitores pessoas que não compram livro regularmente e o fazem por um motivo específico. Exemplo: Lançamento do livro do filho.]
Ou seja, não adianta brigar pela falta de leitores. Cada um precisa achar uma maneira própria de atingir uma parcela (a maior possível de não leitores). E, se você for capaz de criar uma boa parcela de não leitores, você até pode ser interessante para as grandes editoras.
O autor dá dicas para os escritores iniciantes. (Foto: Reprodução/Redes Sociais). |
Dificuldade 3: Meio de comunicação efetiva. No intervalo da novela da Globo, não vemos propaganda de livros. Livros são “anunciados” em revistas de literatura, blog (de literatura), redes sociais (que nos círculos dos escritores e editoras só tem escritores e editoras e alguns poucos leitores) e canais de Youtube que falam sobre livro. “Literalmente”, uma bolha literária. Nesse meio, um jovem escritor até consegue espaço para falar de sua obra, pagando ou de graça mesmo, mas são tantos livros citados e ofertados que, nem com toda boa vontade do mundo, o “leitor perfeito”, que gosta de ler autores estreantes como o João/José/Maria, consegue ler todo mundo. É muito livro e falta grana para comprar todos os livros que lhe parecem interessantes. Basta assistir um Book Haul de algum Booktuber para ver a quantidade de livro por semana que chega. Acho que o caminho é, justamente, achar uma forma de comunicar e cativar pessoas de fora da bolha, que não recebem ofertas de livros o tempo inteiro. Aqui, tentar cativar e criar novos leitores não é apenas uma ideologia bonita de escritor. É malandragem para sobreviver, para vender um a mais. No meu caso, numa história de um pai alcoólatra, talvez valesse tentar um panfleto para frequentadores de AA: “Até onde o álcool pode destruir sua relação com seus filhos? Leia Os Abraços Perdidos.” Vai que funciona uma coisa dessas? Além de todos os canais do segmento, o novo autor deve tentar os canais de não literatura que esteja relacionado com o tema/assunto do livro. Sim, eu sei que muitos escritores irão dizer que é pedantismo, panfletagem e tal, mas a literatura não pode ser uma arte de terno e gravata. Não pode ser uma arte de gabinete, de cátedra. Ela tem que ir, sim, para a rua e atingir os inatingíveis. Quer um ato de rebeldia maior do que fazer um panfletinho rosinha com sapatinhos de bebê e vender para mamães um livro que conte a história de uma clínica clandestina de abortos? Enquanto os seus 80% de Não Leitores não falarem de você por aí, você terá que fazer por si mesmo.
Conselho 1: Ninguém vai roubar sua obra: Recebo muitos e-mails de novos autores com pedidos de ajuda para publicar, porém, muitos têm medo de mostrar seu livro para terceiros lerem e opinarem sem, primeiro, registrarem a obra. Não tenha medo de mostrar o original para outras pessoas. Dificilmente irá acontecer de alguém roubá-la de você. É bem mais provável que seu livro fique na gaveta do sujeito e nunca seja lido.
Conselho 2: Opiniões não podem formar inimigos. Outro ponto do jovem escritor é achar que, quando um editor ou leitor crítico faz apontamentos em seu texto, que este quer menosprezá-lo, ou mudar seu trabalho. Tem que aprender a aceitar sugestões e ouvir os conselhos dos mais experientes. Aqui, um ponto muito, muitíssimo importante: você pode dar seu original para qualquer pessoa ler, porém, para uma leitura crítica, busque a opinião de editores ou leitores regulares, pessoas que estão habituadas a ler. É muito comum ver um jovem escritor solicitando leitura do primo ou amigo, que sugere coisas, alterações e, no entanto, aquele foi o primeiro livro lido pelo primo ou amigo. Toda opinião é válida. Mas, leve (realmente) em consideração as colocações de quem entende do assunto.
Conselho 3: Cabeça dura, sempre. Muitas vezes será frustrante, desanimador, revoltante. Mas, nunca deixe de escrever. Tente evoluir a cada livro e continue, ano após ano. O tempo é uma grande peneira. Quem persiste e continua fazendo um trabalho sério vai acabar conquistando um espaço. Você deixa de ser um aventureiro e passa a ser alguém que tenta construir um diálogo com a literatura, de alguma forma.