Cléo Busatto fala do bullying em “A Fofa do Terceiro Andar”

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O Recorte Lírico vive pela literatura, e é por meio dela que hoje trazemos um tema social como o bullying. E para nos ajudar a falar sobre este tema, entrevistamos a queridíssima Cléo Busatto. A escritora, que também é curitibana e veterana na arte de escrever, com 25 obras publicadas; doze livros de literatura para crianças e jovens, quatro teóricos sobre oralidade, quatro CD-ROMS para crianças e cinco participações em antologias. Ela ainda nos contou sobre a história do seu livro “A Fofa do Terceiro Andar” e da personagem Ana, uma menina que em meio ao turbilhão de sentimentos descobre o que é a rejeição, não só dos colegas, mas de si. Um livro juvenil que traz a tona o tema bullying, fazendo com que seus leitores reflitam sobre seus atos, sentimentos e ações.
A autora faz revelações e apresenta pontos de vista incríveis, que você confere agora!
RL – A história de Ana foi inspirada em alguém? Poderia nos contar como surgiu essa história?
Cléo – Eu não lembro o que me levou a escrevê-lo. Posso descrever a historinha de todos meus livros, mas não da Fofa. Dela, lembro apenas que surgiu a imagem do título, A fofa do terceiro andar. Foi aí que começou. Durante a escritura eu fui revendo minha adolescente e entendi melhor esta fase onde a coragem, a ousadia e as dúvidas estão sempre presentes. Eu me aproprio de algumas experiências pessoais, para construir os personagens. Ofereço a eles as vivências mais significativas, as descobertas mais importantes, as situações que foram determinantes para eu ser o que sou. Por outro lado, Ana é única. Ana não sou eu. Acho que o livro é uma espécie de escrita de iniciação, uma conversa íntima, e através dela a personagem vai se vendo e lendo o mundo a sua volta, descortinando-se da ignorância e dos preconceitos.

Cléo Busatto fala do bullying em "A Fofa do Terceiro Andar" 1
Imagem: Acervo pessoal
RL – Diferentemente de Ana, Francisco é um rapaz que não se importa com padrões de beleza e, ao se aproximar de Ana, faz com que ela comece a mudar seu modo de ver a vida e a si mesma. Duas personagens com perfis distintos; como escolheu essas características?
Cléo – O romance pedia um personagem que ajudasse Ana a enxergar aquilo que ela tinha de melhor. Acho que na vida a gente sempre encontra alguns anjos da guarda que vêm em nosso auxilio, quando precisamos. Assim surgiu Francisco. Com ele eu reverencio o masculino sensível e bem centrado, em detrimento de um masculino construído culturalmente sobre dureza e a indelicadeza.

RL – Sabemos que o tema “bullying” é de muita seriedade e é bastante discutido atualmente, já houve até casos de morte de pessoas que sofriam com esse problema… Infelizmente nem todos têm a força que a Ana teve para superar. Qual sua visão sobre o tema?
Cléo – Acho uma lástima e um retrocesso da humanidade, saber que no século XXI, ainda se morre por intolerância, seja de opiniões, atitudes, crenças ou modo de ser e ver as coisas. Está mais do que na hora de as pessoas ampliarem a consciência pessoal e adquirirem a sabedoria que acolhe e aceita as diferenças. A escola é um espaço onde estas diferenças aparecem e o bullying se manifesta, por isso ela deve ser criteriosa e lançar um olhar apurado, crítico e livre de preconceitos, sobre o que oferece aos alunos. Ela tem a tarefa de ampliar a consciência dos seus educandos, por meio de práticas que integrem as diferentes dimensões do ser humano. É importante que o projeto educacional contemporâneo preveja a inclusão do mítico, do simbólico e do sagrado no seu currículo. Para isto existem as boas histórias.  Elas fazem a ponte com estes níveis de realidade que transcendem as dimensões mais usuais, como a dimensão dos sentidos e da razão.  Quando A fofa do terceiro andar aponta para outros modos de ver o mundo, desprovidos da intolerância e do preconceito, ela é formativa e útil aos pais, professores e alunos.

RL – Se pudesse dar uma dica ou conselho para os jovens que sofrem bullying e até mesmo para os pais, o que diria?
Cléo – Conselhos não servem para nada, se o sujeito não estiver sensibilizado para ouvir. O que é necessário, tanto na escola, quanto na família, é a conscientização da importância de um processo continuo de autoconhecimento. Esta prática é que vai conduzir à formação de pessoas do bem, livres, criativas, tolerantes e compassivas. Os valores que nos tornam humanos devem ser exercitados, em casa, na escola e na sociedade.

RL – Mudando um pouco o assunto, gostaríamos de saber seu ponto de vista sobre a literatura. Sabemos que os clássicos jamais deixarão de ser clássicos, porém a preferência dos adolescentes e jovens de hoje é pelas literaturas contemporâneas, como livros de youtubers, que para a maioria dos teóricos, não apresentam um conteúdo que agrega tanto. Você acha que os novos escritores, que apresentam um conteúdo de maior relevância, são prejudicados pela exposição e divulgação desses livros “modinhas” ou crê que isso não interfere?
Cléo – De mãos dadas com o preconceito, com a ignorância e com a intolerância vêm à banalização dos conteúdos ditos culturais, que são massificados pelo acesso fácil às mídias que a sociedade contemporânea apresenta. Eu não concordo com esse olhar condescendente que aceita todas as produções culturais, porque grande parte delas apresenta um conteúdo “deseducante”, burro e preconceituoso. É preocupante ver crianças e jovens consumindo uma literatura de baixa qualidade, rasa e muitas vezes nociva. Acho sim, que a boa literatura é prejudicada, porque não há elaboração intelectual do leitor para acessá-la, já que ele só consegue entender uma linguagem nivelada por baixo. Acho que o Brasil vem “emburrecendo” a olhos vistos e às vezes sinto que estamos numa vertiginosa descida rumo ao caos cultural.
RL – A internet oferece conteúdo cada vez mais rápido e as tecnologias contribuem para isso, além disso, uma criança tem acesso cada vez mais cedo a essas informações tecnológicas. Seguindo esta informação, você acredita que as crianças e jovens estão perdendo o interesse pela literatura e o aprendizado? Comente.
Cléo – Cabe aos pais e professores educar as crianças, com a consciência de que as novas tecnologias podem servir de aliadas à educação ou podem prejudica-las, e muito.
RL – Para finalizar, se pudesse deixar uma dica para os novos escritores, que estão começando agora suas jornadas, o que diria?
Cléo – Leiam, leiam e leiam, e sejam fieis àquilo que acreditam.

Da Redação.

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