“Eu levo o mundo como o mundo é, Graciano: um palco, onde cada homem tem o seu papel, e o meu é triste.”
(William Shakespeare – Antônio a Graciano, in “O Mercador de Veneza” – Ato I, Cena I)
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Imagem: Reprodução |
A vida enquanto peça é uma das analogias mais fantásticas que o contato com o Teatro nos proporciona. Da infância à velhice, sempre estaremos assumindo diversos papéis, em diversos cenários e, tragicamente, sem direito a ensaios. O palco, por fim, é este gigante infausto chamado mundo. Oriunda dos clássicos gregos, esta noção também é inerente às célebres obras de William Shakespeare – conforme apresentado acima, em O Mercador de Veneza .
Wislawa Szymborska – poetisa polonesa traduzida para o português pela primeira vez em 2011, traz – em alguns de seus trabalhos – versos incrivelmente belos, compostos sob a ótica do theatrum mundi. Nascida em 1923, a escritora estreou como poeta em plena era stalinista. Estudou, de 1945 a 1948, literatura e sociologia na Universidade Iaguielônica de Cracóvia, não chegando a graduar-se. No início da década de 1950, foram publicados seus dois primeiros volumes de poesia, a saber: Dlatego zyjemy (Por isso vivemos) e Pytania zadawane sobie (Perguntas feitas a mim mesma).
Em 1957, Szymborska lançou Wolanie do Yeti (Chamando por Yeti), que ela considera sua verdadeira estreia literária. O estilo e temas de natureza filosófica que a consagraram são bastante visíveis em tal volume. Não foi uma poeta prolífica, tendo publicado, em cinquenta anos, apenas doze pequenos volumes de poesia.
Abaixo, seu poema “A vida na hora”, retirado do livro “Poemas” (Companhia das Letras, 2011):
A Vida na Hora
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que se trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando,
é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado-eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira
antes ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avisinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isto é justo-pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear
nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
Além de ganhar, em 1996, o Prêmio Nobel de Literatura, a poeta foi agraciada por diversos prêmios na Polônia e no exterior (Prêmio Goethe – 1991, Herder – 1995 e Pen Club polonês, em 1996). A escritora faleceu em 2011, na Cracóvia.
Seu trabalho é pouco conhecido no Brasil. Para preencher essa lacuna, a Companhia das Letras publicou, em 2011, o volume “Poemas” (traduzido pela professora curitibana Regina Przybycien), que constitui uma antologia de diversas poesias escritas ao longo da vida literária de Szymborska. Em 2016, a editora publicou a segunda compilação traduzida dos trabalhos da escritora: “Um amor feliz” – já disponível para venda nas grandes livrarias do país.
Por: Lucas Silos.