[Conto] As ampulhetas do amor

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Passei o dia tentando recriar a imagem mental daquela que seria a minha futura calma. Talvez semanas, obnubilado que eu estava. Mãos de algodão, que eram a expressão máxima do conforto, cabelos que a tornavam superior a qualquer outra da festa.

Meu coração, hemorrágico, ainda não retomou seu ritmo habitual, descompassando os pulmões.

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Era o tipo que olhava de dentro, ao passo que eu a fitava com a alma. Deve haver um jeito específico de se comunicar pelo olhar, uma mistura de compreensão imediata com elaboração lenta.

Entrou entre muitas, e foi como uma corrente mais viva em meio ao ar maciço circundante. Seus olhos, sempre falarei deles, eram um resumo de todas as Odes de Amor. Ah, seria minha!

Eu a traguei.

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Indo na contrapartida da correria do dia a dia, demorei-me nela. Quando a pessoa é realmente (da Realeza, quem sabe?) especial, fico Raio-X e lupa, e muito humano e doce. De onde eu estava, aproximei meus ouvidos para apreciar a orquestra que dentro dela ia.

E sua branca pureza decompunha-me em todas as formas da Natureza. Que felicidade aquela mulher!

Algum profeta com certeza deve tê-la pensado para mim, par a par com visões divinas.

Ela dançava.

Ela cantava.

Os músicos do baile começaram a tocar estilos que jamais serão traduzidos em partitura.

Trovadores nunca ouviram tal trovão. Tudo nela era “ão”.

O CAPITU (lo) mais importante da obra machadiana.

Estávamos ofegantes ao primeiro toque, como se exaustos pela procura por carinho. Éramos duas solidões cintilantes, que os astros- mudos e sós- se encontram em certas matemáticas do espaço. Minha cabeça rodava, fazendo inveja a todos os parques de diversão. Mas encontrar a pessoa certa não é brincadeira. É, sim, coisa séria beijar uma mulher que carrega, por assim dizer, 1,75m de puro Segredo do Universo.

Enquanto eu caminhava até ela senti febre. Não existiam nesse momento outras pessoas no salão e o baile, tão carnal, transcendeu qualquer que fosse o carnaval. Como se um adolescente tive dúvidas quanto a que fazer. Olha só! Eu, maduro pela vida, pela solidão, pelos violões, ainda procedendo feito poeta romântico. Calma. Não se pode morrer de Amor (ouviram, poetas?). Deve-se viver por ele. Deve-se suportar suas demoras, suas ampulhetas.

Tudo agora era simples: o lugar, a dança, a forma de deixar meu corpo fácil, como se papiro atual.

O nome dela. Pra quê? Para reduzí-la? Para não enxergar ela mesma?

Dizer o meu nome. Pra quê? Para experimentar a mandíbula com ansiedades?

Ao som de músicas fantásticas, eu deveria apenas fazer nos lábios névoa branda de felicidade.

Ao dizer, reinvidica-se. Ela era o exato do que eu queria ali e naquela hora. Outra busca? Ora, vê se demora!

O que eu precisava mesmo era tomar cuidado para não escorregar onde seu rosto derramava beleza. Derramamento que tornava o chão bem nuvens.

 

 

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