Augusto dos Anjos era Go Veg?

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Augusto dos Anjos é conhecido por sua poesia excêntrica e macabra, focando o grotesco e uma visão fria da vida como forma de criar suas reflexões e críticas. Há alguns de seus poemas que seguindo essa mesma linha de retratar o grotesco nos trazem uma visão interessante sobre a morte, observe:

À Mesa
Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensangüentada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa!

Como porções de carne morta… Ai! Como
Os que, como eu, têm carne, com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!…
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.

É interessante reparar como ele se compara ao prato que vê posto em sua frente, ao animal morto que ali se apresenta. O comum para uma pessoa (que não seja vegetariana) seria salivar com tal visão, porém, o eu-lírico nesse poema expressa total repulsa ao alimento justamente por percebê-lo como sendo a carne de um animal que esteve vivo e foi assassinado para chegar até o seu destino. Na passagem “para comer meus próprios semelhantes” ele está reafirmando a condição de animal do ser humano, tirando-nos do patamar em que costumamos nos colocar (um ser especial, à parte dos demais).

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Uma visão completamente cientificista, percebe-se. No outro verso: “com este assomo que a espécie humana em comer carne tem!” ele expressa a ideia de comer carne por hábito e não por gosto ou não por ser algo realmente bom, mas por puro costume, nos colocando na posição de carnívoros quase que cruéis e responsáveis pela desgraça das demais espécies. “Possa a terra vingar-se do meu crime”, repare como ele está condenando o ato de comer a carne de “um semelhante”, um animal.

Todos os leitores mais assíduos de Augusto dos Anjos estão familiarizados com a ideia macabra e fria que ele cria da morte, apontando-a como um fim iminente e cru, feio e nada romantizado. Nos dois últimos versos fica clara a ideia repulsiva que ele quer criar sobre o ato de comer um animal morto, um ser que como nós possui sangue e carne. Quando ele afirma que pagará por esse crime sendo “comido” pela terra, está criando uma metáfora para representar a morte, quase como a mesma morte que se causou ao animal que o homem comeu. Olho por olho, dente por dente?

É claro que Augusto dos Anjos provavelmente não era vegetariano e nem apoiava esse estilo de vida, mas a ideia que ele cria nesse poema é a de igualar o ser humano aos demais animais e construir uma estranheza com relação ao ato de comer um animal com sangue e carne, antes vivo e agora morto. Seria possível dizer que o autor nos nomeia comensais da morte? Atores efetivos desse cruel fado ao qual submetemos os animais? Fado ao qual nós seremos submetidos também, talvez até como meio de deixar claro como a morte não perdoa a nenhum ser vivente? Bem, como sempre, nosso querido poeta decadentista e infeliz aponta para a crueldade da morte, não apenas a tornando vilã, mas dando esse título também aos cruéis humanos que a tornam mais real e mais presente no seu próprio dia-a-dia.

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One thought on “Augusto dos Anjos era Go Veg?

  1. Ótimo texto, Fabi! Acredito que podemos dizer que nós duas percebemos as referências vegs logo de cara nos versos dele, acho interessante perceber os vários modos como ele trata a morte, ressaltando que o animal morto é tão grotesco e nojento quando nós começamos a nos decompôr, mas a diferença é que o ser humano come esses cadáveres achando lindo. Augusto é foda! <3

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