Uma palavra sobre o Coronavírus (e a informação)
Este site nasceu do voluntarismo e da imaginação criadora de jovens acadêmicos. Como eles mesmo dizem numa das seções aqui, o pequeno sonho de adolescentes (ou jovens adultos?) se ampliou e saltou as fronteiras da Academia se incorporando ao espaço “extra Universidade” – saiu da escola pra ganhar mundo… como o desejam todos os bons mestres.
O que parecia uma atitude voluntarista tem-se mostrado um bom fruto da vontade, nos sentido etimológico mesmo do termo – da voluntas dos latinos – esforço que, mesmo que se possa, inicialmente ser considerado ingênuo, pode gerar resultados impressionantes e, às vezes, inesperados.
Esse desejo de ação para nós da RL significa também responsabilidade, à medida em que aumenta o número de colaboradores de fora e de dentro da Academia, mas principalmente à medida que aumenta o número dos nossos leitores.
É a responsabilidade que nos convoca a sermos pontuais no caso da pandemia que ronda o mundo atualmente. Devemos combater não só o vírus como também a paranoia. Devemos combater o vírus, ao seguir a orientação adequada das autoridades do setor de Saúde, como devemos, igualmente, combater a desinformação – a divulgação de notícias falsas, exploração daquelas aparentemente reais, que podem aumentar a audiência, mas não colaboram para um meio mais equânime de informação.
Ah, pensariam os mais ingênuos, isso não tem nada a ver com um site cujo propósito inicial é a Literatura… Enganam-se os que assim pensam. Esta nota tem tudo a ver com a Vida, com sua defesa e isso é totalmente pertinente com a Literatura – e vice-versa.
Os literatos dos gregos e romanos, que tudo parece terem vivido e nos comunicado –, passando por Thomas Mann (“A morte em Veneza”), Albert Camus (em “A peste) e chegando aos nossos dias com André De Leones (“Dentes negros) todos mostram-nos cenários de epidemias, de pestes, pandemias e souberam enxergar nos meandros dessas crises imaginárias surpreendentes sinais do que se passa agora no mundo real.
E para não deixar de falar da música popular – nosso baiano-compositor e “maluco beleza” Raul Seixas parecia prever o dia de hoje no mundo com sua inesquecível “O dia em que a Terra parou”.
Thomas Mann, só para lembrar o incauto leitor, mostra em “Morte em Veneza uma cidade doente, ainda que as autoridades negassem o fato. A cidade cheira mal, cheiro de Morte – do “vento siroco” – desinfetam Veneza por quê? – Pergunta o estrangeiro. E o nativo, um trocista, respondeu rouco:
“- Por causa da polícia! É regulamento, meu senhor, neste calor e com o siroco. O siroco comprime. Não faz bem à saúde…”
Ainda em outra tentativa de se receber boa informação, o estrangeiro em Veneza quer a verdade de um britânico em uma agência de câmbio:
“Não há motivo para preocupação, sir. É uma medida sem importância. Estas precauções são tomadas frequentemente, a fim de evitar efeitos do calor e do siroco, nocivos à saúde…”
Mas a verdade há de vir à tona e cobrará caro de todos. Sejamos, pois, leais a ela. Assim, “levantando os olhos azuis, encontrou o olhar do estranho, um olhar cansado e um pouco triste, que estava dirigido, que estava dirigido, com um leve desprezo, aos seus lábios. Então o inglês corou:
“Isto é — continuou em meia voz, com alguma emoção — a declaração oficial, que acham acertado adotar aqui. Eu lhe posso dizer que ainda há outra coisa atrás disso.
“E depois disse, no seu
idioma honesto e cômodo, a verdade.
“Desde alguns anos, a cólera hindu havia demonstrado uma tendência a
alastrar-se e emigrar.
“Originada dos pântanos quentes do delta do Ganges, aparecendo com o alento
mefítico daquele exuberante-inútil mundo antediluviano e ilhas selvagens
evitadas pelo homem, em cujos espessos bambuzais espreitava o tigre, a epidemia
desencadeara-se em todo o Indostão, contínua e extraordinariamente violenta,
alastrara-se para a China ao oeste, para o Afeganistão e a Pérsia ao leste e,
seguindo as estradas principais do tráfego de caravanas, levara seus horrores
até Astracã, e mesmo até Moscou…
A morte vai encontrar o personagem viajante, que movido pelo “medo, desejo e uma curiosidade horrorizada pelo que deveria vir” a encontrar a morte no vibrião do cólera – por não desistir de olhar erótico sobre o mundo. Mas isso é história para os críticos e analistas.
O que devemos reter agora é que a Literatura não pode se abster do mundo à sua volta. O escritor está imerso no mundo ele próprio e os que ama e a ele devotam amor. Talvez, com ou sem a peste, a pandemia ou o que seja, sejamos mesmo como aqueles dois personagens de De Leones: “Estamos todos doentes, e doentes até os ossos. A doença está dentro da gente e nunca vai sair.”
E assim, com essas “bastilhas ambulantes” em que se transformaram nossos corpos “protegidos” por antígenos, sejamos no fundo “calabouços ambulantes”. Quem sabe?
O certo é que na hora presente, com nossos colunistas mirando suas penas (melhor dizendo teclados) para o quadro apocalíptico – ver artigos de Frank Wan e Adalberto de Queiroz – seja também a hora de reafirmarmos nossa missão e propósito.
A Recorte Lírico não divulga fatos subsidiários à notícia para falseá-la, aqui o mote é o domínio da imaginação, mas sem ceder à manipulação do bem e/ou tampouco do mal. Há uma boa postura neste momento e o jornal português O Observador trouxe recentemente, com uma pitada de humor lusitano:
- Não seja um dos “machões do Coronavírus”. Não diga que todo mundo está louco e que você é o grande sensato-corajoso-que-não-tem-medo-de-nada, que nunca usará máscaras e que, se pudesse, estaria agora em Milão comendo uma carbonara. Não minimize a gravidade de situação. Respeite esse momento delicado.
- Não surte. Não se torne monotemático. Não passe horas e horas atrás de notícias, jornais, desgraças. Se mantenha informado na medida do necessário. Mas não se torture, não crie seu próprio pânico, nem crie pânico nos que te cercam.
- Não seja egoísta. Não esvazie prateleiras de supermercado. Não ache que a sua família importa mais do que as outras. Pense que há mais crianças, mais idosos, mais pessoas doentes. Pare de olhar apenas para o seu próprio umbigo. Todos temos bom senso, mas nem todos fazem uso dele.
- Não seja um fanfarrão. Se suas aulas ou trabalho foram suspensos, não encare isso como férias. Não lote praias, transportes, shopping centers, festas. Entenda que quando você se coloca em risco, você coloca todo mundo em risco.
- Aceite que vai ser uma fase difícil. Ninguém gosta de mudar os planos, de ficar fechado em casa, de cancelar viagens, de perder dias de sol na praia. Tem que ser uma fase de sacrifícios de todos em nome do bem coletivo. Nem sempre a vida é como a gente queria que fosse.
- Não repasse informação questionável. Avalie os conteúdos. Quem escreveu aquilo? Tem certeza? É uma fonte segura? Não faz muito sentido acreditar que o chá de cidreira, erva doce ou menta resolve todo o problema. Basta pensar um pouquinho. Confie nas informações dos ministérios, das OMS, dos jornais sérios, não em qualquer bobagem que chega via Whats App.
- Não crie pânico nas crianças. Elas são sensíveis e têm tanto medo quando a gente (ou mais). Diga as coisas de forma leve, porém eficaz. Ensine-os a lavarem bem as mãos e a se protegerem, mas não use o vírus como ameaça. Poupe os pequenos, sempre que possível.
- Entenda que suas atitudes refletem na vida dos outros. No Direito, há um princípio chamado “supremacia do interesse público sobre o privado”. Nesse momento, o coletivo importa mais do que o individual. Suas vontades têm que estar em segundo plano. Se você ficar doente, você representará um custo ao Estado, você ocupará um leito de hospital, você poderá contaminar outras pessoas. Não se trata de “ah, se eu pegar a doença tudo bem, sou saudável, não devo morrer”. A coisa vai muito além de você.
- Pense nos médicos, nos enfermeiros, nos profissionais da área da saúde. Você não acha que eles preferiam estar em casa, em vez de se sujeitarem aos riscos de contaminação? Antes de decidir ir ao estádio, às discotecas, às igrejas ou a qualquer local de risco desnecessário, lembre-se deles. Pense que há pessoas colocando a vida em risco em nome do nosso bem-estar. E se você não for capaz de relativizar suas vontades mesmo assim, saiba que você é um raio de um egoísta.
- Dê suporte aos outros. Ligue aos seus amigos. Pergunte se sua vizinha idosa precisa de algo. Sugira alterações na rotinas dos seus pais e avós. Obedeça às diretrizes. Lave as mãos direito e com frequência. Cubra a boca para tossir. Evite aglomerações. Faça alguns sacrifícios. Demonstre seu afeto com a sua generosidade e não com seus beijos e abraços. Respeite o outro. Não pode ser tão difícil assim. Se não formos completos idiotas, talvez dê tudo certo.
E, por último, mas não menos importante, destacamos um trecho do jornalista Mário Sabino (Revista Crusoé), que em um texto primoroso (“O menino e a peste”) diz:
“se o medo do corona vírus está levando um monte de gente a comprar “A Peste” [Camus], trata-se de um efeito colateral positivo. Lave as mãos, não tussa ou espirre sem proteger a boca com o cotovelo – e leia ou releia o livro de Albert Camus. A literatura às vezes funciona como remédio.”
LEIA MAIS sobre o tema em Ministério da |Saúde| do Brasil. “Saúde dá orientações para evitar a disseminação do coronavírus” –
https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus