Perdoai-me, Sergio Sant’Anna

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Sérgio Sant’Anna, você nasceu para mim três dias depois de morrer. Quando vi a reportagem no Fantástico acerca de seu falecimento por Covid, eu te conhecia apenas de nome, sabia que era um escritor do Rio, pai de outro escritor, e que havia publicado livros que eu não sabia o título. Só que, na reportagem, a narradora disse que você esteve sempre buscando uma nova maneira de narrar seus contos, às vezes sendo chamado de experimental.

Fiquei curioso por esse seu caráter experimental e por ser contista assumido. Na mesma noite, consegui encontrar no Google um PDF de seu livro Páginas sem glória – sim, pirataria. Passei uma tarde de segunda-feira vazia lendo O milagre de Jesus, um longo conto presente na obra. Achei um tanto confuso seu jeito de misturar diálogos cheios de rubricas teatrais e aqueles outros mecanismos arrojados com narrativa mais usual. Mas, depois de me cansar, o caos logo criou prazer (como um casal que se cansa de discutir e transa), e eu considerei o texto uma obra-prima, libidinal como a metáfora anterior.

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Perdoai-me, Sérgio Sant'Anna
Sergio Sant’Anna, que nos deixou em maio de 2020, teria completado 80 anos no último sábado, 30.

Ao término, encontrei você falando em uma entrevista no Youtube. Eu fui lá louco para entender de onde você tirava esses modos estranhos de narrar, se era baseado em algum teórico ou filósofo contemporâneo, se você havia lido Deleuze ou Foucault. “Eu escrevo assim porque não me censuro”, você explicou. Essa tua frase me fez perceber que é a teoria que brota da prática, não o contrário. E a seguinte, quando você citou seu time de futebol, me trouxe a ideia tentadora de que você não era perfeito, porque torce pro Fluminense, o segundo maior rival do meu Botafogo.

De maio de 2020 para cá, li cinco obras tuas – as outras quatro eu comprei, ok? Tive tempo, pela sorte de estar num trabalho que me proporcionou o isolamento social. Curioso: a mesma covid que te levou, Sergio, permitiu que eu me aproximasse de você. E essa proximidade foi impactando também minha maneira de escrever, porque eu passei a me sentir um covarde por contar uma história com fórmula pronta ou por censurar o que brota de estranho dos meus dedos.

Depois desse longo preâmbulo, Sérgio, eu preciso dizer a que vim: para obter o teu perdão:

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que você me perdoe por esse impulso de copiá-lo literariamente, o que acho fácil, porque você mesmo disse numa entrevista (sim, eu te maratonei no YouTube) que já fez coisa semelhante na vida ao ler David Foster Wallace;

que você me perdoe por ter achado que retira suas obras da teoria ou da filosofia, quando as tira da memória ou das artes plásticas;

que você me perdoe por ter colaborado para a pirataria de seu livro, o que também considero fácil, porque você mesmo era um verdadeiro transgressor;

e que você me perdoe, enfim, por tê-lo descoberto tão tarde; essa acho mais difícil, quase incontornável. Mas prometo, Sérgio, reparar o tempo perdido lendo você, até me cansar de ler você; até ficar exausto de me confrontar com suas invencionices narrativas… e começar a inventar as minhas; e ademais quando sua ausência criativa me for muito triste, quando a percepção de sua falta nesse mundo me parecer absurda, eu prometo, Sérgio, escrever uma crônica fingindo que estou falando contigo, numa padaria no bairro das Laranjeiras, você com a camisa tricolor e eu com a do Glorioso; você rabiscando manuscritos, eu te pedindo perdão.


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