ESTACA NO CORAÇÃO: O ADEUS A DALTON TREVISAN
E Dalton Trevisan se foi…

No início de dezembro de 2024, fui surpreendida pela notícia da morte de Dalton Trevisan (1925-2024). Sim, ele já estava com 99 anos e muitos me disseram que eu não deveria ter estranhado tanto sua partida. Porém, costumamos associar os vampiros à imortalidade, certo? Sobretudo no caso de Dalton, que tinha diminuído o ritmo de produção, mas que continuava escrevendo e publicando.
Autor curitibano e meu conterrâneo, Dalton é meu ídolo máximo na literatura. Tenho dezenas de livros dele, nos quais “viajo, viajo”… Não me canso de reler suas histórias, admirar seu humor ácido e de cair na armadilha de sorrir, para só então começar a lamentar.
Dalton tinha 99 anos e ainda estava na ativa. Mesmo assim, suas obras eram raridade por aqui. Eu não me cansava de reclamar, nas feiras e livrarias de Curitiba, quando descobria que não havia nenhum livro de nosso vampiro.
Talvez essa ausência possa ser explicada pela contundência dos textos do autor. Sei que Dalton Trevisan é para poucos e, nesse aspecto, acho oportuno celebrar o vampiro parodiando os versos de Paulo Leminski, o “cachorro louco” curitibano:
Dalton Trevisan
“ame-o
ou deixe-o” (Cf. Leminski, 2025).
Muitas pessoas criticam a repetição com variação; outras não aguentam a violência da linguagem e dos personagens; há aqueles que não entendem a ironia; e também há quem diga que as histórias de Dalton não têm nenhuma associação com a realidade (???).
Bem… Por tudo isso, eu resolvi amá-lo e registro aqui meu pesar pela partida dele. Nesta ocasião, relembro um artigo que escrevi há 10 anos e que foi publicado no Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea da UFRJ. O título é “Dalton Trevisan e a literatura do contra” e o texto pode ser lido na íntegra, neste link: https://revistas.ufrj.br/index.php/flbc/article/view/17211

Dalton Trevisan tinha uma relação de amor com a Curitiba do passado e de insatisfação com a Curitiba do presente. Alguns não entendiam, mas era isso que motivava sua literatura, sempre em busca da cidade de outros tempos, que não existe mais e talvez nunca tenha existido de fato, a não ser na memória de Dalton – etérea, fugidia e subjetiva, como a memória de todos nós. Não nos lembramos de nada. Criamos momentos, atitudes, pessoas (e nos apegamos a eles, como se tivessem sido a nossa verdade, um dia)…
Por fim, transcrevo aqui alguns trechos do meu conto preferido, “Lamentações de Curitiba”:
A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação.
[…].
O que fugir do fogo não escapará da água, o que escapar da peste não fugirá da espada, mas o que escapar do fogo, da água, da peste e da espada, esse não fugirá de si mesmo e terá morte pior.
O relógio da Praça Osório marca a hora parada do dia de sua visitação.
[…]
Os ipês na Praça Tiradentes sacolejarão os enforcados como roupa secando no arame.
[…]
No rio Belém serão tantos os afogados que a cabeça de um encostará nos pés de outro, e onde a cachaça para mil e um velórios? […]
A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais.
Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá voo no degrau de tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba. (Trevisan, 1992, p. 19-20)
“Curitiba foi, não é mais”, mas Dalton será para sempre o nosso vampiro! O dia do Juízo Final chegará e restarão apenas ele e “as baratas com caspa na sobrancelha”.
Um viva e “um assobio com dois dedos na língua” para Dalton Trevisan!
Referências
LEMINSKI, Paulo. [Sem título]. Disponível em: https://www.pensador.com/frase/MTI0MTQ/. Acesso em: 21 fev. 2025.
TREVISAN, Dalton. Em busca de Curitiba perdida. Rio de Janeiro: Record, 1992.
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Versão ampliada do texto publicado nos blogs Sarau Literário e Interartes, em dezembro de 2024[VDK1] .