Sérgio Tavares apresenta sua obra e conversa sobre o ofício do escritor

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“O importante é criar o hábito e, do hábito, a consciência do valor da leitura.” A frase impactante é do escritor e jornalista Sérgio Tavares, autor de “Queda da própria altura” e do mais recente “Cavala”. O autor, que foi premiado no Concurso Literário da Fundação Escola do Serviço Público (Fesp), com o conto “O escritor de obituários”, conversou com o blog e é o entrevistado do Recorte Entrevista.    

RL – Em sua segunda publicação, você fala sobre sonhos e desejos incontroláveis; o que ‘Queda da própria altura’ provoca de mais intenso nos leitores?  

Sérgio – ‘Queda da própria altura’ nasceu de uma experiência pessoal e é estruturado sobre dois temas centrais: a perda e a finitude. Independente do tipo de enredo em que são situados, são assuntos que naturalmente geram interesse, pois expõem a fragilidade humana; e somos atraídos por aquilo com o qual não podemos lidar. No caso do meu livro, quis evitar um relato autobiográfico, decompondo essa “matéria-vivência” em contos que prescindissem de mim, que tivessem uma origem estritamente na ficção e se conectassem por elementos pontuais que levassem o leitor a compreender a obra de maneira coesa. Para isso, me embrenhei pelos caminhos da literatura fantástica, buscando, numa atmosfera onírica e num lirismo quase metafísico, tratar desses temas duros, dessa memória dolorida, ao mesmo tempo em que me distanciava da realidade. Pode ser visto com uma covardia, no fim das contas, mas a literatura não é feita só com coragem.

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Sérgio Tavares, além de escritor, é também jornalista. (Foto: Reprodução/Facebook).
 
RL – Além da publicação de livros, você é jornalista e nota-se por escrever resenhas, artigos, e até mesmo crônicas. Qual a principal diferença entre os gêneros e como adequar os variados tipos de textos para, às vezes, o mesmo público?  
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Sérgio, dos mais importantes críticos, estreou com “Queda da própria altura” (Foto: Reprodução/Facebook).

Sérgio – Uma vez, ouvi uma definição simplista, mas que acho válida: na crônica, o autor olha para fora; no conto, o autor olha para dentro. Eu tenho vontade mesmo é de escrever, de modo que olho para tudo o que é canto. Se me perguntar o que mais gosto de escrever: conto. Se me perguntar o que não sei escrever: poema. Mas posso fazer poesia? Sim, posso. A escrita é um ofício, como muitos outros, que tem seus próprios comandos e regras. E cada gênero tem suas características. O autor precisa estudar e conhecer o primeiro, para adaptar ao segundo. Como sou jornalista de formação, o texto de redação ajuda muito, pois empresta um pouco de sua estrutura para a crônica, o artigo e o ensaio. Já a ficção é um processo que se apura com a prática. Daí me pergunto: será que consigo ler um livro e resenhá-lo? Leio, estudo, entendo a maneira de escrever dos principais críticos literários e, finalmente, faço. Bem, consegui. Pode ficar melhor? Pode. Então escrevo outra, e mais outra, e mais outra. Será que consigo escrever uma resenha num dia? Bem, consegui. E vou diminuindo o tempo, e mais, e mais. Fato é que escrever é o último estágio de todo uma sequência de fazeres. Quando se acumula bagagem (e, reforço, requer estudo, leitura e prática), torna-se natural encontrar o direcionamento devido para cada texto. O autor automaticamente sabe com quais ferramentas deve trabalhar.  

RL – Com toda a experiência que já tem no mercado editorial, qual a maior dificuldade desse nicho aceitar novos autores, caso os temas das obras não apontem para um novo best-seller.   

Sérgio – Estou longe de ter experiência no mercado editorial; meu livro de estreia tem apenas seis anos. Mas posso fazer algumas considerações. A primeira é o deslumbramento. O autor tem de evitar o deslumbramento pela escrita, sobretudo pela própria. Não há nada mágico nisso; não é um dom dos céus ou um santo machadiano que baixa. Escrever é um ofício que se aprimora, que encontra excelência na prática e na perseverança. Nem todos que escrevem é ou quer ser escritor. Ser escritor é ter consciência, acima de tudo, que a literatura é feita de pequenos momentos de glória e todo um longo período de silêncio, de busca e, muitas vezes, de fracasso. Por isso, o autor iniciante nunca pode se entender feito, encher-se de autossuficiência porque escreveu um livro. O melhor para um novo escritor é saber que há muito o que aprender; que apurar o texto, encontrar uma identidade, precede qualquer desejo de publicar. Outra questão fundamental refere-se ao entendimento do mercado. Muitos autores enxergam as grandes editoras como vilãs, como grupos que só pensam no lucro e não apostam na “nova literatura brasileira”. Não estou aqui para defender editora; até porque sou um autor sem editora, sem contrato. Mas um selo editorial, como uma loja de sapatos ou uma de milkshakes, depende, obviamente, de lucro. É uma empresa, que paga contas, funcionários, impostos. Vamos reverter os papéis: você, novo autor, apostaria seu dinheiro em algo que iria lhe trazer retorno financeiro ou algo que não? O mais curioso é que as grandes editoras, geralmente, fazem os dois. Ainda que muitos esperneiem contra os best-sellers internacionais, é com o lucro obtido desses livros que as editoras bancam as publicações dos autores nacionais, inclusive dos estreantes.  

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Sérgio ganhou o Prêmio Sesc de Literatura de 2010 na categoria conto, pelo seu livro de estreia Cavala. (Foto: Reprodução/Facebook).
RL – Ainda falando sobre os best-sellers, acredita que o grande volume de publicações no Brasil, sobretudo dos youtubers, pode conduzir o público-leitor às obras mais clássicas?  

Sérgio – É preciso haver uma distinção entre o que é livro e o que é realmente literatura. Livro de youtuber não é realmente literatura; e, convenhamos, a maioria sequer tem essa intenção. Mas são pessoas com um grande poder de mobilização; de projetar um livro; de atrair um enorme grupo de pessoas para uma determinada leitura. E não precisa ser um clássico. Autores, como André Vianco, Eduardo Spohr e Raphael Draccon, que fazem literatura de gênero de qualidade, têm chances de conduzir o leitor interessado para autores como Bram Stoker, Tolkien ou C. S. Lewis. A série “A Guerra dos Tronos”, por exemplo, tem influência de Shakespeare. Mas, como disse, não adianta existir a ponte, se não há o interesse do leitor em cruzá-la. Foi num tempo em que eu lia basicamente Stephen King, que cheguei a Poe, Lovecraft, Maupassant, daí fui para Quiroga, que me levou a Borges, Cortázar, Rulfo, daí para Rubião, J. Veiga e um painel inesgotável de autores latino-americanos. O bom leitor, o leitor interessado, sempre está descobrindo novos escritores. Não faz muito tempo que conheci Macedonio Fernández, o papa da literatura argentina. Outra coisa que funcionava antigamente (não que eu seja tão velho assim) eram os catálogos que as editoras colocavam ao fim de seus livros. Eram, de fato, indicações, dicas de leituras. Descobri muitos livros assim. Ia nos sebos com aquela listinha e perguntava sobre o autor. Se me interessasse, eu levava. Hoje, ninguém precisa ir num sebo. O sebo está na internet. Com a possibilidade num clique, tudo está bem mais fácil e só não se informa quem não quer. Essa é a grande questão, afinal: a vontade de se informar, de descobrir autores, de ler. Por isso, sou partidário de que a literatura, especialmente para quem se inicia, tem de ser agradável, divertida, encantar. O grande clássico não precisa ser a porta de entrada. Pode ser gibi, best-seller, livro de aventura, de terror ou de fantasia. O importante é criar o hábito e, do hábito, a consciência do valor da leitura.   

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Da Redação – Cássio Miranda


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