Retrocedendo: as mídias e a cultura vintage – Parte 1

Hoje, começamos um texto seriado que será publicado aqui, no Recorte Lírico, quinzenalmente (acompanhe a coluna “Há arte em toda parte” clicando aqui). O objetivo é resgatar meios de comunicação que atualmente são considerados fora de moda, mas que, em outras épocas, fizeram uma verdadeira revolução no que diz respeito à escrita e à leitura, em diversos aspectos: produção, divulgação e acessibilidade.

Felizmente, posso dizer que conheci todos eles e acho importante contar e registrar um pouco desta história − que não é só minha, mas de todos nós. Sim! Trata-se de uma História com H maiúsculo, como dizíamos antigamente, já que nada do que temos hoje seria possível sem os aparelhos e as ideias daqueles que vieram antes de nós. É um movimento contínuo e evolutivo…

Vamos começar pelos fichários das bibliotecas. Antes do Google e de outros buscadores, a pesquisa era feita manualmente. Aqueles que liam e visitavam frequentemente as bibliotecas já sabiam qual era o procedimento e tratavam de localizar logo o enorme fichário (Fig. 1):

Figura 1: Exemplo de fichário usado antigamente, nas bibliotecas.
Imagem disponível em: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/tag/biblioteca/

Havia muitas fichas, milhares delas, e todas eram organizadas alfabeticamente, por autor, título ou por assunto. Claro que era preciso ter em mãos papel e caneta, para, depois de encontrar as fichas dos livros que interessavam, anotar o código completo. Com esses dados, o leitor podia circular livremente entre as estantes e localizar, enfim, a obra desejada! Em muitos casos, era necessário fazer fotocópias de alguns trechos. Pensei sobre isso recentemente e me surgiu uma dúvida: “Será que o serviço de fotocópias ainda é oferecido nas bibliotecas físicas?” Fui a uma biblioteca física pela última vez lá pelo ano de 2010 ou 2011 e as fotocopiadoras ainda estavam lá… No entanto, hoje, imagino que os frequentadores preferem tirar uma foto, com o próprio smartphone, e sem pagar nada.

Outro instrumento muito usado nas bibliotecas eram (e ainda são) os leitores de microfilmes, registrados como invento em 1859. Girando apenas um botão, podemos folhear um jornal, por exemplo.” Mil livros no espaço de um caderno. […]. Se pensou nos e-books, errou […]. O segredo está naquela maquininha que talvez você tenha notado numa biblioteca, parecendo um computador realmente velho. É uma peça totalmente analógica, mas que ainda pode salvar o futuro da ignorância” (AVENTURAS NA HISTÓRIA, 2023). Além disso, apesar de ser um aparelho bastante antigo, nenhum ainda foi capaz de superá-lo, em termos de segurança de dados: “O microfilme é a forma de armazenamento mais segura quando falamos preservação de documentos. É […] inviolável, não permitindo alterações, adulterações ou fraudes” (ACERVO NET, 2023).


Nos anos 1980, os cartões perfurados eram um sinal de progresso e avanço tecnológico. Quando eu era pequena, sempre ia às lotéricas com minha avó e lá fazíamos nossas apostas. Diferente de hoje, quando temos inúmeros tipos de jogos e concursos, antes tínhamos apenas a Loto, conhecida popularmente como Loteca. Marcávamos os cartões à caneta, mas, como comprovante, recebíamos o famoso cartão perfurado (Fig. 2). De fato, as máquinas já sinalizavam seu império, tanto que alguns artistas exaltaram os cartões perfurados como principal marca dos novos tempos e da urbanidade (Fig. 3):

Retrocedendo: as mídias e a cultura vintage – Parte 1
Figura 2: Cartão perfurado usado para apostas, nos anos 1970-80.        
Imagem disponível em: https://www.antigoporto.com.br/peca.asp?ID=6727403
Figura 3: Poema “Cidade”, de Ana Aly, no qual os cartões perfurados são usados como fachadas iluminadas dos prédios.
Imagem disponível em: http://gramatologia.blogspot.com/2009/12/vincent-geneslay.html

Usados sobretudo como recursos didáticos, o retroprojetor e o projetor de eslaides eram muito usados nas escolas (Fig. 4). O chamado passador de eslaide tinha um botão que permitia visualizar a imagem seguinte. No entanto, o queridinho dos professores (muito antes do data show, do PowerPoint e do Google Slides) era o que carinhosamente chamávamos de retro (sim, ele tinha até um apelido). Isso mesmo: o conteúdo era escrito em uma lâmina de plástico (chamada transparência), mas era preciso usar uma caneta especial. A vantagem é que o material aceitava conteúdo impresso ou manuscrito. O mais comum era preencher as transparências à mão, mas precisávamos ter a tal caneta para retro, hoje conhecida como caneta para CD! Comprei uma dessas recentemente, em uma das livrarias físicas que ainda existem em Curitiba.

Por falar em eslaides, havia ainda um visualizador manual (Fig. 5), em que podíamos inserir um disco de imagens e acionar um botão, para fazer o disco rodar, a fim de poder ver todas as cenas. Quando eu era pequena, ganhei um dos meus tios e o guardo até hoje! É uma lembrança afetiva para mim, pois eu me transportava para um mundo de fantasia, durante horas, maravilhada com as imagens de araras, flamingos e cacatuas. Havia 14 imagens em cada disco.

Figura 5: Visualizador manual de disco de eslaides.
Imagem disponível em: https://www.reliquiasdanossahistoria.com.br/peca.asp?ID=690164

No meu tempo, usávamos também o papel carbono, preto ou colorido. Era uma ótima alternativa para fazer cópias. Bastava colocar um carbono entre duas folhas, escrever ou datilografar sobre a primeira e pronto (Fig. 6). Mas atenção ao verbo datilografar, que muitos (como os personagens da série Paranoid, que, apesar de eu estar mencionando aqui, eu não indico!) hoje usam como sinônimo de digitar. Não mesmo! São duas coisas diferentes, associadas a duas mídias distintas: a máquina de datilografia e o computador.

Figura 6: Usando o papel carbono para produzir cópias de modo simples e totalmente manual.
Imagem disponível em: https://pt.aliexpress.com/item/1005002029921139.html

Ainda melhor que o carbono era o mimeógrafo, que, inclusive, foi usado também no período da Poesia Marginal, em 1960, quando os autores escreviam à mão ou datilografavam os textos, e rodavam algumas centenas de cópia no mimeógrafo, usando apenas sulfite, álcool e um estêncil. Isso quer dizer que o custo era barato e permitia uma boa divulgação. Depois, os próprios autores iam às ruas e aos bares distribuindo sua obra àqueles que respondiam “sim” quando ouviam a pergunta: “Você gosta de poesia?”

No estêncil, fazíamos uma espécie de matriz e, como o carbono, também havia colorido. Além disso, era possível usar o mesmo estêncil, escrevendo por cima, como costumávamos dizer. Quando dei aulas em um Jardim de Infância, usávamos semanalmente. Rodei muitas atividades para meus aluninhos, usando o mimeógrafo. Bastava girar a manivela… Lembro até hoje que as folhas saíam úmidas e com um forte cheiro de álcool.  Por isso, podiam borrar. Era preciso espalhá-las pela sala, até secarem. Se você quiser ver um mimeógrafo em pleno funcionamento, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=cHHW95JSH5E

Gostou de conhecer um pouco mais sobre a história das mídias? Então, não perca o segundo episódio desta série, dia 23 de fevereiro, aqui, na coluna “Há arte em toda parte”.


REFERÊNCIAS

ACERVO NET . Saiba como funciona a digitalização de microfilmes. [Sem data]. Disponível em: https://acervonet.com.br/blog/saiba-como-funciona-a-digitalizacao-de-microfilmes/. Acesso em: 7 fev. 2023.

AVENTURAS NA HISTÓRIA. Microfilme: entenda como primitivas fichinhas podem salvar o mundo. 27 jun. 2021. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/microfilme-entenda-como-primitivas-fichinhas-podem-salvar-o-mundo.phtml. Acesso em: 7 fev. 2023.

GUIRALDELLI, W. Você já viu um mimeógrafo funcionando? 17 mai. 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cHHW95JSH5E. Acesso em: 7 fev. 2023.

PARANOID. Direção: John Duthie et al. GB, 2016. Netflix; Netflix (Temporada 1; 8 episódios).

2 comentários em “Retrocedendo: as mídias e a cultura vintage – Parte 1”

Deixe um comentário