“A Libertação” na Netflix: Ambição e Fragmentação no Novo Terror de Lee
O filme “A Libertação” (The Deliverance), dirigido por Lee Daniels e lançado em 2024 pela Netflix, marca uma tentativa ousada do cineasta em explorar o gênero de terror. Conhecido por seu trabalho em dramas como “Preciosa” (2009) e “Estados Unidos vs Billie Holiday” (2021), Daniels se aventura agora em um território onde o sobrenatural e o drama se entrelaçam. No entanto, ao contrário de suas obras anteriores, “A Libertação” não consegue atingir o impacto esperado, falhando em equilibrar a intensidade emocional com os elementos tradicionais do horror.
Sinopse de ‘A Libertação’ (2024)
A trama de “A Libertação” gira em torno de Ebony (Andra Day), uma mãe solteira que luta para sobreviver em meio à pobreza e ao alcoolismo, enquanto cria seus três filhos sozinha em uma casa nova em Pittsburgh. A situação se complica ainda mais com a presença de sua mãe, Alberta (Glenn Close), que, recém-convertida ao cristianismo e em tratamento contra o câncer, vai morar com a família. Logo, a casa começa a manifestar sinais de uma força maligna, incluindo a aparição de um “amigo imaginário” que o filho mais novo de Ebony começa a ver. Esses eventos desencadeiam uma batalha aterrorizante para salvar sua família das garras do sobrenatural.
Um Drama Familiar Disfarçado de Filme de Terror
O que torna “A Libertação” uma experiência peculiar é a tentativa de Lee Daniels de combinar o drama familiar intenso com os sustos típicos de um filme de exorcismo. A intenção é clara: criar um filme que vá além dos clichês do gênero, abordando também questões sociais profundas, como o impacto da pobreza e do racismo na vida de uma família negra americana. No entanto, essa ambição acaba sendo prejudicada por um roteiro que, em vez de integrar harmoniosamente esses elementos, os apresenta de forma desarticulada.
Andra Day, que ganhou notoriedade por seu papel em “Estados Unidos vs. Billie Holiday”, entrega uma performance poderosa como Ebony. Sua interpretação crua e emocional é um dos pontos altos do filme, capturando a dor e a determinação de uma mãe que faz de tudo para proteger seus filhos. Glenn Close, por sua vez, encarna Alberta com uma energia provocante e carismática, criando uma dinâmica tensa e envolvente entre mãe e filha. A atuação de Close, em especial, se destaca ao ponto de quase ofuscar o resto do elenco, trazendo uma força que o filme muitas vezes carece.
Entre Clichês e Originalidade
Apesar das boas atuações, “A Libertação” não consegue se desvencilhar dos clichês que permeiam o gênero de terror. A trama, que começa com uma promessa de originalidade ao misturar temas sociais com horror, logo recai em elementos previsíveis. Portas que se abrem sozinhas, enxames de moscas indicando a presença do mal, e figuras sombrias que aparecem em momentos estratégicos são apenas alguns dos truques visuais que o filme utiliza, mas que acabam por enfraquecer a narrativa em vez de fortalecê-la.
O roteiro, assinado por David Coggeshall, Elijah Bynum e Lee Daniels, tenta, em diversos momentos, trazer à tona questões como o racismo e a pobreza, mas esses temas são tratados de maneira superficial, muitas vezes perdendo-se em meio à tentativa de criar um clima de terror. Isso resulta em uma transição brusca e pouco coesa entre o drama familiar e o suspense sobrenatural, deixando o público desconectado da história e dos personagens.
A Subversão do Horror e os Limites da Ambição
Lee Daniels merece crédito por tentar inovar dentro de um gênero que muitas vezes se apoia em fórmulas já desgastadas. Ao optar por focar mais nos demônios internos de seus personagens do que nas ameaças sobrenaturais, ele traz uma nova perspectiva para o terror, subvertendo algumas das expectativas tradicionais do público. No entanto, essa subversão não é suficiente para sustentar o filme como um todo.
A direção de Daniels, embora competente, não consegue escapar de uma certa fragmentação narrativa. O filme oscila entre momentos de tensão genuína e cenas que parecem deslocadas ou artificiais, prejudicando o ritmo da história. Além disso, o uso de efeitos especiais de qualidade irregular acaba comprometendo a imersão do espectador, tornando difícil levar a sério algumas das cenas mais assustadoras.
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O Horror Social e a Falta de Coesão
Um dos aspectos mais interessantes de “A Libertação” é sua tentativa de abordar o horror através de uma lente social, explorando como as dificuldades da vida cotidiana podem se manifestar de forma assustadora. No entanto, o filme não consegue aprofundar essa abordagem, resultando em uma narrativa que, embora ambiciosa, é muitas vezes confusa e incoerente.
As interações entre Ebony e Alberta são, sem dúvida, o ponto alto do filme, oferecendo momentos de verdadeira tensão dramática que capturam a complexidade das relações familiares. Contudo, essas cenas são interrompidas por sequências de horror que não têm o mesmo peso emocional, criando um contraste que enfraquece a experiência geral do filme.
Conclusão
“A Libertação” é um filme que tenta muito, mas entrega pouco. Lee Daniels busca combinar seu talento para o drama com os sustos de um filme de terror, mas a execução falha em criar uma experiência coesa e satisfatória. Embora o filme conte com performances memoráveis, especialmente de Andra Day e Glenn Close, ele acaba sendo prejudicado por um roteiro que não consegue integrar seus elementos de maneira convincente. A tentativa de explorar o horror através de uma perspectiva social é louvável, mas o resultado é uma obra que, apesar de suas ambições, não consegue alcançar todo o seu potencial.
Para quem aprecia filmes de terror que vão além dos sustos tradicionais, “A Libertação” pode oferecer uma perspectiva interessante. No entanto, para a maioria do público, o filme provavelmente será lembrado mais por suas falhas do que por suas conquistas.