Blattaria

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Ele entrou na cozinha de sua casa, acompanhado por sua esposa e sua sogra. Suportara uma grande encheção de saco durante grande parte da tarde: a esposa o convencera a pintar a sala e convidou a mãe para palpitar sobre qual cor e tonalidade seriam as mais adequadas. Depois de pouco tempo viu-se em meio a um planejamento profundo da reforma geral da casa que provavelmente faria com que ele tivesse de dormir na casa de seu irmão durante um bom tempo, pois recusaria-se de forma terminante a hospedar-se na casa da sogra durante a suposta reforma.

E agora estava ali, pegando no armário um copo com tanta força que não surpreenderia a ele ou a mim se o quebrasse. Cansara de ouvir a sogra falando que o chão da sala estava arranhado demais e o teto baixo demais e os móveis descombinando demais e as janelas quadradas de mais e as portas largas de mais e o olho vivo com zoom de mais e os quadros bonitos de menos. Anunciou que iria beber uma água, no intuito de afastar-se da megera e da megerinha, e pediu a deus paz e discernimento quando elas anunciaram que o acompanharia para avaliar as futuras mudanças na cozinha também.

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Com o copo na mão e ignorando as duas, ele foi até a pia. Havia um filtro de barro nela. Quando estava junto a ela, viu uma puta duma barata ali, bem embaixo da torneirinha. Não pensou duas vezes, deu uma copada nela. A sogra pediu, no momento do baque:

— Também quero água, Jonas.

Disse e veio até ele.

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Agora a sogra estava perto o suficiente para ver a barata caso ele tirasse o copo de cima dela. Provavelmente veria de qualquer jeito as perninhas pra fora do limite do copo, tremeliquentas, se olhasse com mais atenção. E se olhasse com bastante atenção mesmo, veria a barata, asquerosa, de um marrom tão escuro que chegava a parecer preta, através da transparência escura do copo de vidro.

Era enorme, a diaba. Quem a visse não duviraria que era voadora. Jonas encarou a sogra por uns instantes. A vontade que tinha era de pegar a bicha e jogar na velha. Talvez até a acertasse na boca, o que seria bem divertido para ele. Só precisaria levantar o copo e deixar que ela visse a coisa, porque com certeza seria dificil a ela manter a boca fechada depois de ver uma barata na pia da cozinha da filha.

Mas Jonas tinha espírito pouco maldoso. Além disso, as consequências para a revelação eram certas: escutaria dela uma landaínha sobre como ele levara sua filha a uma filha emporcalhada, fazendo com que seus filhos fizessem justiça à cerquinha que chamam de chiqueirinho, e acabaria tendo de lavar toda a louça da casa. Sem dizer que ela daria um jeito de usar isso a favor da reforma que encorajava a filha a fazer, coisa que ele tinha intenção quase nula de concordar. Usar uma barata como argumento para reformar toda uma casa é ridículo, mas ele não achava que a sogra se importaria em ser ridicula para conseguir para a filha uma casa do jeito que queria que a sua fosse.

Agora o copo estava cheio. Ele fechou a torneirinha e

— O que foi? — a sogra perguntou, encarando-o, esperando.

Ele não podia lhe dar o copo. Se o levantasse, ela veria a barata. Ficou encarando-a, sem saber o que fazer.

— Aaah… você pega um copo pra mim? — pediu a ela.

A esposa:

— Pode deixar, eu pego.

“filha da puta!”, pensou ele.

A sogra virou-se quando a filha falou, mas voltou-se para ele assim que ela anunciou que pegaria o copo. Jonas apelou:

— Sabia que sua filha torceu o tornozelo ontem?

A senhora virou-se para avaliar a filha. Antes que pudesse concluir que os tornozelinhos não pareciam torcidos ou que a própria esposa/filha pudesse virar para ele e perguntar “você está ficando louco?!” com uma expressão de total incredulidade, ele levantou o copo, pegou o corpinho tremeliquento da barata com a mão livre e enfiou num dos bolsos da calça.

— Você está ficando louco, Jonas?! — a esposa perguntou, com uma expressão de incredulidade — Não torci o tornozelo.

— Desculpe, estou confundido as coisas. Aqui, sua água.

A sogra não agradeceu. Bebeu, pediu mais, e não agradeceu novamente. Jonas deixou as duas ali na cozinha combinando animadamente as mudanças que talvez não acontecessem e foi jogar a barata no vaso. Descobriu que ela ainda estava bem viva durante o caminho, e desviou-se.

À noite, falando pro marido que a filha finalmente teria a casa que merecia e que o traste do genro vinha negando-se a fornecer desde o casamento, a sogra enfiou a mão dentro da bolsa a fim de pegar um tubinho de comprimidos. Junto com o tubinho veio uma barata com asas já bem recuperadas da lambada que levara mais cedo. Jonas divertiria-se muito no dia seguinte, quando sua esposa comentasse o episódio da barata voadora que aterrorizara a mãe na noite anterior.

 

 

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