Como o show dos Backstreet Boys revigorou o debate sobre misoginia e etarismo

O acaso produz alguns contrastes tão óbvios que faz alertar qualquer pessoa que observe com mais calma o contemporâneo. Nesse início de 2023 um evento marcou o debate sobre futilidade e etarismo: pessoas mais velhas podem exercer paixão e idolatria? A resposta positiva pode parecer óbvia. Afinal, há o futebol que de diversas formas é tratado como lazer, sobretudo por torcedores. Por isso a pergunta certa é: por que um homem mais velho pode exercer paixão e idolatria e uma mulher acima dos trinta anos não?

O debate surgiu com uma matéria escrita por Guilherme Luis para a Folha de São Paulo intitulada “Backstreet Boys atiram cuecas para trintonas em show nostálgico em SP”. A reportagem sobre o show apresenta a ótica de ser pitoresco mulheres acima dos trinta anos resgatarem elementos da juventude. “’Estou me sentindo tão jovem’, disse uma mulher, rindo. Atrás dela, outra fã, que aparentava estar na casa dos 50 anos, tirava selfies com uma faixinha temática amarrada na cabeça. Seu marido, com cabelos grisalhos, encarava o palco com cara de poucos amigos”, diz a publicação da Folha.

Por outro lado, dificilmente se atrela um termo que estereotipa e diminui os homens que curtem shows de metal. São homens, em maioria, acima dos cinquenta anos. Dificilmente há julgamento de valor direcionado a um homem com camisa de super-herói disputando espaço com crianças nas filas de cinema em dia de estreia. Não há tanto julgamento direcionado a homens que se comportam como adolescentes quando o assunto é esporte, principalmente o futebol. Mas uma mulher é julgada se for sair de casa em uma quarta-feira para assistir ao time de futebol no estádio. É julgada se utiliza blusa com temática de algo que remeta à sua adolescência. É julgada se tiver uma estante ou um cômodo da casa só com bonecos em miniatura de personagens da Disney, por exemplo.

O filósofo francês Émile Durkheim cunhou uma frase que define o comportamento da misoginia estrutural normalizada desde conversas cotidianas a meios de comunicação. O nosso egoísmo é, em grande parte, fruto da sociedade. O egoísmo dos homens, sobretudo os que detém algum poder mesmo que mínimo, é acreditar que tudo podem e os outros, sobretudo tudo que carrega o feminino, nada ou pouco pode. Esse egoísmo reflete na ideia de que mulheres possuem data limite para o que é tratado como fútil enquanto os homens podem se dedicar a frivolidades até o fim da vida.


Ao retornar à matéria da Folha, a noção de que “trintonas” e “quarentonas” estejam fora de um comportamento aceitável é retratada no contraste entre o feminino e o masculino. A uma mulher a partir dos vinte e tantos cabe obrigações, de acordo com a estrutura embasada por matéria como a mencionada, enquanto aos homens é possível ter prazer misturado aos deveres. Uma mulher pode ter vários sapatos e é criticada enquanto um homem pode ter coleção de camisas de futebol e é menos ridicularizado. Às vezes é até admirado por isso.

Na matéria houve também uma narrativa de contraste entre um casal durante o show. “A fã na faixa dos 50 anos que antes [no início do show] tirava selfies com a faixa da banda rebolava, empolgada, mas seu marido ainda não tinha esboçado nem um sinal de sorriso”, diz a matéria.

A futilidade é definida como coisa insignificante, sem valor. Existe até o conceito de “futilidade médica”. De acordo com artigo de Elga René Freire publicado no Programa de Doutoramento em Bioética, Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto, Portugal, “o conceito tradicional de futilidade tem sido extensivamente criticado, mas aqueles que sugerem o abandono do conceito não têm um substituto para oferecer”. Futilidade médica, segundo Freire, é um conceito tão antigo quanto a medicina. Versa sobre um tratamento não eficaz. Há também o entendimento no senso comum de que cirurgias estéticas são desejos do âmbito da futilidade. Um estudo feito pela britânica Debra Gimlin em 2007 sobre cirurgias estéticas apontou que as motivações para realização desse tipo de procedimento variam entre dores físicas por seios grandes, dificuldades para prática de esportes, desconfortos na intimidade sexual e problemas para realização de atividades cotidianas. Totalmente oposto à ideia de que cirurgias estéticas tenham relação com futilidade.

Além de tudo o pensamento é classicista. Até ao homem pobre é permitido a coleção de cerveja no bar ou na frente da TV. É permitida a dedicação de tempos durante a semana para futebol com os amigos, o carteado com os parceiros e a resenha com os chegados. Para a mulher pobre sobra ainda mais deveres. Quando não uma ida ao salão, quase lhes sobram apenas deveres.

Por isso as perguntas e as poucas respostas. Por que um homem mais velho pode exercer paixão e idolatria e uma mulher acima dos trinta anos não? Obviamente refiz esse pensamento mais recentemente e sigo refazendo porque também vale para a minha existência como homem diante do mundo que se articula comigo. Porque o mundo é misógino, etarista e se orgulha disso com tamanha soberba que se sente à vontade de aparecer em uma análise de um show de uma banda de homens com plateia apaixonada, feminina e madura que está, como todo ser humano poderia estar, se divertindo.

Como o show dos Backstreet Boys revigorou o debate sobre misoginia e etarismo

Leia a matéria na Folha de SP sobre os Backstreet Boys, mencionada pelo cronista Thiago Kuerques:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/01/backstreet-boys-atiram-cuecas-para-trintonas-em-show-nostalgico-em-sp.shtml#:~:text=McLean%20depois%20atirou%20uma%20cueca,saltou%20at%C3%A9%20o%20ch%C3%A3o%20tremer.

2 comentários em “Como o show dos Backstreet Boys revigorou o debate sobre misoginia e etarismo”

  1. O colunista da folha ficou com inveja que cinco homens loiros bonitos conseguem arrancar suspiros de uma legião de mulheres ?e ele não

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