As relações filosóficas

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O maior de todos os filósofos é uma filósofa.

Heráclito

O barro e o choro

ELA, enquanto varre a entrada do templo, percebe as crianças em seu jogo. Sempre o mesmo jogo, sempre o mesmo dia. Diz em voz alta,

“Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado”.

Também lhe vem à mente o tempo dos jogos com o irmão, das corridas e disputas. Do preparo conjunto para o governo das coisas do pai, o grande Heronte Klitos. Os dois, ela e o irmão, receberam os dois nomes desse rei lendário, como se fossem as duas partes, a esquerda e a direita ou o alto e o baixo, ambos componentes desse homem; são Hera, como a deusa de olhos bovinos e Klitos, o menino, consagrados assim aos deuses, lá nas terras do mar, da brisa e do fogo, lá perto de onde a poeta dizia das coisas sensíveis. Lembrou-se também do chamado do oráculo, do abandono da posição na casa paterna (o irmão ficara com tudo, com o dinheiro e o governo; mas já não seria assim? Quem sabe?), do desvelar do Logos. E também da diferença na pressão do ar, na primeira vez que penetrou no templo de Ártemis, a deusa da caça e da lua, pois

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“O divino percebemos com os sentidos”.

E, com orgulho,

“Procurei-me a mim mesma”.

ELA pensa isso todos os dias. E escreve. Escreve da forma mais clara e verdadeira, como só uma sacerdotisa de Ártemis pode escrever. Escreve por aproximação (a nossa analogia?). Da única FORMA possível do homem apreender.


Mas os defensores do Uno não permanecem calados. Dela, será dito de sua altivez, de sua misantropia e melancolia (como dizem de toda mulher). Será associada (como toda mulher) ao barro (como os pequenos meninos, os filhos do barro) e ao choro (como também dizem de toda mulher).

Sem clareza, será a sua sentença. Blasfema e sacrílega, dirão da sua morte.

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Mas as palavras permanecem. Como os elementos permanecem, em sua mutabilidade, regidos pela lei adivinhada por ela.


Em um último ato de desespero, Heróstrato, em 356 a. c. (200 anos após o nascimento dela), conseguiu entrar no templo durante a noite. Os modernos dirão que foi em busca da fama. Sentiu, ele também, na mudança do ar do templo, a presença do divino. Muito diferente das toscas colunas de madeira, em seu centro, logo atrás do altar, encontrava-se um perfeito triângulo de jade suspenso. Logo abaixo do triângulo, repousado sobre um pequeno retábulo, o manuscrito DELA. Ele o lê, ávido, rasgando as páginas, em busca do divino, do verdadeiro. Tomado (pela visão? Pela leitura? Pelo divino?), corre pelo templo, cumprindo sua função e colocando fogo nas toscas colunas e no frágil manuscrito. Enquanto grita,

“Eu sou o Heróstrato e dei fim ao Obscuro, eu dei um fim a Heraklitos”.

Enquanto tudo é consumido pelo elemento fogo.

Ao final do manuscrito, queimando, leríamos, em uma letra perfeitamente clara:

HERA, filha de KLITOS,

HERAKLITOS.


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