Downton Abbey: a complexa hierarquia social em uma sociedade em transformação
“Downton Abbey” é uma série que retrata a sociedade britânica do início do século XX, mostrando as relações entre patrões e funcionários em uma propriedade rural inglesa. Um dos temas interessantes abordados pela série é a interseccionalidade, ou seja, a interação entre diferentes formas de opressão, como classe, gênero, raça e sexualidade. Neste artigo, vamos explorar como a série aborda essa questão e quais são as implicações disso nas relações entre patrões e funcionários.
A primeira forma de opressão abordada pela série é a classe social. A mansão de Downton Abbey é um exemplo claro da divisão de classes na sociedade britânica da época. Os patrões, a família Crawley, são membros da alta nobreza e possuem uma vida de luxo e privilégios. Já os funcionários, em sua maioria, são pessoas de origem humilde que trabalham duro para sobreviver.
No entanto, a série também mostra como a hierarquia social pode ser desafiada quando há solidariedade entre os funcionários. Por exemplo, a personagem Anna Bates, a camareira-chefe da mansão, é uma mulher de origem humilde que acaba por sofrer uma violência sexual por parte de um outro funcionário. Ela encontra apoio em seus colegas de trabalho, que a ajudam a denunciar o abuso e a encontrar justiça. Esse exemplo mostra como a solidariedade entre as pessoas oprimidas pode ser uma ferramenta poderosa para enfrentar a opressão.
Outra forma de opressão abordada pela série é o gênero. “Downton Abbey” mostra como as mulheres da época eram oprimidas pela sociedade patriarcal, que limitava seu papel à esfera doméstica e as impedia de participar plenamente da vida pública. No entanto, a série também mostra como as mulheres encontravam maneiras de desafiar essas restrições e lutar por seus direitos. A personagem Lady Sybil, por exemplo, é uma mulher que se interessa pela política e luta pelo direito das mulheres ao voto.
Além disso, a série aborda questões de raça e etnia. Embora a série se concentre principalmente na sociedade britânica branca, há algumas referências a personagens de origem estrangeira. A personagem Gwen, por exemplo, é uma empregada doméstica de origem galesa que busca melhorar de vida e se tornar secretária. No entanto, a série não explora profundamente as questões de raça e etnia, deixando espaço para críticas (que são pouquíssimas para esta bela produção e roteiro), pois poderia ter sido, de alguma forma, melhor aproveitado essa pauta.
Por fim, a série também aborda a questão da sexualidade, principalmente a homossexualidade. Na época retratada pela série, a homossexualidade era considerada um crime e os homossexuais eram duramente perseguidos pela lei e pela sociedade. “Downton Abbey” retrata a história de Thomas Barrow, o mordomo da mansão, que luta para esconder sua homossexualidade para não ser demitido ou preso. Embora a série não resolva completamente essa questão, ela mostra como a homofobia pode ser uma forma de opressão que afeta profundamente.
Até mesmo a personagem Lady Mary, que no início da série se mostrava bastante desinteressada em qualquer tipo de responsabilidade e comprometimento, acaba se mostrando preocupada com o futuro da propriedade e se tornando uma espécie de figura central na gestão dos negócios. Já a personagem Sybil, a mais jovem das três irmãs Crawley, mostra-se uma entusiasta das causas sociais e se envolve com a luta pelos direitos das mulheres e pela independência da Irlanda.
Porém, é importante ressaltar que, apesar dessas mudanças e evoluções nas personagens, a estrutura social e de poder dentro da propriedade de Downton Abbey continua a mesma. A posição dos patrões e dos funcionários é claramente delimitada, e o poder está sempre concentrado nas mãos dos Crawley. Mesmo quando os funcionários têm a chance de se expressar e ter voz ativa, como em alguns episódios que mostram greves e negociações salariais, é sempre deixado claro que, no fim das contas, é a vontade dos patrões que prevalece.
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Essa hierarquia social também se reflete em questões de gênero e raça. Mesmo quando as personagens femininas mostram uma visão mais progressista e se envolvem em causas sociais, ainda são limitadas pelo fato de serem mulheres em uma sociedade patriarcal. E a série, em sua maior parte, é bastante homogênea em termos raciais, com apenas algumas personagens negras que têm papéis secundários e pouco desenvolvimento.
Em resumo, a série Downton Abbey retrata com muita fidelidade a complexa hierarquia social e de poder presente na Inglaterra do início do século XX. As mudanças e evoluções nas personagens são importantes e interessantes, mas sempre dentro dos limites impostos pela estrutura social da época. E é importante refletir sobre como essa estrutura ainda afeta as relações de poder e a distribuição de recursos em nossa própria sociedade.
Texto esclarecedor, objetivo e bem elaborado.
Oxalá isso ocorresse com maior frequência,
como informação e até mesmo formação a quem procure ver-saber.
Parabéns!
Muitíssimo obrigado pelo comentário carinhoso e pela leitura, Neuzza!