A luta

Mariel Reis

Os fardos de jornais pareciam leves para o meu pai, agora distante da juventude, com seus quarenta e seis anos. Nós nadávamos na Ilha do Governador, atirávamo-nos da ponte velha sem escândalo e chegávamos à areia extenuados e orgulhosos. Sua disposição física indicava a carreira de algum brilho de pugilista no Exército.

Em nosso bairro, circulava a notícia da aparição de um homem estranho, próximo à linha ferroviária desativada, escondido atrás da pilha de dormentes de madeira. Todos se referiam à sua aparência repugnante como resultado de uma doença degenerativa, ou de um acidente automobilístico. Ele era também violento.

Nós não tínhamos medo. Passávamos pela colina de toras de madeira sem problema várias vezes por dia. Nenhum incidente grave, além do sobressalto pela travessia e pela possibilidade de avistamento do sujeito. Nossa imaginação incendiada se consumia em conjecturas, sem nenhuma conclusão, sobre o aspecto curioso e amedrontador do homem.


A luta

Em uma madrugada, meu pai foi agredido. Saía para buscar os jornais em uma cancela do município vizinho, a neblina não lhe permitia ver, quando recebeu o primeiro golpe. Olhou ao redor, percebeu um vulto no chão, pensou em mais uma vítima igual a ele e tentou a aproximação. Novamente, foi atingido. Desorientado, em guarda, alerta, desferia socos no vazio.

Tropeçou em um amontoado de roupas. Levantou-se, não sem estranheza, notou o deslocamento de ar e se esquivou de um novo safanão. Um rabo, disse a si mesmo estupefato, enquanto a forma desaparecia na grossa cortina de gás. Os punhos erguidos, o suor abundante e os olhos perscrutando tudo à frente. Nada impediu de ser acertado definitivamente.

Os sentidos amortecidos não lhe permitiram muito mais. Antes da inconsciência, jurou ter visto as roupas subirem em um redemoinho, em uma ordem impecável, como se o vento pretendesse vesti-las, parecendo assim menos indecente em sua fúria e nudez. Também recordou o rosto deformado do pobre coitado em meio à névoa com um sorriso estarrecedor.

Alguns vizinhos acharam meu pai caído inconsciente nas imediações da linha ferroviária desativada, com vários hematomas pelo corpo. Levaram-no para a casa em um carrinho de mão. Em casa, sob os cuidados de minha mãe, recobrou os sentidos, descreveu os fatos sem ligar à incredulidade dos ouvintes e pediu uma dose de aguardente para os nervos.

A remoção dos dormentes começou duas semanas depois do incidente. Os trabalhadores retiravam as toras de madeira quando foram surpreendidos por uma serpente. Chamaram os bombeiros para capturá-la. Nunca tinham visto na região outra tão grande, confessaram. Perto de uma das velhas locomotivas, foi encontrado um material plástico parecido a um saco desfiado.

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