Carnaval: No maior espetáculo do mundo pouco importa o que vem na apuração

O carnaval, o maior espetáculo do mundo. O maior encontro entre poesia sagrada e prosa profana. A maior festa do ser humano. É nela que tristes e felizes se encontram em linha tênue e nem tão frágil. É onde explosão e explosivo se conectam e entre mortos e feridos todos parecem ir se salvando como podem. O pagão e o aceso dividem o palco das milhões de possibilidades e personalidades que as fantasias exibem. É quando a tampa do bueiro se abre da mesma forma que as portas do paraíso e todos se misturam na procissão de humanidades à flor da pele.

O carnaval é o elemento tipo exportação por acaso, não por vocação. Ninguém está nos dias de folia pronto para exibir sua alegria ao outro, mas para si. O gringo que chega do frio – do lugar e às vezes da alma – não faz ideia de que o latino é fogo por natureza e por teimosia. O fogo do carnaval é ferramenta sabida de sobrevivência. Afinal, o carnaval dito como maior de todos os tempos foi vivido no Rio de Janeiro em 1921. Naquele carnaval a ordem era brincar como se fosse o último porque no ano anterior todos foram assolados pela Gripe Espanhola que adoeceu cerca de 600 mil pessoas só na cidade. Naquele ano o carnaval, que seria em março, começou já em janeiro. Voltando ao simbólico: como alguém que vem de fora não se fascinaria por isso?

Carnaval: No maior espetáculo do mundo pouco importa o que vem na apuração
Dois anos antes, em 1919, surgiu um bloco para entrar para a História: o Cordão da Bola Preta. (Foto: Acervo Cordão da Bola Preta)

Um sujeito que vem do longe não passa incrédulo. Ele vive o carnaval querendo ser brasileiro ou impressionado com o pitoresco. Porque o carnaval é a manifestação mais crua do que é ser gente. No final das contas a gente só quer ser feliz. Claro, óbvio, tem gente que vive a contradição de só ser feliz fazendo o outro triste. Mas não tira o legítimo da vocação pela farra.

O maior espetáculo do mundo absorve todos os ritmos. A mais triste festa feliz do mundo onde os furtos se cotovelam com as conquistas. Onde as frases se concretizam no verbo e no berro: Eu conheci o amor da minha vida! Fiz uma viagem ótima! Consegui ler um livro! Consegui dormir os sonos atrasados! Finalmente vi aquele filme que tanto comentam! Conheci a pipoca de Salvador.

Quem inventou o Carnaval, por favor, tenha a fineza de sempre reinventar. A Lapa da tradição e do clichê que a gente nunca abandona. Os trios elétricos, as marchinhas e as fumaças verdes ou eletrônicas. Que seja carnaval sempre que for um novo ano. Como o carro alegórico brilhante e cristalizado de São Jorge tão vivo e puro que a arte de escola de samba foi novamente reinventada. Como os sambas da Mocidade, o famoso Vira Virou dizendo que a Mocidade chegou ou aquele que faz explodir o coração da maior felicidade. Que os Joãozinhos sejam dez, vinte, trinta, cem. Mas estejam sempre de volta.


O maior espetáculo do mundo não é isso tudo porque tem cores, porque as penas se alinham no alto ou a nudez não é castigada, mas aplaudida. É tudo isso porque é plural. Porque é do rico, do pobre, do plebeu, do cobre, do cachorro, do lagarto, do pipoqueiro, do jovem de 15 anos, da mãe solteira, do pai ausente, da família de manteiga, da preguiça, do bloco, da gíria, da fuga pra serra, da viagem pro mar, das chuvas e dos sonhos.

Porque, convenhamos: em que época e lugares do mundo uma festa reúne isso tudo e fica na torcida institucionalizada pela Fundação Cacique Cobra Coral, fundada em 1931, que afirma controlar o clima, desejando que as chuvas deem trégua de cinco dias para a alegria desfilar? E mesmo contra todas as previsões, de fato não chove? Ou não onde e como se esperava? Que o Cacique possa ajudar o litoral paulista a voltar a viver o carnaval sem tragédia.

Mas a cada vida há uma chance de reinventar, recomeçar. É assim com a escola que é rebaixada ou com o encanto que se acaba quando a gente insiste em alguém que conheceu no embalo da cerveja e do suor dentro de um beijo ao som do Araketu. Ou após a Gripe Espanhola, à Pandemia de Covid-19 ou a depressão que assola a geração Z. O carnaval é festa de recomeços.

De ponto em ponto, de arquinho, de tapa mamilos, blusa de agremiação, chapéu de malandro ou jogado no sofá da solidão, pouco importa a nota que te dão na apuração. Carnaval é a síntese do que é tudo. É a vida na maior rotação possível. Não é a única festa, mas é a maior. Seja na rua, na avenida ou no circuito. Seja na capital ou ali no Brasil rural. Não importa o que vem na apuração. No quesito festa, no fundo todo mundo sabe como se sai.

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