Trovadorismo moderno: poesia medieval de hoje
Por Luciano Chaves Jr.
Você sabia que todo movimento literário da tão linda, esplendorosa e magnífica literatura portuguesa é uma contraposição ao movimento anterior? Pois é. Agora, se cada um existiu por conta de um anterior, como se formou o primeiro? É sobre ele mesmo que falaremos aqui, meus amigos: o Trovadorismo. É no mínimo curioso pensar em uma origem ao primeiro movimento literário português, sendo que não havia um anterior ao qual pudesse se opor. Acontece que o Trovadorismo, quando formado, não tinha a intenção de forma-se um movimento literário, muito menos de se opor a nada. Vamos à história.
Na idade média, predominava-se sobre Portugal o galego-português, idioma adquirido no comércio com os árabes, na península ibérica. O povo gostava de cantar para expor suas emoções, sentimentos. O que cantavam? As trovas, poesias com melodia, acompanhadas de instrumento e, obviamente, voz. A grande maioria das poesias não era escrita, por ser comum da população analfabeta.O mais interessante são as divisões de assuntos, em quatro classificações: cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer. O Trovadorismo não era um movimento de oposição, simplesmente por não ter a quê se opor.
Bom, sem mais delongas, vamos direto à herança do trovadorismo para a modernidade, que é, hoje nosso objetivo aqui. Vai funcionar assim: haverá a classificação, algumas características dessa classificação e uma canção moderna que passe os mesmo ideais da classificação da cantiga. Vamos lá:
Cantigas de Amor
Ah!, as cantigas de amor. Se usássemos um termo bem atual para essa classificação de cantiga, usaríamos a “sofrência”, rs. As cantigas de amor eram sempre de um amor idealizado, impossível. Imagine um camponês amando uma dama da realeza? Essa era a cantiga de amor. O maior representante das características trovadorescas em matéria de cantigas de amor é aquele que ganhou até um apelido sugestivo: Cartola, o Trovador do Samba. Seu timbre de voz, sua maneira apaixonada de cantar e decompor o consagraram no cenário do samba. Vale a pena deixar aqui a letra de sua música mais característica em matéria de trovadorismo. “As Rosas não Falam”, composta pelo próprio Cartola:
As Rosas não falam – Cartola
Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão enfim
Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim
Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai…
Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhar os meus sonhos
por fim
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Cantigas de amigo
Essa classificação de cantiga dá-se por sua característica um tanto quanto curiosa. Como já dito, as cantigas eram escritas predominantemente por homens, que eram aqueles que, em parcela, eram alfabetizados. As cantigas de amigo tinham o eu lírico feminino, e esse amigo era, como dizem os jovens de hoje, um crush, rs. Como as encontramos nos dias de hoje? Encontrei-as na belíssima obra de Chico Buarque. Aprecie:
Bastidores – Chico Buarque
Chico Buarque Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
E me tranquei no camarim
Tomei o calmante, o excitante
E um bocado de gimAmaldiçoei
O dia em que te conheci
Com muitos brilhos me vesti
Depois me pintei, me pintei
Me pintei, me pinteiCantei, cantei
Como é cruel cantar assim
E num instante de ilusão
Te vi pelo salão
A caçoar de mimNão me troquei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltarCantei, cantei
Nem sei como eu cantava assim
Só sei que todo o cabaré
Me aplaudiu de pé
Quando cheguei ao fimMas não bisei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltarCantei, cantei
Jamais cantei tão lindo assim
E os homens lá pedindo bis Bêbados e febris
A se rasgar por mimChorei, chorei
Até ficar com dó de mim…
Cantigas de Escárnio e Maldizer
Essa é polêmica. Escárnio é uma maneira direta de criticar (satirizar) algo ou alguém, muitas vezes de maneira ambígua. Da mesma forma, as cantigas de maldizer são para criticar (satirizar) algo ou alguém, mas não usam de duplos-sentidos e sãoindiretas (estilo juventude anos 2010). Creio que um artista que mandou ver nesses quesitos foi, ninguém mais, ninguém menos que Raul Seixas. O lendário roqueiro brasileiro se destacava pelas polêmicas e pelas composições “expõe-verdades”. Foi, com certeza, um dos artistas mais marcantes de sua época e das futuras, influenciando milhares de jovens. Ele se encaixa em ambas as características de cantiga.
Eis aí duas composições do Raul com traços marcados de cantigas de escárnio, zombando do Brasil e criticando os capitalistas estrangeiros:
Aluga-se – Raul Seixas
A solução pro nosso povo eu vou dar
Negócio bom assim ninguém nunca viu
Tá tudo pronto aqui é só vir pegar
A solução é alugar o Brasil!
Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada
É tudo free,
Tá na hora agora é free,
vamo embora
Dar lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá pra alugar
Os estrangeiros, eu sei que eles vão gostar
Tem o Atlântico, tem vista pro mar
A Amazônia é o jardim do quintal
E o dólar deles paga o nosso mingau
Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada
É tudo Free,
Tá na hora agora é Free,
vamo embora
Dar lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá pra alugar
Nós não vamos pagar nada
Nós não vamos pagar nada
Agora é free
Tá na hora agora é free,
vamo embora
Dar lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá pra alugar
Carregada de maldizer, cantada de maneira tão explícita e clara que o nome da música tem o objeto da crítica/sátira, aprecie mais uma “pérola” de Raul:
Meu amigo Pedro – Raul Seixas
Muitas vezes, Pedro, você fala
Sempre a se queixar da solidão
Quem te fez com ferro, fez com fogo, Pedro
É pena que você não sabe não Vai pro seu trabalho todo dia
Sem saber se é bom ou se é ruim
Quando quer chorar vai ao banheiro
Pedro, as coisas não são bem assim Toda vez que eu sinto o paraíso
Ou me queimo torto no inferno
Eu penso em você, meu pobre amigo
Que só usa sempre o mesmo terno Pedro, onde você vai eu também vou
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
Tente me ensinar das tuas coisas
Que a vida é séria e a guerra é dura
Mas se não puder, cale essa boca, Pedro
E deixa eu viver minha loucura Lembro, Pedro, aqueles velhos dias
Quando os dois pensavam sobre o mundo
Hoje eu te chamo de careta, Pedro
E você me chama vagabundo Pedro, onde você vai eu também vou
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou Todos os caminhos são iguais
O que leva à glória ou à perdição
Há tantos caminhos, tantas portas
Mas somente um tem coração E eu não tenho nada a te dizer
Mas não me critique como eu sou
Cada um de nós é um universo, Pedro
Onde você vai eu também vou Pedro, onde você vai eu também vou
Pedro, onde você vai eu também vou
Mas tudo acaba onde começou
É que tudo acaba onde começou
Sim, meu caro leitor; a literatura não morre, se transforma. Porém, mesmo transformando-se, é encontrada em suas formas originais, também. O maravilhoso disso tudo é que tais características perduraram até aqui, e serão eternizadas enquanto habitarmos esse mundo de maneira multiforme. Também, através de tais registros, podemos saber como era a sociedade da época, desde convívio até indignações e críticas feitas. O valor estético é grande, mas o valor histórico-social nos religa à sociedade da época, nos mostrando que os problemas e a indignação do povo já foi objeto de luta de outras gerações, nos dando mais um motivo para continuarmos lutando por isso. Procure conhecer mais sobre o mundo e o mundo com certeza conhecerá você.
Este artigo demonstra que o autor desconhece a poesia medieval.
Como vai, Adalberto? Realmente pode haver algum equívoco meu, sendo que estava no primeiro de formação. Seja como for, nunca foi minha intenção encontrar o Trovadorismo literalmente idêntico ao original nos dias de hoje. O proposito deste artigo é, justamente, encontrar traços do movimento em ovras atuais. Enfatizo: traços. Obrigado por seu comentário