Exaustão literária (1)

Exaustão literária (1)

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A esta altura do ano, quando eu era mais jovem, tinha quase fechada minha lista de livros lidos e aqueles que permaneciam em processo de leitura. Eu me sentia pronto a emitir juízo de valor sobre todos.

Hoje, apesar de continuar amando a leitura e, talvez, até mesmo lendo com mais atenção e cuidado que antes – tenho um certo desânimo de fazer a revisão de todas as leituras do período e resgatar as observações que registrei aqui (e alhures), onde mantive contribuição regular ao longo de 2021 e com isso montar minha lista para orientação do leitor ansioso por dicas de leitura.

Neste artigo, que pretende ser a minha penúltima contribuição antes das férias, tomo outro caminho, porque, tendo passado boa parte do ano envolvido com romances de autores japoneses, descobri um novo filão e dele venho tirando lições interessantes, embora não me sinta habilitado a fazer resenhas completas desses autores.

Para iniciar, o socorro me vem do romancista Haruki Murakami para situar como se sente este velho escriba a esta altura:

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Exaustão literária (1)
Haruki Murakami (em japonês, 村上春樹 – nasceu em Quioto, aos 12 de janeiro de 1949) é um premiado escritor e tradutor japonês. 

“Mais uma coisa sobre escrita. E a última.
Para mim, escrever é muito penoso. Às vezes, passo um mês inteiro sem conseguir escrever uma linha sequer. Ou, então, escrevo por três dias e três noites sem parar só para me dar conta, no fim, de que está tudo errado.
Ainda assim, escrever também pode ser divertido. Atribuir sentido à vida é muito fácil se compararmos ao quanto é difícil vivê-la de fato.”

O jovem narrador de “Ouça a canção do vento” (1978) tinha razão quando diz do divertido e penoso que a tarefa de escrever pode ser para quem a leva em consideração seriamente. Muitos livros depois dessa experiência inicial, encontrará o leitor seus personagens narradores envoltos em dilema similar.

Na verdade, muitos supõem ser a escrita algo cheio de glamour, principalmente os mais jovens, mas, na verdade, é um ofício que exige disciplina e atenção e um certo gosto pela cousa.


Em passagem de outro romancista japonês, encontro essa constatação:

“Como é complicado redigir — é mais árduo do que jejuar por três dias”

Esse trecho de uma fala do narrador de “Botchan”, romance de Natsume Soseki me leva a insistir no tópico desafios de permanecer ativo no ofício de cronista, publicando quinzenalmente, aqui na Recorte Lírico e no jornal O Popular, o mais importante diário da cidade em que vivo (Goiânia). Não que eu queira desistir. Au contraire.

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No livro “Do que eu falo quando eu falo de corrida”, espécie de narrativa autobiográfica, Murakami fala a respeito da exaustão do corredor (ele próprio é conhecido maratonista) e faz um paralelo do “pico físico” com a produção literária – o cansaço (devido à idade), cunhando a expressão “exaustão literária”.

Alguns escritores que na juventude compuseram obras maravilhosas, belíssimas, poderosas descobrem quando chegam a certa idade que estão tomados por um repentino cansaço. O termo “exaustão literária” é muito apropriado aqui. Seus trabalhos posteriores talvez ainda sejam bons, e seu cansaço talvez comunique um significado diferente, mas é óbvio que a energia criativa desses escritores está em declínio. Isso resulta, acredito, do fato de sua energia física não ser capaz de superar a toxina com a qual estão lidando.

Em outro trecho dessa espécie de memória do autor japonês, leio que “felizmente, o pico [físico e de produção] para artistas varia consideravelmente. Dostoiévski, por exemplo, escreveu dois de seus romances mais importantes, “Os demônios” e “Os irmãos Karamazov”, nos últimos anos de sua vida, antes de morrer aos sessenta anos. Domenico Scarlatti escreveu 555 sonatas para piano durante sua vida, a maioria delas quanto tinha entre 57 e 62 anos.”

Isso soa animador para este cronista de 66 anos. Sinto-me longe dessa exaustão, em plena vitalidade para a corrida, mas não me sinto obrigado a prometer ao benévolo leitor nada de excepcional criatividade, a não ser meus ensaios literários, uns versos bobinhos e a alta expressão do prazer da leitura.

Porém, tenho colegas de ofício que antes de completarem 80 anos se mostram vítimas dessa exaustão e outros, que na casa dos 90, se mantêm ativos, talvez não com o mesmo ritmo, mas sempre produtivos.

Não sei como me sentiria se tivesse a sorte de chegar à idade de Gilberto Mendonça Teles (90), Miguel Jorge (88) e Lena Castello Branco (90), meus admirados confrades na Academia Goiana de Letras; ou de Alberto da Costa e Silva (da ABL), que aos 90, se mostra, como um poeta e africanista no completo domínio desses campos de conhecimento que percorreu durante a longa jornada – todos esses atletas que vêm correndo verdadeiras maratonas de vidas criativas.

Talvez possamos todos repetir como o Apóstolo São Paulo:

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele Dia”.

2 Timóteo 4:7,8

LEIA TAMBÉM: Japão à Vista (recortelirico.com.br)

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