Estilos e tendências no teatro: A evolução do espaço cênico

Verônica Daniel Kobs

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Antigamente, era o verbo. A palavra era declamada e deveria ressoar junto ao público, que assistia aos espetáculos em um espaço aberto, chamado de anfiteatro. Assim era o teatro grego. Além disso, convencionalmente, na parede de fundo do palco, havia três portas maiores (Fig. 1), em formato de arco, as quais eram usadas não apenas para a entrada dos personagens, mas também para indicar a hierarquia social. A porta posicionada à esquerda da plateia introduzia os personagens da cidade. À direita, admitia-se apenas a entrada de personagens ligados ao campo e a porta do centro, obviamente, era destinada aos palacianos.

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Figura 1: Anfiteatro grego. Imagem disponível em: <http://img.terra.com.br>

Outra característica fundamental, na dramaturgia da Antiguidade Clássica, dizia respeito à acústica:

[…] naquela época, não havia eletricidade, nem microfones, nem mesas de som, nem amplificadores, muito menos alto-falantes. […]. Mas já havia teatros e outros locais para grandes reuniões, que em alguns casos envolviam dezenas de milhares de pessoas. […].
Naquele tempo, o único recurso existente era a Acústica! (BERSAN, 2021)

Por causa disso, os teatros eram construídos em locais “com baixo ruído” (BERSAN, 2021) e cada sessão contava com o silêncio absoluto da plateia. Além disso, o espaço cênico era “construído a favor do vento” (BERSAN, 2021) e contava com fileiras inclinadas. Dessa forma: “Não havia barreiras, impedimentos e outros, que pudessem atrapalhar a propagação do som” (BERSAN, 2021). Era comum, ainda, o uso de conchas acústicas. Porém, muitos outros aspectos costumavam ser considerados, quando o assunto era teatro:

[…] os gregos ainda estudavam os melhores horários para as apresentações, aproveitando diferenças de temperatura entre o ar e a pedra que facilitavam a propagação de som. Também implementaram caixas de ressonância que reforçavam os graves; assentos em pedra com  angulações que refletiam os agudos, etc. (BERSAN, 2021)


Na Idade Média, as encenações utilizavam palcos-carroça (Fig. 2). Nessa estrutura, geralmente o andar de baixo era coberto com uma cortina e podia servir para muitas coisas: depósito, camarim e como palco propriamente dito, quando havia necessidade de abrir o andar inferior para representar o inferno, por oposição à vida terrena e ao paraíso.

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Figura 2: Palco-carroça. Imagem disponível em: <https://static.todamateria.com.br/upload/56/9e/569eccbd86384-teatro-medieval.jpg>

Espaço cênico medieval: O interior das igrejas era usado inicialmente como teatro. Quando as peças tornaram-se mais elaboradas e exigiram mais espaço, passaram para a praça em frente à igreja. Palcos largos deram credibilidade aos cenários extremamente simples.

[…]. Surgiram grupos populares que improvisavam o palco em carroças e se deslocavam de uma praça a outra.

Dramas litúrgicos são encenados nas igrejas, depois se desenvolvem outras formas, como milagres, mistérios e moralidades. As encenações passam a ser ao ar livre por volta século XII e se estendem por vários dias. (LOBO, 2015)

Do século XIV em diante, na cultura oriental, os japoneses passaram a utilizar um tipo específico de palco, no Teatro Nô (Fig. 3): 

O Nô e o Kyoguen se desenrolam sobre o No-butai, ou literalmente, palco Nô, que tem características muito próprias. No Japão, ele se parece um com santuário, com três lados abertos em torno do palco principal chamado hon-butai, um quadrado de aproximadamente 6 metros em cada lado. Há quatro pilares de madeira, chamados de metsuke-bashira, importante referência visual para o ator se posicionar no palco. O fundo do palco é chamado de Kagami-Ita, ou placa-espelho, onde é pintado um antigo pinheiro. Músicos e o coro se sentam ao fundo e à direita do palco. No lado oposto, o Hashi-gakari, é uma ponte por onde os personagens entram e saem, e é também um importante espaço cênico. Ao fundo da ponte fica o Ague-maku, uma cortina colorida. Sem visão do público, o Kagami-no-Ma, ou sala do espelho é um espaço importante onde os artistas, já vestidos e prontos para entrar em cena, fazem sua última concentração. (JOJOSCOPE, 2021)
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Figura 3: Palco do Teatro Nô. Imagem disponível em: <https://i2.wp.com/vidadetsuge.com.br/wp-content/uploads/2016/09/Cultura-japonesa_Teatro-Nacional-Noh-T%C3%B3quio_1024x576.jpg?resize=1024%2C575>

Posteriormente, já no século XVI, na Inglaterra, ganhou ênfase o modelo elisabetano de palco. Por essa razão, foi construído, em 1599, o Globe Theatre (Figs. 4, 5 e 6), que conservava algumas características do teatro grego, como as linhas curvas e o espaço a céu aberto (pelo menos parcialmente, já que havia apenas uma abertura no teto). Quanto às diferenças, merecem destaque as portas em ângulo reto (e não mais em forma de arco) e a proximidade entre público e atores, já que o palco estendia-se até a arena ocupada pelos espectadores que ficavam em pé.

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Figura 4: Palco do Globe Theatre, no período elisabetano.
Imagem disponível em: <https://publisher-publish.s3.eu-central-1.amazonaws.com>
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Figura 5: Vista aérea do Globe Theatre.
Imagem disponível em: <https://www.pinterest.co.kr/pin/11962755232010178/>
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Figura 6: Detalhe do palco do Globe Theatre.
Imagem disponível em: <https://hemisphericinstitute.org>

De acordo com os registros históricos, o palco italiano (Fig. 7), considerado o formato mais tradicional de todos, surgiu entre os séculos XV e XVI. Nesse conceito, a cortina serve como elemento mágico e, apesar das variações, costuma ser feita de veludo vermelho.  

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Figura 7: Palco italiano. Imagem disponível em: <http://troovel.com/pictures>

Em diversos teatros espalhados pelo mundo, o modelo do palco italiano é perpetuado. Entretanto, nas salas de espetáculo mais modernas, o espaço cênico é associado a outras características, aconselhadas pelos arquitetos de som, a fim de otimizar a acústica. Obedecendo a essa premissa, merece destaque o famoso teatro Masrah Al Qasba, localizado nos Emirados Árabes Unidos (Fig. 8). Entretanto, vale ressaltar que as curvas sucessivas, ao redor do palco, objetivam não apenas facilitar a propagação do som, mas também representar a ondulação das dunas do deserto, paisagem extremamente comum na região em que se localiza o teatro em questão.

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Figura 8: Palco italiano do teatro árabe Masrah Al Qasba. Imagem disponível em: <https://images.adsttc.com/adbr001cdn.archdaily.net/wp-content/uploads/2012/11/1352736066_505d5eec28ba0d2710000374_teatro_masrah_al_qasba_magma_architecture_masrah_al_qasba_7____torsten_seidel-530×352.jpg>

Mais recentemente, entre os séculos XIX e XX, o teatro simbolista ficou conhecido pelas mudanças significativas que ocorreram em relação ao palco. Naquela época, os espetáculos cultivavam o irrealismo, por meio de efeitos de luz e sombra, névoas, paisagens labirínticas e até cortinas de gaze. O intuito era diminuir a verossimilhança, enfatizando a sugestão:

Os alemães Erwin Piscator e Max Reinhardt e o francês Aurélien Lugné-Poe recorrem ao palco giratório ou desmembrado em vários níveis, à projeção de slides e títulos explicativos, à utilização de rampas laterais para ampliar a cena ou de plataformas colocadas no meio da plateia.

O britânico Edward Gordon Craig revoluciona a iluminação usando, pela primeira vez, a luz elétrica; e o suíço Adolphe Appia reforma o espaço cênico criando cenários monumentais e estilizados. (BALAKIAN, 2021)

Com base nessa descrição, percebe-se que a preocupação dos encenadores era combinar movimento e deslocamento para alcançar o duplo ou o múltiplo em um só palco (Fig. 9, 10 e 11):

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Figura 9: Luz e sombra: sobre as rampas, no palco dividido em níveis e projetado por Appia (à esq.); entre colunas, em espetáculo dirigido por Gordon Craig (à dir.).
Imagens disponíveis em: <https://faculty.arts.ubc.ca/rfedoruk/craig/AppiaParsifal.gif> e <https://i.pinimg.com/originals/e4/4e/67/e44e67413cf6ec0fb61f9aeb8811438b.jpg>
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Figura 10: A técnica de Piscator: palco dividido em níveis, por meio de escadarias laterais, e o recurso de luz e sobra como efeito da projeção.
Imagem disponível em: <https://digartdigmedia.files.wordpress.com/2013/04/piscator.jpg>
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Figura 11: Dois estágios de esboço de palco e cenário projetado por Erwin Piscator (acima); e concretização do projeto do diretor, que trabalhou com as divisões do palco e com o recurso de luz e sombra, simultaneamente, na peça Hoppla wir leben, encenada em 1929.
Imagens disponíveis em: <http://medien.cedis.fu-berlin.de>, <https://encrypted-tbn0.gstatic.com> e <https://docplayer.com.br>

Já entre os séculos XX e XXI, as alterações no espaço cênico tornaram-se mais contundentes, propondo experiências realmente inusitadas ao espectador. Como espectadora, lembro várias propostas que testemunhei, tendo participado, ao longo dos anos, de várias edições do Festival de Teatro de Curitiba. Assisti a peças apresentadas em um orelhão, dentro de um ônibus, em quartéis, no hospital psiquiátrico da cidade, no saudoso Hermes Bar e até mesmo à meia-noite, no bebedouro do Largo da Ordem — geografia que combinou perfeitamente com as peças anunciadas: uma de Plínio Marcos e outra de Charles Bukowski.  

No mesmo evento, em 2004, assisti ao espetáculo Aos que virão depois de nós — Kassandra in process, que foi encenado no galpão da Rua Mateus Leme. Não havia cadeiras, nem palco. Existiam cenários em todo canto e, ao fundo, na parte externa do galpão, enormes peças de carne penduradas aguardavam o momento da ação. O público acomodava-se como podia, sobre o chão de antipó. As cenas ocupavam diferentes locais do galpão. Sendo assim, os atores comandavam uma espécie de procissão, e o público simplesmente os seguia. Coerente com o mito que deu origem à peça, havia várias sequências ritualísticas, nas quais algumas pessoas eram convidadas a interagir com os personagens, em danças, beijos ou tomando uma taça de vinho. Aliás, essa interação era favorecida justamente pela ausência de palco, permitindo que o elenco e a plateia ficassem muito próximos (Fig. 12):

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Figura 12: Ausência de palco no espetáculo itinerante Aos que virão depois de nós — Kassandra in process. Imagem disponível em: <https://www.brasildefators.com.br/2020/08/05/l-u-g-a-r>

Seguindo essa tendência, a companhia catalã de teatro La Fura dels Baus também inova o espaço cênico, a fim de promover maior interatividade com o público. Dentro dessa proposta, o grupo tornou-se conhecido por utilizar locais inusitados, aliados ao conceito de teatro setorial e à tecnologia (Fig. 13). Conforme Regina Soulza, uma “inovação do La Fura é o barco Naumon, no qual o grupo fez inúmeras performances, em 2004, navegando sob as águas do mar mediterrâneo, de Gibraltar à Turquia” (SOULZA, 2017).

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Figura 13: Estruturas gigantescas e muita tecnologia no espetáculo Tempo de encontros (2012); e barco que a companhia usu como espaço cênico, na turnê teatral de 2004.
Imagens disponíveis em: <http://lounge.obviousmag.org/echoes/2014/08/l.html#ixzz4slDSFSjZ>

Uma arte, muitas tendências. Desde a origem até nossos dias, vimos alguns exemplos que comprovam a versatilidade e a resiliência da dramaturgia, que tem se modificado constantemente, para tentar corresponder ao tempo e às suas imposições  — sociais, tecnológicas e de comportamento.

REFERÊNCIAS:

BALAKIAN, A. Teatro simbolista. Disponível em: <https://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-geral/teatro-simbolista>. Acesso em: 7 set. 2021.

BERSAN, F. Acústica: um passeio pelo tempo. Disponível em: <https://www.somaovivo.org/artigos/acustica-um-passeio-pelo-tempo/>. Acesso em: 23 set. 2021.

JOJOSCOPE. Teatro Nô: o palco, os atores, as máscaras. Disponível em:<http://jojoscope.net/2015/06/27/teatro-no-o-palco-os-atores-as-mascaras/>. Acesso em: 7 set. 2021.

LOBO, R. Teatro medieval. Disponível em: <http://ronanlobo.blogspot.com.br/2008/10/teatro-medieval.html>. Acesso em: 23 ago. 2015.

SOULZA, R. La Fura dels Baus: arte transgressora e interativa. Disponível em:<http://lounge.obviousmag.org/echoes/2014/08/l.html#ixzz4slDSFSjZ>. Acesso em: 15 out. 2017.


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2 comentários em “Estilos e tendências no teatro: A evolução do espaço cênico”

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