Mais um dia de um livro que não foi lido, mas nunca esquecido
Todos os capítulos do mundo de um livro com as histórias mais desgraçadas, tristes e lindíssimas do universo e por fim o que reverberá, sempre, será o próprio livro em si.
Os perdidos personagens dessas histórias descabíveis permanecerão enterrados nos fundos das escrivaninhas sujas nos quartos dos andantes que nem um dia sequer ousaram lê-los.
Todos os fatos ficcionais impregnados em cada vírgula da nada interessante vida de um Zé qualquer da tal obra importante misturam-se às histórias e vivências holofotizadas dos best-sellers americanizados (embora nacional e contemporâneo) dos títulos ao lado.
Essa ideia universal que não tolera – por nada – ser impugnada se perpetuará nas salas frias e nos corredores vazios de sua mente até que você se dê conta de que é mais um leitor que não está nem um pouco se importando com o que se lê, mas quem se lê.
Isso quando se lê, veja bem, o título disso (seja lá o que isso seja) aponta para uma versão, pelo menos, da história que nunca foi lida, a da parte interna, de dentro, sim, do personagem, as entrelinhas… As entrelinhas são muitas vezes tão importantes quanto a linha, mas essa sempre é mais importante do que o livro, o autor, e tudo o que o cerca.
E assim ficamos no infinito vazio das nossas almas refletidas em nossas estantes cheias de livros que nunca foram lidos, de histórias que nunca foram contadas e ensinamentos que nunca foram compreendidos.
Mas o livro, por fim, reverberá, sublime e intocável, literalmente.
Caro amigo Cássio: reverbera Jorge Luis Borges, falando de Bernard Shaw:
“um livro é mais que uma estrutura verbal, ou que uma série de estruturas verbais; é o diálogo que trava
com seu leitor, e a entonação que impõe a sua voz, e as mutáveis e duradouras
imagens que ele deixa na memória. Esse diálogo é infinito; as palavras “amica
silentia lunae” significam agora a lua íntima, silenciosa e resplandecente,
enquanto na Eneida significaram o interlúnio, a escuridão que permitiu aos
gregos entrar na cidadela de Tróia…
A literatura não é esgotável, pela suficiente e simples razão de que um único livro não o é. O livro não é um ente incomunicado: é uma relação, é um eixo de inumeráveis relações.” De “Outras inquisições”.
Belíssima citação do Jorge Luis Borges, caro amigo. E obrigado pela leitura deste devaneio.