Baco Exu do Blues e as suas influências literárias

(…) Componho pra não me decompor
Poeta maldito perito na arte de Arthur Rimbaud
Garçom, traz outra dose, por favor
Que eu tô
Entre o Machado de Assis e de Xangô
Soneto de boêmia, poesia, melancolia
Eu sou do tempo onde poetas ainda faziam poesia
Saravá!….

“Esú”, do álbum homônimo de Baco Exu do Blues (2017)

Com essa estrofe melancólica, linguagem densa, intertextualidade rara e cartão de visita explícito, Baco Exu do Blues (Salvador/BA – 1996) apresenta a sua música (arte) ao público nacional, de uma forma ampla e concreta, tornando-se, instantaneamente, um grande sucesso, com vários singles relevantes já no primeiro álbum da carreira. É óbvio, um ano mais cedo, em 2016, já havia lançado a polêmica “Sulicídio” ao lado do também nordestino (de Pernambuco) Diomedes Chinaski. O nome da música já evidencia, para quem não conhece, o motivo pelo qual os versos de Sulicídio servem como verdadeiro soco no mainstream do eixo musical brasileiro (leia-se sudeste/sul do país).

No single de lançamento, o Brasil conhecera a voz de Diogo Moncorvo (nome de batismo), mas só em Ésu todos conheciam Baco Exu do Blues como músico e também como pessoa, com toda a sua história, ancestralidade, religiosidade e bagagem cultural. É, basicamente, sobre essa capacidade artística do Baco que irei tratar neste ensaio.


Esú (2017)

Primeiro álbum do Baco, Ésu (2017) é composto por nove canções, iniciando com uma intro muito bem executada e com uma clareza ímpar. Baco Exu do Blues já garante que trará, no seu primeiro disco, importantes temas como a posição do negro perante à sociedade, tudo isso com muitas referências à literatura, música e cinema. Para exemplificar, utilizarei algumas palavras-chave encontradas na introdução, com: Capitães de areia, Asa Branca, Cisne Negro, Iemanjá, poesia, Exu.

Ainda na introdução, sente-se em Salvador. Propositalmente o artista nos leva para o seu mundo, com diversificadas referências. A forma como Baco Exu do Blues tem ressignificado o cenário musical baiano é importante. Tantas décadas notório por sua produção da Axé Music, Salvador começa a produzir rap, em massa, e Baco foi e é fundamental para isso. Essa música é quase que um manifesto.

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Já em “Abre caminho”, retoma sua origem, como um um homem preto comum e com todos os problemas sociais que isso traz. Na estrofe a seguir trata das precoces mortes dos jovens negros, problemática mundial:

Meus irmãos são mundos vi vários rodar
Rezo pra que a morte me esqueça
Penso em minha mãe sempre que tentam me
Matar
Por isso a coroa nunca sai da minha cabeça

Baco Exu do Blues e as suas influências literárias
Baco Exu do Blues lançou ano passado o seu quarto albúm. (Foto: Murilo Alvesso/Reprodução)

Bluesman (2018)

Segundo álbum do Baco Exu do Blues, Bluesman (2019) é considerado uma das melhores obras completas de rap já produzidas no Brasil em todos os tempos. Se formos pensar somente no cenário do rap contemporâneo, a obra ganha ainda maior relevância. As suas 9 faixas, de “Bluesman” a “BB King”, é a própria completude da mensagem oferecida. É Baco falando dos seus heróis e como o próprio artista se autorressignifica a partir deles:

"Sinta a África pra me entender
Transe ao máximo pra me entender
Não tema a morte pra me entender
Enquanto cê tiver limite, não vai me entender
Todo líder negro é morto, cê consegue entender
Tenho recebido cartas falando
O próximo é você, o próximo é você, o próximo é você
Baco
Agora eu te entendo Kanye, agora eu te entendo Kanye
(...)

Seu rótulo não toca na minha poesia
Eu sou o Kanye West da Bahia"

"Kanye West da Bahia", do álbum Bluesman (2018) 

Em “Kanye West da Bahia”, Baco Exu do Blues deixa claro as suas inspirações e aspirações. Para além da obra, em entrevistas, ratificou Kanye West como rapper favorito e como a sua obra foi relevante para a sua construção como artista. O mesmo Kanye West que recentemente vem acumulando escândalos, mas que nunca questionou-se o seu potencial e relevância para o hip hop.

Um pouco antes, da faixa Bluesman, Baco ratifica a sua importância como um homem lírico de voz rasgada que tem a intenção clara de construir um manifesto preto que transcende à música e se aproxima muitas vezes da produção literária afro. Atirando o seu próprio canhão aos acusadores e àqueles que por ventura tentaram (e continuam tentando) subjulgar o homem afrodescendente. E é com essa produção lírica que Baco engrandece os seus antepassados e fortalece o ciclo do homem preto na arte:

Eu sou o primeiro ritmo a formar pretos ricos
O primeiro ritmo que tornou pretos livres
Anel no dedo em cada um dos cinco
Vento na minha cara eu me sinto vivo
A partir de agora considero tudo blues
O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues
O funk é blues, o soul é blues
Eu sou Exu do Blues
Tudo que quando era preto era do demônio
E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues
É isso, entenda
Jesus é blues
Falei mermo

Bluesman, do álbum homônimo de Baco Exu do Blues (2018)

Toda essa sonoridade pertencente a este ritmo que tornara o preto pela primeira vez relevante na música e reconhecido no mundo pode ser ainda ratificada no filme produzido para o álbum Bluesman:

QVVJFA? (2022)

No álbum QVVJFA? (Quantas Vezes Você Já Foi Amado?) Baco lança mão de boa parte da tônica imponente das duas primeiras obras e traz ainda mais melodia e lirismo ao seu público, com love song’s importantes como “20 Ligações” e “Samba In Paris”.

Em Imortais e Fatais 2, por outro lado, vemos Baco Exu do Blues trazer um sample de Vinícius de Moraes, com o trecho de “Tempo De Amor”, escrito pelo próprio em parceria com Baden Powell:

Ah, bem melhor seria poder viver em paz
Sem ter que sofrer

Na faixa 10 de Esú Baco já havia cantado “Imortais e Fatais” e com versos importantíssimos: “Voe alto como Ícaro, montado em Pégasos/Bicho de 7 cabeças”, uma fuga clara de um artista que, em seu primeiro disco, tentava sair da sua cidade natal (embora sem abandonar a sua origem), mas sem fracassar como Ícaro ao escapar de Creta, pois Baco voará em Pégasos, que simboliza a sua imortalidade. Baco aqui um “osso duro de roer” na própria cena, embora tenha ganhado muitos inimigos em “Sulicídio” e em seu álbum de estreia.

Capa do último álbum do Baco, o QVVJFA?. (Imagem: Capa do álbum QVVJFA?/Reprodução)

E aí quando retornamos para “Imortais e Fatais 2” vemos que a angústia e a defesa são as mesmas:

Vivemos do ódio, não ligamos mais pra nada
Morte aos inimigos, nossa alma tá lavada
Se passar da linha, eu juro, nem Jesus salva
Aqui nós troca bala e dá troco na porrada

Imortais e Fatais 2 (part. Vinícius de Moraes), do álbum QVVJFA? (2022)

Baco Exu do Blues canta e exala o seu lirismo há quase uma década na cena do hip hop nacional, pois é do lirismo que ele também bebe. Desde o seu berço, cuja formação na raiz foi na música popular preta do país e na literatura, influência direta da sua mãe que era professora.

O artista Baco ressignifica cantos e se mostra imponente em um cenário cada vez mais competitivo e avassalador. É preciso entender que já também impactou enormemente a cena e tem aberto portas para que outros cantores, tão talentosos quanto o precursor, possa mostrar a sua arte, a sua poesia. Baco “abriu o caminho”, em alusão à sua própria canção, e muita gente está passando, cantando e ouvindo, a lírica que muitas vezes foi cantada, em verso e prosa, nesse Brasil afora.

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