Eu não consigo mais ler romances adolescentes

Sara Muniz

Em um dia qualquer no trabalho, eu estava conversando com uma colega minha que, além de trabalhar comigo agora, também fez Letras na mesma turma que eu. Nós estávamos comentando a nossa incapacidade de ler romances adolescentes e jovens adultos depois da faculdade. Seria fácil dizer que foram as doses pesadas de leitura de clássicos, mas as aulas de literatura eram muito mais do que isso e nos torna cada vez mais maduros. Como já comentei em um post no passado, é necessário ter “maturidade leitora” para ler Machado de Assis, por exemplo. A questão é que, ao estudar literatura de verdade, ou seja, ler as obras e fazer uma análise aprofundada delas, nós acabamos nos acostumando a lidar com coisas difíceis.

Um livro precisa esconder algo, criticar alguma coisa, mexer com o meu psicológico, ter personagens profundos (quanto mais problemáticos, melhor), frases que precisam ser relidas para serem compreendidas, fluxos de consciência, relação com um contexto histórico… Se for ficção fantástica, precisa abordar técnicas diferenciadas de seguir A Jornada do Herói, apresentar um mundo totalmente novo… Se for poesia, é difícil não esperar algo no nível Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade…

Letras nos proporciona de três a quatro anos seguidos de leituras com análises. Obviamente, depois de sair do curso, não é possível abandonar o hábito. Particularmente, na minha adolescência eu adorava ler romances com enredos simples e, de certa forma, envolventes. Entretanto, na faculdade eu sofri uma espécie de lavagem cerebral que, na minha perspectiva, foi muito benéfica. Agora, para mim, um livro precisa ter algo a mais, entende?

Enfim, a crítica literária nos faz perceber que a literatura é quase como a parte da teoria da relatividade que explica que tudo está conectado no universo. Um movimento se renova no seguinte, um estilo nasce a partir de outro preexistente, um autor reflete no outro em semelhanças e diferenças. Em outras palavras, um passo da literatura está conectado ao outro, resultando no que temos hoje na literatura contemporânea. O problema que bate na minha porta (se é que posso chamar de problema), é que se tornou insustentável me sentar para ler um romance clichê ou um livro de qualquer gênero com estrutura simples. Agora eu entendo o que o meu professor queria dizer com “vocês são leitores profissionais”.

Conforme lemos e levamos a leitura como estudo, percebemos cada vez mais o valor de um livro. Desde que percebemos literatura como um hipertexto, encontramos muito de um livro no outro, principalmente as abordagens sociais, históricas e culturais. Muito disso nos torna viciados e queremos receber mais e mais nas próximas leituras. O mesmo acontece com quem sempre leu romances ou muito de um mesmo gênero. Eu gosto até de comparar essa questão com bebidas (sejam alcoólicas ou não): depois de muito tempo bebendo algo barato, quando se bebe algo caro, percebe-se como ele tem mais valor. Depois de beber o caro por muito tempo, voltar a beber o barato é impossível e beber coisas mais caras causam estranheza, até que se acostume a esses novos sabores e experiências. Por esse motivo, não consigo voltar para muitas das leituras que eu fazia antes da faculdade e estou sempre buscando “refinar o meu paladar” em relação à dificuldade das leituras.

Devíamos ler apenas livros que nos firam e que nos mordam. Se o livro que estamos lendo não nos desperta violentamente como um murro no crânio, para que nos darmos ao trabalho de o ler? Um livro tem que ser como a picareta para o mar gelado dentro de nós.” (Franz Kafka – Carta a Oskar Pollak, 1902)

E você, concorda ou discorda que o nosso cérebro está sempre sedento por coisas mais complicadas?

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