Crônicas de viagem (2)

Adalberto De Queiroz

Trieste – Primavera, 2019. O poeta francês Henri Michaux afirmou que “os poetas amam viagens”. A lembrança que motiva esta crônica é antiga, marca a viagem a Trieste que realizei em 2019, perseguindo os rastros do escritor irlandês James Joyce.

Na primavera nebulosa de Trieste, o sol se põe tarde, por volta das 20h30. Havia decidido ficar uma temporada em Trieste e pesquisar sobre os escritores James Joyce e Ítalo Svevo, mas o vento forte da cidade, chamado “Bora” – de intensidade semelhante ao Minuano, no Rio Grande do Sul –, assustou minha mulher que não resiste aos ventos, então decidimos mudar de cidade. Como os pássaros, assim também migram os amantes da viagem e da Poesia.

Da excelente biografia “James Joyce” (Richard Ellmann, 1959), destaco:

Crônicas de viagem (2) 1

“James Joyce foi um viajante por natureza e por necessidade”, nos garante Ellmann. E adiciona: “quando se via complicado demais num lugar, ele [Joyce] preferia se mudar para outro, ao invés de desfazer a confusão”.

– “Por que você deixou a casa de seu pai?” – pergunta Bloom a Stephen, no “Ulysses”.

A resposta é: “Pra procurar desventuras”.

Não é o meu caso, perfil de bom-moço, que segue fazendo amizades por toda a parte, sempre sem deixar dívidas. Não foi esta a marca do poeta, músico, ficcionista James Joyce, vagando de Dublin a Londres, Paris, Zurique, Pola (Pula), Trieste, Roma, Trieste novamente, até retornar à sua Dublin.


https://recortelirico.com.br/2021/04/cronicas-de-viagem/

O percurso do irlandês, um dos maiores do século XX, pode ser traçado lendo Richard Ellmann, no seu memorável “James Joyce” (1959). Ali se descobrem interessantes conexões de Joyce, que morou em Trieste de 1904 a 1919, onde escreveu muito e conviveu com muita gente do mundo literário e artístico.

Crônicas de viagem (2)

Com a natural habilidade de Joyce em complicar as coisas, mesmo com uma acolhida generosa por parte dos triestinos, o talentoso irlandês lembra-se literariamente que a cidade ter-lhe-ia “comido o fígado”.

– And trieste, ah trieste ate I my liver!

Ele ecoava o poeta francês Paul Verlaine. Depois, recriou isso em “Finnegans Wake” transformando “triste” em Trieste (grafado com minúsculas):

“And trieste, ah trieste ate I my liver!”

Joyce recitava Verlaine para os amigos e alunos. Dario De Tuoni que foi seu aluno diz ter ouvido muitas vezes Joyce recitar Verlaine:

“O triste, triste était mon âme

a cause, a cause d´une femme

Um grand sommeil noir

tombe sur ma vie…”
“Je suis um berceau

qu´une main balance

au creux d´um caveau…

silence, silence!

Joyce recitava esses versos para os amigos e alunos. Há sinais dessas emoções literárias nos escritos ficcionais do irlandês. Em “Giacomo Joyce”, livro traduzido por Paulo Leminski, duas citações curiosas sobre a região. São contraditórias como é a vida de Joyce, que era um socialista que amava o convívio dos ricos, um dependente do casamento que buscava aventuras sexuais, um católico inimigo figadal do papa.

Em Pádua, para onde se vai, normalmente para rezar a Santo Antonio, Joyce se lembra mesmo é das prostitutas:

“Pádua longe além do mar. A meia-idade silenciosa, noite, escuridão da história dorme na Piazza delle Erbe sob a lua. A cidade dorme. Sob os arcos nas ruas escuras perto do rio os olhos das putas catam fornicadores. “Cinque servizi per cinque Franchi”. Uma escura onda de sentido, de novo e de novo e novamente.
“Olhos meus falham na treva, falham os olhos,
Olhos meus falham na treva, amor”.
“De novo. E só. Escuro amor, escuro ansiar. E só.
“Escuridão”.

É pequena amostra de James Augustine Aloysius Joyce, talvez o escritor que mais influenciou a literatura do século XX, que como homem mostra-se um infeliz, um “loser”, que viajava com frequência para fugir de encrencas – Ellmann não o diz, porque encontrou na literatura de Joyce a redenção de uma vida falha.


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1 comentário em “Crônicas de viagem (2)”

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