O Último Suspiro das Redes Sociais
Numa dessas manhãs serenas de uma cidade qualquer, onde o sol desenha sombras longas sobre os caminhos de todos nós, fui assaltado por uma visão que me transportou para um território de nostalgia e desencanto. Tratava-se da regulação das redes sociais, esse monstro bicéfalo que hoje espreita os corredores da nossa liberdade individual.
Há quem diga, com a voz engomada pela sapiência de quatro paredes, que tal regulação é imprescindível para a manutenção da ordem e da moralidade no vasto mundo virtual. “Precisamos proteger os jovens!”, bradam eles, com o fervor de quem nunca pecou ou desviou-se um milímetro sequer do caminho da virtude. “As fake news!”, clamam outros, com a urgência de quem viu o abismo e nele enxergou a própria imagem refletida.
Ah, mas permitam-me discordar, com a veemência de quem já viveu o suficiente para saber que, em cada esquina da vida, esconde-se uma verdade inconfessável. A regulação das redes sociais, meus caros, é a pedra de toque para a censura, essa senhora idosa e ranzinza que, de tanto temer o novo, prefere encerrar-se em seu casulo de ignorância.
No passado, a censura vestia-se de moral e bons costumes, visitava os teatros e rasgava as páginas dos livros que ousavam desafiar o status quo. Hoje, ela se disfarça de proteção e segurança digital, mas seu olhar é o mesmo: frio, calculista e eternamente desconfiado da capacidade humana de discernir o certo do errado.
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É claro que as redes sociais são o palco contemporâneo de discórdias e revelações, onde cada um veste a máscara que melhor lhe convém. Mas quem somos nós, meros mortais, para decidir o que o outro deve ou não deve ler, ver ou ouvir? A liberdade, essa palavra tão carregada de significados e tão desgastada pelo uso, ainda é o bem maior que devemos preservar, mesmo que isso signifique navegar por águas turbulentas de tempos em tempos.
Não me entendam mal; não estou a pregar a anarquia digital nem a desordem moral. Mas acredito, com todas as fibras do meu ser, que a regulação das redes sociais é o primeiro passo para um futuro onde o silêncio é imposto, não escolhido. Onde o medo do diferente e do desconhecido nos impele a construir muros, não pontes.
Portanto, antes de aplaudirmos a chegada do grande censor digital, lembremo-nos dos versos imortais de Drummond, que, em sua sabedoria atemporal, alertou-nos sobre os perigos de calar a voz que clama no deserto, a famosa “pedra no meio do caminho”. A regulação das redes sociais, por mais bem-intencionada que seja, pode muito bem ser o último suspiro da nossa liberdade de expressão.
Em tempos de vozes silenciadas e verdades alternativas, que a literatura, a arte e a insubmissão sejam nossas armas. Que a regulação não nos prive do direito inalienável de pensar, questionar e discordar. Afinal, como bem sabia o velho Nelson Rodrigues, é no caos da vida como ela é que reside a verdadeira essência do ser humano.
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