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AINDA ESTOU AQUI: ALÉM DO RELATO, A PRESENÇA

Verônica Daniel Kobs O filme Ainda estou aqui (BRA, 2024), de Walter Salles, que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em março de 2025,

AINDA ESTOU AQUI: ALÉM DO RELATO, A PRESENÇA

Verônica Daniel Kobs

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Fonte da imagem: @embraturbrasil

O filme Ainda estou aqui (BRA, 2024), de Walter Salles, que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em março de 2025, continua conquistando plateias e críticos ao redor do mundo. Só este ano, a produção é associada a mais de um terço de toda a bilheteria do cinema nacional, conforme anunciado pela CNN Brasil.

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Na época do Oscar, a Agência Gov e a CBN já noticiavam números bastante impressionantes: 5 milhões de espectadores e 100 milhões de reais apenas no Brasil; além de ter conquistado o dobro da arrecadação em todo o mundo e de ter garantido o terceiro lugar no ranking global da sétima arte.

Todo o reconhecimento do filme começou a ser construído no segundo semestre de 2024. De lá até janeiro de 2025, quando foi realizada a cerimônia do Globo de Ouro, o longa arrebatou 40 prêmios. Na verdade, para quem acompanhou a estreia do filme brasileiro, no Festival de Veneza, isso não foi uma surpresa, já que, no evento da Itália, a história foi reverenciada com aplausos do público em pé, por 10 minutos.

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Hoje, quase um ano depois do início da campanha publicitária de Ainda estou aqui, os prêmios totalizam quase 80, incluindo 4 títulos honorários.A conquista mais recente ocorreu no início deste mês, quando Walter Salles recebeu o prêmio de Melhor Filme no FIPRESCI Grand Prix.

Pelo que aconteceu no passado, no Oscar de 1999, quando Walter Salles e Fernanda Montenegro foram indicados por Central do Brasil, a cerimônia de 2025 deixou o país todo desconfiado, em duas ocasiões. A primeira foi na categoria de Melhor Canção, quando Mick Jagger subiu ao palco. Isso foi estranho, porque talvez indicasse que o vencedor seria Elton John. Afinal, tanto o cantor apresentador quanto o concorrente são ingleses e receberam o título de Sir. Mas foi alarme falso. A música vencedora fazia parte da trilha do filme Emília Pérez, uma produção francesa falada em espanhol, mas que representava a cultura mexicana. Sim, e esse era o principal concorrente do Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional.

A segunda saia justa veio justamente nessa ocasião. Para entregar o prêmio, a Academia chamou a atriz espanhola Penélope Cruz, que subiu ao palco ao som de “Por una cabeza”, de Carlos Gardel. Nessa hora, o Brasil inteiro ficou apreensivo e desesperançoso, porque foi impossível não lembrar de 1999, quando Sophia Loren premiou o conterrâneo Roberto Benigni, principal concorrente do Brasil, naquele ano. Aliás, aquela coincidência levantou discussões sobre fraude e favoritismo no paraíso da Sétima Arte. Felizmente, a maracutaia não se repetiu e Penélope Cruz anunciou a produção brasileira como vencedora!

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Fonte da imagem: Bnews

No fim das contas, o Oscar de Melhor Filme Internacional veio para o Brasil, mas a estatueta de Melhor Atriz não foi dada nem para Fernanda Torres, nem para Karla Sofía Gascón. Contrariando todas as expectativas, no Oscar Fernanda Torres não conseguiu repetir o feito inédito do Globo de Ouro.

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Fonte da imagem: O Globo

Porém, não é difícil entender o que aconteceu. Basta pensar sobre as razões da Academia, nesses dois casos. Em outras palavras, devemos perguntar: Que imagem o Oscar queria passar?

Quanto à concorrência que envolvia as atrizes brasileira e espanhola, a resposta era bastante simples, já que, de janeiro a março de 2025, houve vários escândalos envolvendo temas distintos: a ética na disputa pelo Oscar, a identidade trans e sua associação com o tráfico de drogas e até acusações de racismo. Por isso, o  Oscar dado à atriz Mikey Madison, de Anora, mostrou outro caminho.

Um caminho, aliás, bastante familiar aos brasileiros que estavam grudados na tela, na cerimônia do Oscar de 1999. Pois é… A escolha de Madison, em 2025, e de Gwyneth Paltrow, no passado, não é mera coincidência. E isso vai muito além da do vestido cor-de-rosa e do perfil angelical dessas duas atrizes.

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Fonte da imagem: Marie Claire

Os dois filmes — ou seja, Anora e Shakespeare apaixonado — rompem tabus e exaltam a força transformadora do amor. Trata-se de duas histórias no melhor estilo de conto de fadas. Afinal, a fantasia sempre é a melhor saída diante de uma encruzilhada, não é mesmo? Para que decidir entre dois casos que afrontam a moral e os bons costumes do nosso século, quando é possível experimentar o efeito mágico e paralisante de uma bela história romântica? 

Já no quesito Melhor Filme, a Academia, ao premiar o filme brasileiro, reiterou seu apoio à democracia e fez coro às denúncias dos crimes cometidos durante a ditadura. Isso demonstra que Ainda estou aqui cumpriu o seu papel não apenas como obra cinematográfica, mas também como discurso cultural globalizado.

Quem viu o filme sabe das inúmeras referências à cultura da década de 1970, que subsiste nas cores, no figurino, no cenário, nos praticáveis e na música. O cuidado da direção e da produção de arte foi extremo, com o propósito de manter a coerência narrativa, ao associar o enredo com elementos emblemáticos do contexto histórico. Isso era necessário, afinal, Ainda estou aqui é baseado em fatos, mas nem sempre as produções desse tipo conseguem evitar os anacronismos.

Felizmente, nesse quesito, o filme de Walter Salles deu um show e apresentamos, aqui, algumas amostras desse trabalho primoroso do cinema nacional. Em relação às cores, as cenas usaram um filtro que privilegiava a tonalidade sépia e isso aproximava o espectador da atmosfera dos anos 1970. A trilha sonora, a arquitetura, a decoração com móveis de mogno e até mesmo o sorvete de passas ao rum completavam o contexto da época.    

As referências ao The Beatles e ao movimento Hippie valorizaram o cenário pós-guerra, no qual hinos pacifistas eram entoados em prol da liberdade. Por causa disso, no filme, uma das filhas de Eunice e Rubens Paiva vai estudar em Londres, posa para foto na famosa Abbey Road e manda notícias à família assinando as cartas como “Vera Lennon”.

No sentido mais amplo, a Inglaterra é homenageada como o berço da Contracultura (e essa palavra já diz tudo!). Na trilha musical, o Punk Rock se relaciona com o comportamento contestador da juventude daquela época. E até mesmo o Glam Rock (que reagiu à estética Hippie) e a banda T-Rex são usados para celebrar a identidade individual e o estilo próprio, ao longo do filme.

Quanto à militância brasileira, os diálogos e a música mencionam Caetano Veloso e Gilberto Gil, que Vera, em carta à família, diz ter conhecido em Londres.  Além disso, em uma cena aparentemente insuspeita, o livro Suor, de Jorge Amado, é mostrado ao fundo, em uma estante da livraria de uma das amigas da família Paiva. O filme também resgata a canção “É preciso dar um jeito, meu amigo”, de Erasmo Carlos, lembrando que esse artista  teve sérios problemas com o governo, nos anos 1970, depois de ter feito uma participação no Programa Sílvio Santos. Essa cartografia sonora de resistência se completa com uma menção a “Jimmy, renda-se”, de Tom Zé, em pleno Tropicalismo.

Nesse terreno da contracultura, ainda houve espaço para canções proibidas nos anos 1970, como “Je t’aime moi non plus”, de Serge Gainsbourg e Jane Birkin. Consolidando a conexão entre música e política, Ainda estou aqui celebra sons que exaltaram a autenticidade, em oposição à homogeneização repressora.

No entanto, as referências intertextuais não se esgotam na música. O diálogo com o cinema aparece também nos créditos, que sempre são capazes de apresentar muito mais do que uma simples lista de nomes. Por isso, no filme de Walter Salles, os créditos retomam a função de epílogo e comentário, fazendo pontes entre realidade e representação.

Em última instância, Ainda estou aqui se ergue como mais um marco da cinematografia brasileira. O filme revela como a arte, quando tecida com rigor histórico, é capaz de ultrapassar a tela para se tornar experiência coletiva, em um diálogo vivo entre passado e presente. Dessa forma, sua força não reside no reconhecimento internacional, mas na capacidade de resgatar símbolos culturais, reelaborar silêncios e converter lembranças pessoais em narrativas transformadoras de toda a sociedade. Nesse sentido, as obras de Marcelo Rubens Paiva e Walter Salles reafirmam o papel da literatura e do cinema como linguagens universais — capazes de conjugar crítica e afetividade, subjetividade e coletividade — e, sobretudo, como testemunho de que certas histórias não se apagam, porque continuam a pulsar em quem as viveu e, finalmente, em quem ousou permanecer. Ainda estamos aqui!

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