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A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL

Verônica Daniel Kobs (Este texto contém spoilers.) Sempre fui noveleira. Uma avó me criou na frente da TV, onde assistíamos juntas às melhores tramas da

A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL

Verônica Daniel Kobs

(Este texto contém spoilers.)

Sempre fui noveleira. Uma avó me criou na frente da TV, onde assistíamos juntas às melhores tramas da época (nos anos 1970 e 1980) e a outra me ligava antes dos últimos capítulos para saber o que eu achava que iria acontecer! 

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Hoje, sou professora universitária, pesquisadora de Literatura e Mídias e, mesmo com várias pessoas de renome da minha área afirmando que “intelectual que se preze não pode ser noveleiro”, sempre defendi as telenovelas. Afinal, elas são um produto cultural brasileiro fortíssimo (e de fama internacional). 

Apesar disso, por algum motivo, deixei de assistir a novelas há alguns anos. Mas tudo mudou quando vi a propaganda de Beleza Fatal na TV. No mesmo momento, comentei: “Nossa! Até me deu vontade de voltar a ver novelas!” E assim foi… Desde março, realizei meu desejo e fiquei ligada na telinha, comemorando meu reencontro com a teledramaturgia.

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A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL
Figura 1: Cartaz oficial de divulgação da novela Beleza fatal
 Fonte: https://observatoriodatv.com.br/colunas/fabio-costa/beleza-fatal-qual-e-a-dimensao-do-exito-da-novela-no-streaming-e-na-tv-aberta

Na TV aberta, a novela Beleza fatal, escrita por Raphael Montes, autor famoso pelas histórias de suspense, foi exibida em 43 capítulos. Isso representa quatro ou cinco vezes menos que o tamanho de uma telenovela clássica, cujo número de capítulos costumava variar entre 170 e 200. Outra característica marcante da nova produção da Band é seu caráter dual, já que a trama estreou na Max, um canal de streaming. Durante o pré-lançamento e nas primeiras semanas da novela, Beleza fatal seduziu os fãs, porque reunia todos os ingredientes de uma boa telenovela: vilões marcantes, mocinhas carismáticas e indefesas, vingança, segredos, traições, paixões que desafiavam as convenções e reviravoltas mirabolantes. De fato, a produção acertou em cheio na escolha do elenco, na direção envolvente e na estética contemporânea, mas acabou esbarrando em um dos principais dilemas da teledramaturgia atual: o formato extremamente compacto.

As atuações foram, sem dúvida, um dos pontos altos da produção. Camila Pitanga deu vida à Lola, uma alpinista social determinada e ousada. Camila Queiroz desempenhou o papel da ardilosa Sofia e Giovanna Antonelli brilhou ao representar Elvira Paixão. Os vilões Rog (Marcelo Serrado) e Benjamin (Caio Blat) também foram envolventes na medida certa e com nuances distintas. Cínicos, audazes e também ameaçadores, como manda o figurino. O talento do elenco fez com que mesmo personagens secundários tivessem brilho próprio — ainda que por apenas 43 capítulos. É justamente aí que reside o grande problema de Beleza fatal. No esforço de adotar um formato mais enxuto e dinâmico, especialmente pensando no público de streaming — a trama foi encurtada de maneira drástica, o que comprometeu profundamente o desenvolvimento cênico e emocional da história. Todos os clichês queridinhos do gênero novelesco estavam lá, mas não foram explorados com a profundidade que mereciam. 

A punição dos vilões, por exemplo, aconteceu, mas não ganhou a devida importância. Em outras palavras, a rapidez diluiu o impacto emocional das quedas de Rog e de Benjamin e o público não teve tempo de saborear o gostinho da vingança, junto com a família Paixão. 

A morte de Átila Argento é outro exemplo de como a novela foi afetada pela pressa: o episódio, que tinha potencial para marcar a memória afetiva do público, acabou resumido a uma sequência de dez minutos, no máxima, dividida entre o fim de um capítulo e o início do outro, que mostrou um enterro célere, em meio a um dia nublado. Mas o que terá acontecido entre a morte do patriarca e sua despedida fúnebre? Não houve tempo para ver como isso afetou o namorado, os filhos ou os pais de Rebeca — tudo ficou nas entrelinhas, sem que a novela explorasse as nuances do efeito dramático dessa tragédia.

A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL
Figura 2: As famílias Argento e Paixão, no cartaz oficial de divulgação da novela 
 Fonte: https://www.instagram.com/patgasppar/p/DEprzffOflV/

Nesse formato mais enxuto, pensado para atender às novas demandas do consumo audiovisual, a trama foi compactada, sacrificando o aspecto psicológico que sustenta o gênero novelesco. Assim, os eventos de grande impacto, como mortes, punições ou reencontros esvaziam-se de seu caráter simbólico e passam a ser tratados como um fato quase corriqueiro. Até mesmo a volta de Ana ou a história sobre o sequestro de Márcia deixaram a desejar. Com apenas 43 capítulos, não houve tempo para reconstituições ou fashbacks.  

Outro ponto que u o impacto de Beleza fatal foi a inconsistência na trajetória da protagonista Sofia. A personagem começou como uma jovem profundamente marcada pela morte da mãe, Cléo, e pela busca por justiça — uma motivação potente, legítima e emocionalmente promissora. No entanto, à medida que a história se aproximava do fim, seu perfil tornou-se incerto, oscilando entre a vilania clássica e um egoísmo mimado que pouco fez jus à origem trágica de sua jornada.

A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL
Figura 3: Sofia, nos últimos capítulos da trama, depois de assumir a empresa, a casa e o marido de Lola. Fonte: https://natelinha.uol.com.br/novelas/2025/03/14/final-de-beleza-fatal-sofia-toma-lugar-de-lola-e-paga-um-preco-alto-223505.php

Em vez de se consolidar como uma vítima sedenta por vingança, movida por dores reais e escolhas moralmente ambíguas, Sofia terminou parecendo apenas uma moça rancorosa, instável, e às vezes até incoerente. No final, em seu plano para incriminar Lola pela morte de Benjamin, as ações dela foram executadas com frieza, mas não foram sustentadas por uma construção psicológica sólida. Seus rompantes pareciam mais o capricho de uma pessoa contrariada do que a conclusão de uma trajetória pautada por mágoa e desejo de justiça.

Houve, inclusive, uma indecisão incômoda sobre sua posição em relação à família Paixão: ora apoiando; ora atacando, de forma abrupta. Essa ambiguidade poderia ter sido um traço interessante, se bem trabalhado, mas, nos últimos episódios da novela, soou como falta de direção narrativa. É difícil acreditar que Cléo, a mãe que servia de motivação as ações da garota, teria orgulho da mulher que sua filha se tornou… Se há algum mérito nessa mudança é o fato de a mocinha ter sido representada de modo mais realista, desconstruindo estereótipos e se aproximando da dualidade que existe em qualquer ser humano. Apesar disso, essa condição complexa não foi bem orquestrada, ao longo da história.  

No desfecho, a revelação de que Sofia foi a responsável pela morte de Benjamin ocorreu de modo imediato e sem nenhum suspense. Não houve tempo para apostas e especulações. A investigação durou apenas alguns minutos e logo foi encerrada, quando a polícia se deparou com uma prova incontestável: o vídeo de uma câmera de segurança.

Em apenas dois episódios, Lola foi acusada, presa e depois confrontada por Sofia, que revelou seu plano diabólico para matar Benjamin e colocar a culpa em sua rival. Diante disso, fica a pergunta: será que daqui a dez anos alguém ainda vai se lembrar de que foi Sofia quem matou o herdeiro da família Argento?

A MALDIÇÃO DA PRESSA EM BELEZA FATAL
Figura 4: Cena em que Sofia revela a verdade à Lola.
 Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/saiba-tudo-que-aconteceu-no-capitulo-final-de-beleza-fatal/

Na primeira versão da novela Vale tudo (1989), escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, todos os brasileiros passaram semanas falando de um único assunto: “Quem matou Odete Roitman?” Sim! A novela virou fenômeno nacional e a inesquecível vilã, representada pela atriz Beatriz Segall, tornaram-se verdadeiros marcos da teledramaturgia brasileira. Anos depois, em 1995, o Brasil novamente parou para assistir ao último capítulo da novela A próxima vítima, de Silvio de Abreu, só para descobrir quem era o assassino. 

Mas o que diferencia as novelas do passado de Beleza fatal? O tempo. As duas novelas clássicas foram exibidas pela Globo e tiveram 203 capítulos ao todo. Vale tudo ficou no ar desde 16 de maio de 1988 até 6 de janeiro de 1989; e A próxima vítima foi exibida no ano de 1995, desde 13 março até 3 de novembro. Mas, hoje, tudo mudou! Em muitos sites, novelas como Beleza fatal têm sido classificadas como “séries dramáticas”. Porém, é sempre bom lembrar: novela não é série. Ainda que compartilhem o formato seriado, são produtos muito diferentes. A telenovela nasce do envolvimento cotidiano com o público, das conversas no almoço, das torcidas em favor ou contra determinado personagem, e do ator que apanha na rua por ter despertado a fúria dos telespectadores, na noite anterior… Tudo isso demonstra o impacto coletivo de uma história exibida no horário nobre e na TV aberta. A participação do público é sempre visceral e é parte da escrita. Enquanto a série é um produto pronto e acabado, a novela é feita todos os dias. É um processo vivo.

É verdade que, por causa da rapidez e da multiplicidade que a tecnologia digital propicia, o público de hoje prefere histórias mais breves. Porém, será que vale a pena reduzir o tempo e as implicações da narrativa novelesca só para adaptar esse gênero à pressa que caracteriza a sociedade contemporânea? O que isso faz com a emoção, o suspense e com o prazer da espera pelo próximo capítulo? A novela precisa de tempo para envolver e conquistar o público. Assim, dia após dia, ela acaba se tornando parte de nossas vidas.

A decisão de exibir Beleza fatal tanto na plataforma de streaming quanto na TV aberta revela um movimento estratégico — e também sintomático — das transformações recentes no modo como consumimos histórias, no Brasil e no mundo. Por um lado, é uma tentativa de ampliar o alcance da produção, dialogando simultaneamente com dois públicos: o espectador tradicional da televisão linear e o novo consumidor de conteúdo sob demanda, habituado à lógica da maratona. Por outro, essa escolha levanta questionamentos sobre o futuro da telenovela como forma cultural singular, especialmente quando seus fundamentos narrativos e temporais começam a ser reconfigurados pelas exigências das plataformas digitais.

É um novo mercado. O streaming oferece liberdade de horário, mobilidade e controle total do ritmo de fruição. Sem dúvida, é o espaço ideal para séries, formatos curtos, e narrativas que prescindem da espera. Já a TV aberta, ao manter a ritualização do “capítulo do dia”, favorece o suspense progressivo, o comentário coletivo, a antecipação e a construção de vínculos afetivos — tudo aquilo que fez da telenovela brasileira um fenômeno social e popularíssimo, ao longo das décadas.

Ao ser pensada para circular entre esses dois mundos, Beleza fatal parece ter tentado agradar a ambos, mas acabou enfraquecendo sua identidade novelesca. Ao adaptar sua duração e estrutura para o consumo rápido, típico do streaming, a novela abriu mão justamente daquilo que a faz inesquecível: o tempo para se enraizar no imaginário popular, para gerar repercussão social e para construir vínculos duradouros.

Quando me deparei com a notícia de que a novela seria exibida na TV aberta, achei essa seria a chance de recuperar a força da narrativa seriada longa, com seus altos e baixos, ganchos diários e com uma trama também ditada pelo público. No entanto, a novela, que foi feita para ser série, acabou se consolidando como um híbrido curioso: tecnicamente bem produzido, mas culturalmente difuso. Uma narrativa empolgante em vários capítulos, mas breve demais para se tornar inesquecível. Não há como negar. A memória popular precisa de repetição e de doses homeopáticas de adrenalina. O afeto precisa ser cultivado aos poucos. 

Beleza fatal tinha tudo para ser grande. Os clichês novelescos estão todos lá — e isso é um mérito, não um defeito. A novela cumpriu o papel de entreter e emocionar, mas faltou aquele algo a mais, que nos faz apostar, vibrar e torcer. Porque novela boa é aquela que termina, mas continua viva na conversa das pessoas…

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