Verônica Daniel Kobs
Atualmente, as redes sociais são espaços de produção e de leitura de textos de diversos tipos, inclusive literários, e o percurso dos autores varia bastante. Enquanto muitos já têm uma carreira consolidada, no mercado editorial dos livros impressos, mas começam a usar as redes para redefinir sua obra e seu público, também há aqueles que se lançam nas redes sociais, onde consolidam nome e estilo, para depois migrarem para a literatura impressa. Esse foi o caminho trilhado por Zack Magiezi e muitos outros, que, hoje em dia, às vezes aparecem nas listas dos mais vendidos, ao lado de poetas que são referência na literatura brasileira, como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Paulo Leminski e Hilda Hilst (Carneiro; Kusumoto, 2020).
O instapoeta Zack Magiezi (@zackmagiezi) fez uma breve passagem pelo Facebook, antes de aderir ao Instagram. Conforme o autor, sua preferência por essa rede social, que tem um grande apelo visual, deve-se a várias razões, como afirmou em algumas entrevistas: “‘Comecei a datilografar e fotografar o texto. Chamou a atenção o estilo antigo num ambiente digital’ conta. […]. ‘É uma rede social de superfícies, por isso é legal ter ali algo de dentro dos indivíduos’” (Carneiro; Kusumoto, 2020). De fato, grande parte de seus instapoemas privilegia sentimentos e relações interpessoais, focalizando o cotidiano e as angústias comuns a qualquer pessoa, como demonstram estes versos:
vem para um café
e fica a vida inteira (Magiezi, 2024)
Em meio às publicações de Zack Magiezi, no Instagram, há textos em verso e em prosa. A maioria é bastante breve, mas alguns contos são mais longos. Quando isso ocorre, as histórias são apresentadas desta forma: “eu queria saber ir embora (texto na legenda)” (Magiezi, 2024). Além disso, a produção do instapoeta oscila entre textos verbais, visuais e verbovisuais. Inclusive, há casos em que ele propõe ilustrações diferentes para um mesmo poema, multiplicando as versões, já que cada imagem revitaliza o sentido do texto. É o que ocorre com este instapoema: “viver é dançar conforme o caos” (Magiezi, 2024), que pode ser encontrado na versão puramente verbal (datilografado) ou acompanhado de imagens distintas: de cacos de vidro ou de uma bailarina.
A respeito desse processo, os críticos destacam a possibilidade de os autores usarem fotos e editá-las, a fim de produzir textos multimodais, de modo a consolidar a natureza mutável das práticas de escrita digitalizada (cf. Kovalik; Curwood, 2019, p. 185). Outra questão bastante discutida é a literariedade, que hoje deve ser olhada sob nova perspectiva, com base na hibridização e na volatilidade que o ciberespaço oferece: “Redefinem-se não só as experiências de leitura, mas os lugares de leitura, porque se tornam agora relativas as diferenças entre texto, imagem e lugar, muito embora a metáfora da tela com a página mascare essa situação inédita” (Beiguelman, 2003, p.18).
Evidentemente, com a alteração do suporte alteram-se também as atribuições de autores e leitores, que transitam por um espaço virtual comum: “Um texto que agora se dá a ler em um meio que é também o meio em que se escreve e, muitas vezes, no qual também se publica, agenciando um processo de reciclagem do conhecimento em uma escala sem precedentes, confundindo as práticas da escritura e da leitura” (Beiguelman, 2003, p. 18). Aprofundando essa nova geografia, que resulta do apagamento das fronteiras, percebem-se vantagens e desvantagens desse compartilhamento. Se, por um lado, o status do autor parece ser relativizado, o contato direto e a possibilidade de diálogo aguça a criticidade dos leitores, incentivando feedbacks, pelo fato de as redes sociais serem plataformas que potencializam a mobilidade e a acessibilidade (cf. Kovalik; Curwood, 2019, p. 185).
Nesse panorama, o instapoeta Zack Magiezi conta com “quase 1 milhão de seguidores na rede e três livros publicados, que somam mais de 60.000 exemplares vendidos” (Carneiro; Kusumoto, 2020). Em meio à multiplicidade que caracteriza sua produção, ainda podem ser mencionados aforismos, críticas aos efeitos da rapidez sobre a sociedade contemporânea e até mesmo o uso de trocadilhos que exploram a grafia e a sonoridade das palavras, em uma clara referência à poesia concreta. Observe estes textos do autor:
@Instapoema1
você vem?
voo (Magiezi, 2024)
@Instapoema2
eu ainda escuto discos inteiros
sempre terei tempo para o todo (Magiezi, 2024)
@Instapoema3
procuro alguém fluente em dizer o que realmente sente (Magiezi, 2024)
Utilizando alguns recursos comuns aos textos de Magiezi, a instapoeta Verena Smit (@verenasmit) também explora a datilografia, em textos em prosa ou em verso, os quais se apresentam como verbais, verbovisuais (incluindo inscrições em objetos) ou apenas visuais (como diagramas, por exemplo). Contudo, no caso dessa autora, a visualidade é enfatizada mesmo quando o instapoema é feito somente de palavras. Isso se deve ao uso da topossintaxe, que incentiva uma distribuição racional das palavras ou letras pelo espaço em branco da tela. “Assim, a palavra, essência da poesia, negocia com a imagem e os grafismos da letra e da palavra manuscrita ou manipulada graficamente e interfere neles para a produção da poesia visual; […]” (Antonio, 2016).
Realçando ainda mais as influências concretistas, Verena Smit mistura datilografia, letra de fôrma e letra manuscrita, além de utilizar o tachado para rasurar partes da palavra, que, depois, por meio de inserções e sobreposições, ganham novas letras ou sílabas. Esse processo de reescrita e ressignificação pode ser exemplificado com estes versos:
Pode-se perceber que Smit cria textos brevíssimos relacionados a temas que geram debate nas mídias e na sociedade. Pode ser a morte de uma monarca, algo relacionado ao local de fala ou às questões de gênero. O fato é que Verena Smit consegue dizer muito com pouquíssimas letras, já tendo conquistado inúmeros seguidores e milhares de curtidas no Instagram. Ao analisar as feições e atribuições que a literatura vem ganhando nas redes, a pesquisadora Vanessa Cardozo Brandão afirma que:
Nessa compreensão da literatura, territórios improváveis podem se tornar o lugar em que o texto emerge, das frestas da vida cotidiana, para materializar-se diante do leitor. Com a emergência da internet – a princípio com os blogues e mais recentemente com as redes sociais digitais –, outros espaços coletivamente constituídos e propícios a interações passaram a configurar-se como possibilidade da escrita. (Brandão, 2019, p. 75)
Dessa forma, com os recursos disponíveis hoje, os perfis do Instagram podem facilmente deixar de ser pessoais para se tornar profissionais e artísticos. Para isso, alguns sites, como https://www.canva.com/pt_br/ e https://www.craiyon.com/, podem ser de grande ajuda na produção de instapoemas, já que oferecem ferramentas de edição e Inteligência Artificial (IA) generativa. Curtiu essa dica?
#Referências
ANTONIO, J. L. Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais. Disponível em: <https://archive.the-next.eliterature.org/museum-of-the-essential/museu/library_pdf/PoesiaEletronicaApresentacao.pdf>. Acesso em: 16 out. 2016.
BEIGUELMAN, G. O livro depois do livro. São Paulo: Peirópolis, 2003.
BRANDÃO, V. C. Do Facebook para o livro: redes sociais digitais como espaço para a escrita (poética) do cotidiano. In: ARBEX, M.; VIEIRA, M. de P.; DINIZ, T. F. N.(Orgs.). Escrita, som, imagem: perspectivas contemporâneas. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019. p. 63-82.
CARNEIRO, R.; KUSUMOTO, M. Instapoetas, o fenômeno que tirou a poeira da poesia. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/especiais/instapoetas-o-fenomeno-que-tirou-a-poeira-da-poesia>. Acesso em: 22 abr. 2020.
KOVALIK, K.; CURWOOD, J. S. #poetryisnotdead: understanding Instagram poetry within a transliteracies framework. Literacy, Leicester, v. 53, n. 4, p. 185-195, nov. 2019.
MAGIEZI, Z. Instagram. @zackmagiezi. Disponível em: <https://www.instagram.com/zackmagiezi/>. Acesso em: 13 out. 2024.
SMIT, V. Instagram. @verenasmit. Disponível em: <https://www.instagram.com/verenasmit/>. Acesso em: 10 out. 2024.
—————————-
Este texto integra o capítulo “Textos mínimos, múltiplos e incomuns”, escrito por Verônica Daniel Kobs e publicado no livro Leituras intermidiáticas e intermidialidades narrativas. Organizada por Cristiane de Mattos, Maria C. Ribas e Thaïs Diniz, a coletânea foi lançada em 2024, com o selo da Editora Pontes.