O encontro
Todo final de ano é igual. Compromisso é compromisso, ele sorri. Sandálias de couro, calça preta e blusão. O cabelo ralo, a bengala de madeira e a mão protegia as vistas da incidência de luz.
Você não quer voltar? Ele desvia o olhar para a menina que passeia com o cachorro. Respondo que não quero voltar. Bobagem, ele me diz, ninguém quer realmente ir embora, ninguém quer me dar às costas. Tenho todo o tempo. Saio. Ele me segura pelos ombros. Apesar da velhice, ele ainda é forte. Rapaz, não me ignore. Lembre-se: não fui eu que procurei você.
Os dedos ossudos apontam para o lado esquerdo de meu peito. A marca dói. Não é difícil, rapaz. Porém, gosto de seu espírito. Você resiste e meu Deus – é uma força de expressão – há quanto tempo eu não tenho uma boa luta. Ele senta-se outra vez. Uma criança corre até ele. Sorri. A mãe se apressa para pegá-la, pede desculpas pela filha. Ele faz o truque da moeda. Um real. Pode levar para comprar bala. É o começo de sua fortuna, ele vaticina. A mãe da criança diz alegre, Espero que os anjos no céu digam amém. Ele, cínico, acrescenta Já ouço o coral daqui.
Ninguém liga para um velho na rua no fim de ano, não? Aponta as pessoas: caminham para a casa das outras. É o almoço dominical. E me pergunta O que você tem nessa sacola? Carne moída, queijo ralado… Macarrão à bolonhesa… É um velhinho simpático. Ninguém parece notar a maldade em seus olhos. Ninguém parece perceber a força dos braços esqueléticos.
Por que você está com o capeta? Eu não andaria com o diabo, nem por cachaça, nem por dinheiro, nem por mulher. Não liguem, ele é maluco, o velho faz o sinal com o dedo indicador na cabeça. Um louco é a luz do mundo! Tenho outras visitas, cuide-se. Acho que você está com uma infecção no ouvido. Procure um médico.
Ele se afasta. Some no final da rua. As palavras ecoam ainda em meus ouvidos: compromisso é compromisso. Não posso dar atenção excessiva ao velho. O macarrão à bolonhesa não se fará sozinho. Daqui a pouco o ano… Ele nunca terminará, sussurra o vento ao meu redor.