“As palavras” e a arte de escrever

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Os finais de semanas das pessoas “normais” servem, geralmente, para curtir uma praia, balada, shopping ou algo do gênero, e não que esse tipo de entretenimento não me agrade, muito pelo contrário, porém, nada melhor do que imergir-se nas maratonas da Netflix.  Pois bem, foi justamente numa dessas maratonas que eu tive o prazer de assistir “As palavras” (The Words), mais um filme de sucesso do “queridinho de Hollywood”, o Bradley Cooper.

O filme conta a história de um escritor talentoso, embora fracassado por suas “não publicações”, e a dependência financeira com o pai empresário que isso lhe provoca. O insucesso literário, embora o atinja em cheio, não afeta o relacionamento com sua esposa, que até planeja uma viagem bem-sucedida à Paris. É na capital francesa que a sua vida começa a mudar drasticamente. Quando regressa, Rory Jansen, interpretado pelo Cooper, descobre que a falta de inspiração voltou junto ao autor, mas ao descobrir um manuscrito em uma pasta que havia sido comprada numa loja de artigos usados na França, Rory descobre, enfim, uma “história de sucesso”.

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Bradley Cooper foi indicado como “Melhor ator em filme dramático” pela Teen Choice Award. (Foto: Imagem Filmes/Reprodução)
 

Não demorou muito tempo entre a descoberta, a leitura compulsiva, a transcrição feroz e o desejo, nesse caso evidente, de apropriar-se da narrativa anônima. O escritor, outrora desconhecido no cenário literário, não só recebeu os aplausos e as condecorações das academias, mas ganhou muito dinheiro, o respeito dos agentes literários e editores, e, o mais importante, o da própria esposa, que pela primeira vislumbrava o “talento” iminente do esposo-autor. Não obstante o sucesso, algo incomodava o fraudulento Rory: a consciência, que mesmo notando as páginas amareladas daquele manuscrito de outra década, não conseguia burlar a mente, que lhe incomodava dia e noite.

Sem delongas, Rory tem um encontro inusitado com um senhor, o verdadeiro autor daquele enredo, que segue os passos do charlatão renomado até abordar-lhe num parque e contar a verdade por trás do texto encontrado. Logo sente constrangimento por tamanho erro, e decide repará-lo, sem sucesso, pois o ancião, um velho de guerra, que escrevera nos tempos de sua juventude as aventuras de um casamento relâmpago, a dor da perda de um filho e um amor que não se apagou, não queria ter o direito aos créditos nos livros e tudo o que ele lhe proporcionaria; queria não ter suas memórias roubadas.

Enfim, é chegado o ponto alto da história, a catarse que merece, de fato, ser explorada: a arte de escrever uma boa história. Esse, talvez, seja um dos piores pesadelos de qualquer escritor do mundo. A pressão que o cerca é maiúscula, desde os escritores iniciantes até os mais renomados, esses últimos, na verdade, são os mais pressionados. A arte de escrever é romântica, não à toa atribuía-se às musas gregas as grandes inspirações literárias, como a d’Os Lusíadas. Em um mundo tão globalizado, capitalista e emergente, cada vez menos temos boas histórias para contar uns aos outros, ou mesmo que tivéssemos, não teríamos tempo hábil para compartilhá-las.

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Rory Jansen, apesar do grande erro que cometeu e de ter usufruído de tudo o que ele lhe ofereceu, era sedento por uma boa história. Ele não queria apenas ser reconhecido como um “mais vendidos”, desejava o impossível, sentir o prazer de ter escrito aquelas linhas, palavra por palavra. Queria ter tido o prazer de errar na escolha delas. O prazer pela troca nos sinônimos. Ele queria ter uma musa que o inspirasse, que o tornasse grande como Camões, quem sabe Shakespeare. Mesmo que não tenhamos espectadores com ouvidos atentos e preparados, todos nós só queremos uma boa história para contar, e não descansaremos as pálpebras até que isso aconteça.


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