“Da Boca pra Dentro” fala do que você guarda por dentro
O título dessa resenha pode parecer redundante, mas a verdade é que a autora Yohana Sanfer traz em seu pequeno livro, crônicas sobre amor, sentimentos, seguranças, inseguranças e sobre a vida de um jeito único e original, com uma pitada autobiográfica, mas que faz com que nos identifiquemos muito. Suas crônicas são poéticas, carregadas de sonhos, coragem e reflexões.
Escrito pela autora nacional Yohana Sanfer e publicado em 2013, pela editora Vermelho Marinho, o livrinho de 159 páginas (já pode colocá-lo na sua lista de “livros para ler em um dia”) é extremamente difícil de ser resenhado, portanto decidi expor seus trechos que falam de família, sobre ser mulher, sobre o amor e sobre tudo o que, muitas vezes, guardamos para nós da boca pra dentro. Não deixe de ler esse livro, porque essas páginas, meu amigo leitor, trazem muito mais do que você pode imaginar, e vai engrandecer a sua forma de pensar de um modo inexplicável.
“Sair pra quê, tá quente lá fora e melhor, bem melhor aqui dentro. Mas se eu preciso te falar, faço assim, musicada. Estico meus braços, alcanço teu som, aumento o volume e canto pra você o refrão de: ‘deixa o verão.’ Dispensáveis palavras. Minha boca calada, colada na sua, responde por mim: boicote ao verão. Então, deixa, deixa o verão, deixa o verão pra mais tarde.” (p. 49)
“Soube que te amava, não quando te quis pra toda vida, mas quanto te queria em todos meus finais de dia. Pra te ouvir mesmo cansada, pra te esperar acordada, pra ter e receber o colo que só a gente sabia se dar. Refletir o presente, ser encaixe perfeito, repouso e divã.” (p. 51)
“‘Não sei’ não rende assunto, não dá chance nem esperança. Não dá audiência. É preguiça, provocação. ‘Não sei’ é arrancar as páginas de possibilidades e reflexões de um livro bom, é posição de impedimento, é tirar o corpo fora. Puro descaso, covardia. O boicote das justificativas. A alergia dos práticos. A úlcera dos ansiosos.” (p. 55)
“Ele vai chegar. Vai chegar como ondas de um mar imprevisto, daquelas bonitas, merecedoras de uma bela fotografia. Daquelas que ainda que você tente correr, te alcançam e te regam os pés, te puxam sem permissão, te lavam a alma e o coração e te devolvem às margens, tonta, quase inconsciente, tamanho seu impacto e alcance. Te envolverá como bossa nova em frente ao mar com direito a brisa e pôr do sol. Leve mas transformador.” (p. 57)
“Moram da boca pra dentro nossos silêncios falhos, nossas falas eternizadas na lembrança de alguém, o sentimento entregue num agradecimento, numa saudação sincera, numa notícia boa, numa declaração de amor. (…) Viver tem que vir de dentro. Da boca pra dentro. De tudo que vier do coração.” (p. 61)
“O sexo, dizem ser frágil, mas o fardo que lhe atribuem é pesado. E ela que de frágil não tem nada, aguenta. Muito mais do que a piada machista, ela aguenta a criança no colo, a bolsa nos ombros, a lata na cabeça, o orçamento mensal, a cantada barata, a beleza imposta, ordenada, padronizada e uma bagagem inteira de injustiças e discriminações. Quando pobre e negra, opressão dobrada.” (p. 85)
“Acho que essa mania de querer voar alto e tocar o céu começou quando eu era menina, quando nos parques minha mãe me balançava e eu pedia pra ir mais alto. Ela dizia que eu ia chegar na lua e eu adorava a ideia. Cresci assim. Cheia de ideias e ideais. Querendo o tudo, o muito, o além e pra já, de preferência.” (p. 91)
“Mãe é parte inteira, perto ou longe, no céu ou à nossa volta, um amor que nos enxerga coração fora do corpo. Ainda bem.” (p. 117-118)
“Meu pai é admirável pela sua garra e ideais. Um pai que entra com coragem na berlinda que é viver e levanta a bandeira de que só a luta muda a vida. Pai que reclama quando bagunço o seu jornal ou não atendo o celular. Pai que faz o melhor salmão do mundo inteirinho e que puxa a minha orelha quando me atraso para os nossos almoços. (…) Um pai em quem reconheço não só a minha cara mas, sobretudo, minha vontade de brigar pelo que quero e acreditar que um mundo melhor é possível. Um amor particular que agora torno público pela primeira vez.” (p. 131-132)
“Machismo tem pai e mãe. O capitalismo e a ignorância. E pra essa família crescer só depende da gente. Da nossa grande disposição pra reproduzir tolices e moralismos banais.” (p. 135)
“Eu vivo é de quereres, insaciáveis e emergentes. Reciclo minhas coragens e não confiro a temperatura da água. Eu mergulho. Inteira. E descubro que sei nadar.” (p. 148)
“Todo dia, um quase desmoronar. Mas daí vem o sonho e nos puxa pela mão. Haja coragem na alma para tanto sentir. Haja coração no peito para tanto sonhar.” (p. 157)
E aí, o que você guarda da boca pra dentro é tão profundo quanto Yohana Sanfer, que sabe a importância de pôr para fora? Devemos aprender com ela, pelo nosso bem, para tirar o peso da alma ou… podemos acabar nos afogando.