Principais livros do Renascimento ao Iluminismo (1300 – 1800)

Sara Muniz

Na segunda postagem dessa série de seis, trarei para os estudantes e/ou leitores de Literatura Universal, os principais livros do período do Renascimento ao Iluminismo. Não deixe de conferir a primeira postagem, na qual indiquei os principais livros da Literatura Medieval.

A Divina Comédia (1308 – 1320, de Dante Alighieri): Texto fundador da língua italiana, súmula da cosmovisão de toda uma época, monumento poético de rigor e beleza, obra magna da literatura universal. É fato que a “Comédia” merece esses e muitos outros adjetivos de louvor, incluindo o “divina” que Boccaccio lhe deu já no século XIV. Mas também é certo que, como bom clássico, este livro reserva a cada novo leitor a prazerosa surpresa de renascer revigorado, como vem fazendo de geração em geração há quase setecentos anos. A longa jornada dantesca através do Inferno, Purgatório e Paraíso é aqui oferecida na íntegra – com seus mais de 14 mil decassílabos divididos em cem cantos e três partes

Romance dos Três Reinos (século XIV, de Luo Guanzhong): O Romance dos Três Reinos (Roman des Trois Royaumes), também conhecido por Os Três Reinos, constituído por 120 capítulos, foi publicado na China, em 1394, e a sua autoria atribui-se a Luo Guanzhong (1330-1400). Considerado o mais popular e o maior de todos os grandes romances históricos chineses e uma das quatro grandes obras da literatura clássica chinesa, baseia-se em obras e eventos históricos chineses, apesar de, na sua maioria, a obra ser inventada. A sua história consiste nas aventuras épicas de personagens reais ou imaginários, contadas numa linguagem simples, passadas na China, na época dos três reinos, no século III. A trama centra-se nos muitos episódios sobre a luta de sucessão, que se seguiu, na China, à queda da dinastia Han, e na repartição do império em três reinos: o reino de Wei, o mais importante; o reino de Shu (Sichuan), no Sul; e o reino de Wu (Yangzijiang), no Norte. Leia o post do Recorte sobre O Romance dos Três Reinos, por William Passarini:

https://recortelirico.com.br/2020/11/o-romance-dos-tres-reinos/

Os Contos de Canterbury (C. 1387 – 1400, de Geoffrey Chaucer): Os Contos de Canterbury, escritos entre 1386 e 1400, são o primeiro grande clássico da literatura em língua inglesa. Nesta obra, permeada de lirismo e humor, trinta peregrinos – entre os quais se inclui o próprio autor, Geoffrey Chaucer – partem em romaria para a catedral de Canterbury e durante a viagem contam, cada um à sua maneira, uma história para entreter o grupo, iluminando de maneira fascinante as diversas facetas da vida medieval.

As histórias de Gargântua e Pantagruel (1532 – 1564, de François Rabelais): As histórias morais deslumbrantes e exuberantes de Rabelais (c.1471-1553) expõem as loucuras humanas com seu humor obsceno e malvado, enquanto unem o realista com a fantasia de carnaval para nos fazer parecer de novo no mundo. Gargantua retrata um jovem gigante, reduzido à insônia ridente por uma educação nas mãos da ignorância paterna, antigos cônjuges e professores sífilicos, que é ressuscitado e transformado em um cavaleiro cristão culto. E em Pantagruel e suas três sequências, Rabelais parodiou altos contos de cavalaria e satirizou a lei, teologia e academia para retratar o filho livreto de Gargantua que se torna um renascentista, divinamente guiado em sua sabedoria, e seu companheiro idiota, autoamante Panurge.

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Edição histórica d’Os Lusíadas.

Os Lusíadas (1572, de Luís de Camões): Mais que uma obra literária, pode-se dizer que é uma obra de arte, tal foi o empenho do autor em mantê-la com esta regularidade formal. Considerado o maior poema épico da língua portuguesa, foi publicado em 1572, com o apoio do Rei D. Sebastião. O poema conta histórias sobre as perigosas viagens marítimas e a descoberta de novas terras, povos e culturas, exaltando o heroísmo do homem, que, navegador, aventureiro, cavalheiro e amante, é também destemido e bravo, e enfrenta mares desconhecidos em busca dos seus objetivos.

A História Trágica do Doutor Fausto (1604, de Christopher Marlowe): Christopher Marlowe escreveu ‘A história trágica do Doutor Fausto’ por volta de 1590. Produzida sob o período elizabetano, ao qual pertenceram Shakespeare, Ben Jonhson, Webster e outros mais de 40 dramaturgos, a história de Fausto, inspirada na recolha anônima alemã de contos sobre praticantes de ciências ocultas, parte em verso parte em prosa, trata do pacto de um homem com o diabo, oferecendo sua alma em troca de favores diabólicos.

Dom Quixote (1605 – 1615, de Miguel de Cervantes): Dom Quixote de La Mancha não tem outros inimigos além dos que povoam sua mente enlouquecida. Seu cavalo não é um alazão imponente, seu escudeiro é um simples camponês da vizinhança e ele próprio foi ordenado cavaleiro por um estalajadeiro. Para completar, o narrador da história afirma se tratar de um relato de segunda mão, escrito pelo historiador árabe Cide Hamete Benengeli, e que seu trabalho se resume a compilar informações. Não é preciso avançar muito na leitura para perceber que Dom Quixote é bem diferente das novelas de cavalaria tradicionais – um gênero muito cultuado na Espanha do início do século XVII, apesar de tratar de uma instituição que já não existia havia muito tempo. A história do fidalgo que perde o juízo e parte pelo país para lutar em nome da justiça contém elementos que iriam dar início à tradição do romance moderno – como o humor, as digressões e reflexões de toda ordem, a oralidade nas falas, a metalinguagem – e marcariam o fim da Idade Média na literatura.
Mas não foram apenas as inovações formais que garantiram a presença de Dom Quixote entre os grandes clássicos da literatura ocidental. Para milhões de pessoas que tiveram contato com a obra em suas mais diversas formas – adaptações para o público infantil e juvenil, histórias em quadrinhos, desenhos animados, peças de teatro, filmes e musicais -, o Cavaleiro da Triste Figura representa a capacidade de transformação do ser humano em busca de seus ideais, por mais obstinada, infrutífera e patética que essa luta possa parecer.

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Dentre inúmeras adaptações cinematográficas, Adam Driver contracenou com Jonathan Pryce em “O Homem que Matou Dom Quixote” (2018).

O Primeiro Fólio (1623, de William Shakespeare): Impresso no tamanho “fólio” grande, o Primeiro Fólio é a primeira edição da coletânea das peças de William Shakespeare. Foi compilado após sua morte em 1616 por dois de seus colegas atores, John Heminge e Henry Condell, e publicado em 1623. O livro contém o texto completo de 36 das peças de Shakespeare. Os principais editores foram Edward Blount (1565 a 1632), um livreiro e editor de Londres, e Isaac Jaggard (falecido em 1627), filho de William Jaggard (por volta de 1568 a 1623), um editor e impressor associado de longa data de Shakespeare, que faleceu no ano em que o fólio foi produzido. O número de cópias impressas do Primeiro Fólio é desconhecido, mas a tiragem provavelmente foi bem pequena: provavelmente não passou de 750 cópias. A Biblioteca Folger Shakespeare em Washington, DC, tem no acervo 82 cópias do Primeiro Fólio, cerca de um terço das cópias ainda existentes, e certamente a maior coleção do mundo. A cópia aqui apresentada é o número 68 desta coleção.

O Misantropo (1666, de Molière): Considerada um dos pontos mais altos da obra de Molière, O misantropo tem impecável tradução de Barbara Heliodora. “A Europa olha para esse livro como a obra-prima da alta comédia.” – Voltaire “Reli incessantemente O misantropo, uma das peças que me são mais caras.” Goethe Encenada pela primeira vez em 1666, a peça narra as dificuldades sociais de Alceste, um cavalheiro do século XVII extremamente crítico da hipocrisia e da falsidade dos modos elogiosos e educados da corte de Luís XIV, e apaixonado por Célimène, uma coquete que se deixa cortejar por outros homens e se entedia profundamente com as convenções e obrigações da sociedade da época. O “embate” entre os dois, personalidades muito diferentes, é contado em cinco atos, com as falas compostas em versos alexandrinos.

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Um dos livros fundamentais da Literatura Universal, Os sermões de Padre Antônio Vieira compreende não só à literatura portuguesa, mas à tupiniquim.

Os Sermões (1682, de Padre Antônio Vieira): Jesuíta brilhante, cosmopolita, diplomata do Reino de Portugal, conselheiro de reis, polemista, perseguido pelo Santo Ofício, o Padre Antônio Vieira (1608-1697) foi múltiplo, às vezes contraditório. Há consenso, entretanto, quanto à genialidade dos seus sermões, dos quais cerca de duzentos chegaram até os nossos dias. Estão reunidos neste livro o ‘Sermão da Sexagésima’, o ‘Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda’ e o ‘Sermão do bom ladrão’. O primeiro, escolhido pelo próprio Vieira para abrir o volume de seus sermões compendiados, versa sobre a arte de pregar e de falar às multidões, além de apresentar a profissão de fé do pregador. O ‘Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda’, é talvez o texto mais conhecido de Vieira e certamente um dos mais impressionantes. Nele, o padre roga ao Deus católico que auxilie os portugueses contra os holandeses, que ameaçavam invadir a Bahia – e o faz em um inaudito tom agressivo e belicoso que chega às raias da heresia. Em ‘Sermão do bom ladrão’, Vieira – num lance profético que mostra o seu profundo entendimento sobre os problemas do Brasil – ataca e critica aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente.

Trilha Estreita ao Confim (1702, de Matsuo Bacho): O livro apresenta o texto de Basho (mestre incontestável do haikai) em sua forma original, com o ciclo completo de seus principais relatos de viagem. É um convite ao leitor para mergulhar na extraordinária experiência de um poeta fundamental para a poesia contemporânea.Um clássico da literatura haikai, com tradução direta do japonês.

Robinson Crusoé (1719, de Daniel Defoe): O argumento básico de Robinson Crusoé é universalmente conhecido. Isolado em sua “Ilha do Desespero” (ao largo da atual Venezuela) após um trágico naufrágio, o marujo inglês luta pela sobrevivência valendo-se de todos os escassos meios a seu alcance. Com o tempo e os utensílios recuperados do navio, ele chega a se tornar um competente marceneiro e agricultor, além de pastor de cabras e profundo conhecedor da Bíblia – a única leitura disponível. Sem contato com qualquer ser humano por mais de duas décadas, certo dia Crusoé salva um nativo do assassinato por canibais que haviam aportado numa das praias da ilha, e logo o faz seu criado, dando-lhe o nome de Sexta-Feira. Alguns anos mais tarde, o acaso leva um navio inglês às proximidades da ilha, dando início a um longo conflito com a tripulação amotinada.

Cândido ou o otimismo (1759, de Voltaire): Até ser expulso de um lindo castelo na Westfália, o jovem Cândido convivia com sua amada, a bela Cunegunda, e tinha a felicidade de ouvir diariamente os ensinamentos de mestre Pangloss, para quem “todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis”. Apesar da crença absoluta na doutrina panglossiana, do primeiro ao último capítulo, Cândido sofre um sem-fim de desgraças: é expulso do castelo; perde seu amor; é torturado por búlgaros; sobrevive a um naufrágio para em seguida quase perecer em um terremoto; vê seu querido mestre ser enforcado em um auto da fé; é roubado e enganado sucessivas vezes. Cândido só começa a desconfiar do otimismo exacerbado de seu mestre quando ele próprio e todos os que cruzam seu caminho dão provas concretas que o melhor dos mundos possíveis vai, na verdade, muito mal. Cândido, ou o Otimismo é um retrato satírico de seu tempo. Escrito em 1758, situa o leitor entre fatos históricos como o terremoto que arrasou Lisboa em 1755 e a Guerra dos Sete Anos (1756-63), enquanto critica com bom-humor as regalias da nobreza, a intolerância religiosa e os absurdos da Santa Inquisição. Já o caricato mestre Pangloss é uma representação sarcástica da filosofia otimista do pensador alemão Gottfried Leibniz (1646-1716). Antecipando o sucesso desbragado e a carreira de escândalo do livro, Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet, assinou a obra com o enigmático Sr. Doutor Ralph.

Os Bandoleiros (1781, de Friederich Schiller): Schiller nasceu no ano de 1759 na cidade de Marbach, sul da Alemanha, e faleceu em 1805, em Weimar. Começou a escrever Os bandoleiros, sua peça de estréia, provavelmente no ano de 1777, quando ainda não havia completado 18 anos, e publicou-a em meados de 1781, em edição própria e anônima. Motivada por um conto de Christian Daniel Schubart, intitulado ‘Por uma história do coração humano’ uma variação da parábola do filho pródigo , a peça é marcada pela influência do Sturm und Drang (movimento romântico alemão, também conhecido por titanismo) e pontilhada de referências às tragédias de Shakespeare, à obra do jovem Goethe, aos poemas de Klopstock e a vários escritores clássicos. Juntando seus conhecimentos a respeito do pietismo, da mitologia grega, da Bíblia e da medicina, Schiller deu à luz uma obra selvagem, drástica e em certo sentido e em algumas passagens paradoxal, mas cheia de dinamismo, vigor e ímpeto. A força da peça foi tão grande, seu impacto tão intenso, característico e subjetivo, que a imagem de Schiller ficou para sempre ligada à imagem de sua primeira obra. Embora tenha professado o classicismo de Weimar junto com Goethe, na fase tardia de sua obra , Schiller seria sempre lembrado pelo fulgor juvenil e titânico d’Os bandoleiros, pela fúria selvagem, pelo ímpeto e pelo desespero de suas primeiras páginas.

As Relações Perigosas (1782, de Pierre Choderlos de Laclos): Durante alguns meses, um grupo peculiar da nobreza francesa troca cartas secretamente. No centro da intriga está o libertino visconde de Valmont, que tenta conquistar a presidenta de Tourvel, e a dissimulada marquesa de Merteuil, suposta confidente da jovem Cécile, a quem ela tenta convencer a se entregar a outro homem antes de se casar. Lançado com grande sucesso na época, As relações perigosas teve vinte edições esgotadas apenas no primeiro ano de sua publicação. O livro ficou ainda mais popular depois de várias adaptações para o cinema, protagonizadas por estrelas hollywoodianas como Jeanne Moreau, Glenn Close e John Malkovich. E também boa parte do sucesso do romance deve-se ao fato de a história explorar com muita inteligência os caminhos obscuros do desejo.


Leitura Adicional:
Decamerão (Giovanni Boccaccio);
Sir Gawain e o Cavaleiro Verde (autor desconhecido);
Izutsu (Zeami Motokiyo);
A morte de Arthur (Sir Thomas Malory);
Amadis de Gaula (Garci Rodríguez de Montalvo);
A Trilogia das Barcas (Gil Vicente);
Les Amours de Cassandre (Pierre De Ronsard);
A Rainha das Fadas (Edmund Spenser);
O Cid (Pierre Corneille);
O Paraíso Perdido (John Milton);
Fedra (Jean Racine);
A Princesa de Clèves (Madame de Lafayette);
As Viagens de Gulliver (Jonathan Swift);
Clarissa (Samuel Richardson);
Tom Jones (Henry Fielding);
A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy (Laurence Sterne);
Os Sofrimentos do Jovem Werther (Johann Wolfgang Von Goethe);
Canções de inocência e de experiência (William Blake);
Jacques, o fatalista, e seu amo (Denis Diderot).


REFERÊNCIAS:
O livro da literatura / organização James Canton [et al.]; tradução Camile Mendrot [et al.] – 1. ed. São Paulo: Globo, 2016. (p. 62-105)
Amazon.com.br (sinopses)
Biblioteca Digital Mundial, O Primeiro Fólio de Shakespeare (sinopse). Disponível em: https://www.wdl.org/pt/item/11290/
Infopédia, O Romance dos Três Reinos (sinopse). Disponível em: https://www.infopedia.pt/$romance-dos-tres-reinos

2 comentários em “Principais livros do Renascimento ao Iluminismo (1300 – 1800)”

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