Cadê o cânone? E qual é a novidade? A rebeldia da literatura polarizada
Em meio a uma profusão de vozes e discursos em um século que poderia, segundo alguns, ser classificado como “Era do autor”, isso acentuado pelo enorme acesso e popularidade das redes, vitrine de grande parte dos novos autores, a dicotomia se assenta e observa sorridente.
Os amantes do cânone literário e saudosos dos corredores acadêmicos supervalorizam o sagrado prato em que comeram e reviram-se diante das citações desencontradas atribuídas à Clarice Lispector, Machado de Assis, Caio Fernando Abreu e outras nomes da literatura nacional, desdenhando das produções contemporâneas oriundas da muita fala e da pouca leitura. A literatura novata, prolixa e cheia de energia para estes não tem valor.
Enquanto isso, as numerosas e aglomeradas vozes dos tempos atuais rasgam o verbo, o sujeito e o cânone, desprezam o prato de que se alimentaram e se levantam para assentar no trono dos vivos, das pautas sociais e dos protagonistas marginalizados. Igualmente para esses, não interessa e não têm valor os mestres mortos, ícones de suas épocas, cujas estéticas ainda insistem e ressoam bem vivas num discurso coberto de universalidade idosa e coerente, vestida de ciúme, loucura e interesses dos mais escusos.
A balança procura o equilíbrio da convivência. As produções literárias no Brasil não nasceram hoje e são filhas dos populares folhetins, voltados ao entretenimento. Se entre a tradição e modernismo, segundo Silviano Santiago, a permanência e a retomada do discurso se estabelecia pelo viés do riso, da transgressão e da ruptura por parte das gerações mais novas, hoje a literatura não retoma e nem revisita. O desvio não vem pelo riso, mas pela rejeição.
O autor morto não serve, está superado, é retrógrado. O leitor de hoje tem interesse em outras temáticas e formas de abordagem. Já faz melhor. O autor vivo, virtual e pedante nunca irá esgotar e superar a fonte de onde bebeu. Os opostos não conseguem atrair-se.
Os educadores fazem malabarismo para unir essas mãos distintas, entre o que consideram adequado e inadequado, embora a maioria também conte para a divisão. Eu insisto e invisto na convivência. Todos deveriam considerar o valor dos autores canônicos, fundamentais e figuras de presença confirmada nos processos seletivos, dos quais vêm toda a nossa bagagem crítica e teórica, e igualmente a qualidade de quem aprendeu e de forma autônoma e criativa desenvolve com talento e maestria mundos e discute questões atuais. Com critério, leitura e adequação, a permanência e a convivência constituem caminho fundamental a ser seguido. Não ver valor e beleza em cada produção, na estética de cada época e na recepção de cada grupo social é um erro perigoso. Cada faceta apresentada e cada produção em seu momento específico constituem o que é a literatura nacional hoje. Obras não morrem e nem são superadas. Elas existem, coexistem e principalmente, influenciam. Esse conhecimento é fundamental e faz com que também nos reconheçamos e conheçamos, além de nossa história, como as nuvens de nossas ideias se formaram.
Afinal, Thalita Rebouças, Mário, Drummond, Martha Medeiros, Borges, Clarice, Daniel Galera e Paulo Coelho permanecem lado a lado nas mesmas estantes e prateleiras, compartilhando os mesmos espaços físicos e virtuais, sem conflito. É perfeitamente possível e enriquecedor desfrutar de um variado cardápio de acordo com o momento, a fase, o gosto e o leitor. Como na direção de um automóvel é sempre importante o exercício de olhar para trás e para adiante. Retrovisor e para-brisas são fundamentais para uma viagem gostosa e segura. Perde quem se fecha para conhecer, reconhecer e desfrutar do melhor de cada momento e do que cada literatura tem a oferecer.
Assino embaixo disso : “Com critério, leitura e adequação, a permanência e a convivência constituem caminho fundamental a ser seguido. Não ver valor e beleza em cada produção, na estética de cada época e na recepção de cada grupo social é um erro perigoso.”
Abraço do Beto